A reunião desta quarta-feira, 20 de março, do Federal Reserve - o banco central dos Estados Unidos - seguiu o mesmo roteiro das cinco anteriores, desde agosto do ano passado:  cercada de expectativa de um anúncio de quando teria início o ciclo de queda da taxa de juros, terminou sem alteração das taxas atuais (entre 5,25% e 5,5% ao ano) e nenhuma indicação clara do Fed de quando os juros vão efetivamente começar a baixar.

No comunicado final, os 18 integrantes do banco central americano continuaram a prever que os juros tendem a cair até o fim do ano, sem dar números, isso se a inflação (hoje em 3,2%) diminuir. Também divulgaram um novo conjunto de estimativas econômicas trimestrais, que prevê três cortes de juros ao longo do ano - exatamente a mesma previsão feita em dezembro, que ainda não saiu do papel.

Essa indefinição está causando uma sensação de angústia em todos os setores da sociedade americana que lembra os dois personagens da peça Esperando Godot, de 1954, do dramaturgo irlandês Samuel Beckett – que, num auto-questionamento da existência humana, mantêm um longo diálogo enquanto esperam a chegada do tal Godot, que nunca aparece.

O mercado financeiro, por exemplo, espera uma sinalização do Fed quanto aos juros para reestruturar sua carteira de investimentos e analisar opções a médio prazo. O setor industrial também vem adiando decisões estratégicas, à espera da redução dos juros.

Parte dessa indefinição se deve à trajetória da economia americana, ainda sob impacto dos solavancos causados pela pandemia no sistema financeiro global. Entre 2022 e 2023, o Fed aumentou 11 vezes a taxa de juros para conter a escalada da inflação nos EUA, a maior desde a década de 1980.

O ápice inflacionário atingiu 9,2% em junho passado e, desde então, começou a cair, até chegar a 3,2% na base anual em fevereiro – ainda distante da meta de 2% estabelecida pelo Fed. É justamente a resistência da inflação em alguns setores, como de alimentos e serviços, que impede a autoridade monetária americana de começar a reduzir os juros.

A ironia é que o clima de indefinição dos juros contrasta com os bons resultados da economia americana nos últimos meses. Além da queda da inflação, os EUA permaneceram com o mercado de trabalho aquecido durante o ciclo de inflação e juros elevados - o índice de desemprego, que atingiu baixa histórica de 3,6%, está atualmente em 3,9%.

Já o S&P 500, principal índice do mercado de ações dos EUA, teve alta de 24,2% em 2023 e de 4,3% nos três primeiros meses deste ano. O crescimento estimado do PIB para 2024 está em 2,1%, em comparação com os 1,4% projetados em dezembro.

Carla Argenta, economista-chefe da corretora CM Capital, afirma que a condução da política monetária pelo Fed tem sido assertiva. Mas reconhece que a autoridade monetária titubeou a longo do processo de aperto dos juros, com pausas no meio do caminho que deixaram o mercado receoso e sem referência.

"Não era a forma como o Fed costumava agir, mas a conjuntura do cenário pós-pandemia difere dos de outros momentos e, portanto,  era natural que o BC americano utilizasse processos distintos", diz Argenta. "Mas o Fed tem sido mais estável em termos de manutenção de suas sinalização do que o mercado, que tem oscilado mais, à medida que os indicadores macroeconômicos têm sido divulgados ."

Estagnação

Chama a atenção, porém, a desconexão entre a forma como a população se sente em relação à economia e o que os números mostram.

Embora tenha havido melhorias no nível macro, no nível micro, no dia a dia, há uma sensação de estagnação, pois os juros elevados estão impedindo o americano médio de fazer grandes mudanças que havia planejado nos últimos anos.

O mercado imobiliário, por exemplo, está paralisado. Os preços de venda de casas saíram do pico de 2022, mas ainda estão 47% mais altos do que em 2019. Além disso, o aumento dos juros nos últimos dois anos inviabilizou os contratos de financiamentos, elevando as taxas hipotecárias para algo em torno de 7%, muito acima da média de 2,5% em 2021.

O mercado de automóveis vive numa situação semelhante. Além dos juros, o custo do seguro aumentou mais de 20% no ano passado.

Já o mercado de trabalho sofre com uma contradição. Embora esteja aquecido, não é um bom momento para procurar um novo emprego, pois o salário médio cresceu e as empresas estão pensando duas vezes antes de aumentar os custos salariais.

Ou seja, as empresas não estão demitindo em massa, mas também não estão contratando funcionários como antes. As contratações desaceleraram significativamente em relação a 2021 e 2022, mais do que seria de se esperar com a atual taxa de desemprego.

Tom cauteloso

Na entrevista após a reunião da autoridade monetária americana, o presidente do Fed, Jerome Powell, conseguiu a proeza de causar reações otimistas e pessimistas quanto ao futuro.

Por um lado, advertiu que os juros nos países ricos dificilmente vão voltar a patamares tão baixos como os vistos antes da pandemia. Por outro, afirmou não acreditar que os números fortes da inflação em janeiro e fevereiro possam reverter o processo de desinflação em curso, apostando numa queda mais lenta, mas contínua.

Seguindo o tom cauteloso das últimas cinco reuniões, porém, Powell deixou claro que a redução de juros ainda depende de as autoridades ficarem mais seguras de que a inflação pode continuar a diminuir em direção à meta de 2% do Fed.

“A decisão sobre quando cortar as taxas dependerá de mais dados, para determinar se as leituras decepcionantes que iniciaram o ano continuarão”, afirmou.

Mas uma simples menção no comunicado final do Fed - a previsão de três cortes de juros até o fim do ano - bastou para causar euforia dos mercados nos EUA, que fecharam em alta média de 1%.

O S&P 500 renovou seu recorde histórico ao ultrapassar os 5.200 pontos pela primeira vez na história. As ações subiram após o discurso de Powell, com o índice de referência terminando 0,9% mais elevado. O Nasdaq Composite subiu 1,3%, atingindo seu primeiro fechamento recorde desde 1º de março.

Por aqui, o Ibovespa fechou em alta de 1,25%, terminando com 129.124 pontos. O dólar comercial teve forte queda de 1,06%, fechando em R$ 4,975.

Para Alex Agostini, economista-chefe da agência de classificação de risco Austing Rating, a euforia do mercado se deve à leitura de que, embora não tenha sido anunciada uma queda, os juros não vão subir mais.

“O mercado tem observado que o Fed não vai dar nenhum cavalo de pau na política monetária e vê como consolidada a tendência de queda de juros”, afirma Agostini, dando seu palpite para quando "Godot" deverá chegar. “Embora o mercado aposte para julho,  acredito que o início do ciclo de redução dos juros será em setembro.”