Enquanto o mercado financeiro aguarda ansiosamente pelo primeiro corte de juros nos Estados Unidos em junho, Roberto Campos Neto, presidente do Banco Central do Brasil (BC), demonstrou cautela com relação aos rumos da política monetária da maior economia do mundo.

Após um processo de desinflação no último ano, puxado principalmente pelos preços de alimentos e energia, Campos Neto disse nesta terça-feira, 3 de abril, que o processo nos Estados Unidos “deu uma estacionada”, com a inflação rodando na casa dos 3,2%, conforme a última leitura, em fevereiro.

Destacando que o cenário global está muito mais desafiador agora do que em fevereiro, o presidente do BC disse que os dados de inflação americana de março, previstos para saírem dia 10 de abril, serão “muito relevantes” para entender se o afrouxamento da política monetária acontecerá no ritmo e no momento previstos pelo mercado.

“O BC americano precisa ter uma narrativa sobre o processo de desinflação e essa narrativa tem ficado com um grau de incerteza maior, porque alguns fatores não têm se mostrado tão desinflacionários”, disse ele, durante o 10th Brazil Investment Forum, promovido pelo Bradesco BBI.

Para Campos Neto, falta entender de onde virá a força final de desinflação para completar o last mile para atingir a meta de 2%, dando segurança ao Fed começar a cortar os juros, uma vez que a economia americana ainda está bastante resiliente e com bastante liquidez. Segundo ele, o setor imobiliário ainda está muito forte e energia também voltou a ver aceleração de preços,

“Tem uma história sobre de onde virá a desinflação que acho que é um desafio”, disse Campos Neto. “O número de março tem que sair de algo perto de 3,2% para algo mais baixo, senão vai ficar muito difícil essa narrativa de desinflação.”

O próprio presidente do Federal Reserve (Fed), Jerome Powell, deu corda para os investidores, ao afirmar, em 29 de março, que a economia forte dos Estados Unidos permite ao banco central não ter pressa para iniciar um ciclo de cortes de juros. “Queremos ter mais confiança antes de reduzirmos os juros”, disse.

O rumo da política monetária dos Estados Unidos é determinante para as decisões do BC. O aumento das incertezas quanto à situação externa foi um dos fatores que fizeram com que o Comitê de Política Monetária (Copom) sinalizasse na decisão de março a possibilidade de rever o ritmo de cortes de juros nas próximas reuniões. No encontro, a Selic foi cortada em 0,50 ponto porcentual, para 10,75% ao ano.

Sobre a situação no País, Campos Neto disse que o processo de desinflação está “mais ou menos” de acordo com que o BC esperava, mas afirmou que os números do segmento de serviços têm vindo um pouco maiores, se mostrando mais resilientes nos itens relacionados ao mercado de trabalho.

Segundo ele, essa força dos serviços é algo também visto em outros emergentes, mas destacou que se trata de um ponto que acrescenta incertezas ao cenário daqui em diante, inclusive no Brasil, sendo mais um fator que fez com que o Copom mudasse sua comunicação, para não perder credibilidade. “O BC vai ficar dependente de dados de curto prazo”, afirmou.

Em relação ao câmbio, que passou por uma intervenção na terça-feira, dia 2 de abril, a primeira desde dezembro de 2022, Campos Neto disse que foi uma decisão pontual, “nada a ver com o movimento, que é flutuante”.

Ele disse que a operação foi motivada por um vencimento de títulos públicos atrelados ao câmbio e que não se trata de um tema preocupante. “O Brasil tem uma parte externa sólida”, disse.

Os temas que ele mostrou preocupação foram eventuais políticas de intervenção para controlar preços com instrumentos fiscais, para atuar com a inflação, defendendo políticas para expansão da oferta com participação do setor privado. “Precisamos também de políticas que fomentem credibilidade para investimentos estrangeiros”, disse.