O cenário político desfavorável para o presidente Luiz Inácio Lula da Silva, em baixa nas pesquisas, já começa a acender um sinal amarelo no mercado diante da possibilidade de o governo federal aumentar os gastos púbicos e colocar em risco a meta de déficit zero em 2024 – que o próprio mercado estima que não será alcançado até dezembro–, além do próprio arcabouço fiscal nos anos seguintes.
O aumento surpreendente da receita do governo federal em janeiro, que subiu 6,67% em termos reais, chegando a R$ 280,36 bilhões, corrigidos pela inflação - o valor mais alto em quase 30 anos - levou Lula a discutir com deputados e senadores mudanças nos limites de gastos para viabilizar novos investimentos e impulsionar a economia.
“Vamos ver como é que a gente pode utilizar mais dinheiro para fazer mais benefício para o povo”, disse o presidente na quinta-feira, 7 de março.
A estratégia pode até ajudar a melhorar a popularidade do presidente, mas reforça o temor do mercado quanto ao cumprimento da meta de déficit zero prevista pelo arcabouço fiscal.
Vários fatores contribuíram para a melhoria de arrecadação em janeiro. A tributação de fundos exclusivos, por exemplo, ajudou no aumento da arrecadação em janeiro em R$ 4,1 bilhões, assim como a retomada da tributação integral sobre combustíveis. A tributação do alto lucro dos bancos também auxiliou o aumento, entre outros motivos.
De acordo com o Gabriel Leal de Barros, economista-chefe da gestora Ryo Asset e ex-diretor da Instituição Fiscal Independente (IFI), uma brecha prevista pelo arcabouço vai permitir ao governo gastar mais, por causa da arrecadação extra.
“Na prática, esse 'benefício' expõe a fragilidade do arcabouço, que tem uma regra que dificulta o cumprimento da meta de zerar o déficit por ele próprio estipulada”, diz Barros. “Ao permitir aumentar a despesa, o arcabouço pressiona a meta fiscal, o que é um contrassenso.”
O trunfo do governo consiste em aplicar o artigo 14 do arcabouço fiscal. Esse artigo permite ao governo, até a segunda avaliação bimestral do Orçamento, que vence em maio, soltar uma projeção de receita no Orçamento maior do que estava prevista anteriormente em relação a 2023, o que deve ocorrer com a arrecadação extra no começo do ano.
“Isso vai abrir espaço para geração de um crédito adicional que deve chegar a R$ 15 bilhões”, diz Barros, enfatizando que essa possibilidade é prevista com base numa estimativa, “pois o Excel aceita tudo”. De acordo com o especialista, o governo deve usar parte desse recurso para bancar o reajuste salarial do funcionalismo público.
“A rigor, além de permitir um gasto extra de uma política fiscal que já é expansionista, esse aumento previsto pelo arcabouço vai dificultar não só a obtenção de déficit zero em 2024, como prejudicar a meta dos anos seguintes, pois vai acrescentar uma despesa fixa no Orçamento, o aumento do funcionalismo”, observa Barros.
Para o economista Carlos Honorato, professor da FIA Business School, os movimentos do presidente são calculados para se equilibrar diante de um país polarizado. “Ele sabe que precisa fazer gasto e agir minimamente porque ganhou a eleição com 51% dos votos; o aumento do funcionalismo é importante para ele, porque representa parte do capital político do governo”, diz.
Com isso, argumenta Honorato, Lula usa a política fiscal para ganhar popularidade, o que não o impede de cometer erros: “Usar a meta móvel do arcabouço com obra e investimentos é positivo, mas aumentar o custo fixo das despesas, como no caso do possível reajuste do funcionalismo, vai cobrar um preço na frente.”
Otimismo ilusório
Neste sentido, Barros adverte que o otimismo do governo quanto ao aumento da arrecadação pode ser ilusório. Ele cita outros fatos igualmente recentes que podem comprometer a arrecadação.
Na mesma quinta-feira, dia 7, o Conselho de Administração da Petrobras não autorizou uma proposta da diretoria executiva de pagamento de dividendos extraordinários aos acionistas, o que repercutiu negativamente no mercado – a cotação dos papéis da empresa caiu mais de 10%.
Embora o pagamento de dividendos extras de todas as estatais estar previsto no Orçamento, a medida ameaça reduzir a arrecadação do governo.
Isso porque a decisão do conselho da Petrobras deve dificultar para o governo federal receber os litígios a que tem direito no âmbito do Carf (Conselho Administrativo de Recursos Fiscais), que no total somam R$ 45,5 bilhões.
“Esse pagamento precisaria de apoio dos acionistas minoritários da Petrobras, que obviamente vão barrar por causa do não recebimento dos dividendos extras”, diz Barros.
Segundo ele, outra má notícia para a equipe econômica é a sinalização da direção do BNDES de propor que apenas 25% do lucro de dividendos sejam pagos para a União, o mínimo permitido, para ter mais dinheiro em caixa para financiamentos.
“A dificuldade do governo de chegar ao déficit zero, tanto pelo lado das receitas menores, como do PIB, quanto pelo aumento de despesas, piora a percepção de risco fiscal”, diz Barros. De acordo com ele, o mercado, que estima um déficit de 0,8% em 2024, acima da meta, esperava que a equipe econômica enfrentasse dificuldades, "mas não tão cedo".
Alex Agostini, economista-chefe da Austing Rating - agência de classificação de risco -, reconhece o pessimismo do mercado. “Essa arrecadação extra de janeiro é sazonal, não dá para comemorar, e o fato de estarmos em ano de eleição aumenta a pressão para a política fiscal”, diz.
O mercado, na visão de Agostini, já começa a especular que o governo deverá fazer revisão da meta este ano. "Seria mais para junho, com o discurso de que é necessário por causa do primeiro ano do arcabouço e com mudança de tributação, subvenção do ICMS, fundos fechados, enfim, por conta das ações do fim do ano passado que estão fazendo efeito”, afirma o economista da Austin.