A decisão do Comitê de Política Monetária (Copom) do Banco Central de quinta-feira, 3 de agosto, de iniciar o ciclo de queda dos juros com corte de 0,50 ponto percentual (pp.) na taxa Selic (que foi 13,75% para 13,25% ao ano) não surpreendeu o economista Gabriel Leal de Barros, ex-diretor da Instituição Fiscal Independente (IFI).

Sócio e economista-chefe da Ryo Asset, gestora especializada em fundos de ações, com R$ 4,7 bilhões sob gestão, Barros prevê uma retomada da oferta de crédito e da atividade econômica no curto prazo.

Porém, o que vai definir a nova trajetória da economia brasileira é a aprovação do arcabouço fiscal e da reforma tributária para que o governo tenha mais receita para obter o equilíbrio fiscal. Ou seja, a bola agora está mais para o governo do que para o Copom.

Para o economista da Ryo Asset,  a recente decisão do Conselho Monetário Nacional (CVM) de manter a meta de inflação em 3% e a queda inflacionária dos últimos quatro meses foram fundamentais para essa guinada da política monetária do BC.

“Esses dois fatores melhoraram a expectativa e deram tranquilidade para o Copom aprovar não só essa redução maior do corte da Selic agora em agosto como sinalizar a manutenção de 0,50 pp. nas próximas reuniões”, diz  ele.

Mas Barros não compartilha da euforia de parte do mercado com essa sinalização do Copom – tanto que defendia um corte de apenas 0,25 pp.

Seu argumento é que o arcabouço fiscal ainda não foi aprovado, a inflação de serviços, embora em desaceleração, pode voltar a subir e permanecer resiliente nos próximos meses por causa da expansão fiscal elevada do governo, um detalhe que não tem sido levado em conta pelo mercado.

“Quando o governo aprovou a PEC da transição, no começo do ano, injetou R$ 200 bilhões na economia, quase 2% do PIB, é tanto dinheiro que dificilmente vai conseguir gastá-lo até o final do ano”, afirma o especialista.

Um efeito, segundo ele, é o orçamento do Bolsa Família, que triplicou: partiu de R$ 35 bilhões para R$ 150 bilhões: “São 23 milhões de famílias com R$ 600 por mês para gastar, o que cria uma pressão de demanda que, embora ajude o PIB, afeta a dinâmica de inflação de serviços.”

Efeitos no curto e médio prazo

Barros afirma, porém, que a queda dos juros pode impactar de diferentes formas a trajetória da economia brasileira.

Segundo ele, no curto prazo, é possível prever ganhos positivos, em especial a retomada das linhas de crédito, o que deve beneficiar as empresas e reduzir custo da dívida bruta do governo federal, pois cerca de 45% dela é ligada à Selic.

“Desde o caso Americanas houve um aumento do spread bem grande e isso ajudou a reduzir a concessão de crédito”, observa. “Agora, esse canal de crédito vai voltar a operar, o Banco do Brasil anunciou ontem mesmo redução de juros em resposta ao Copom.”

Barros, no entanto, diz que o cenário de médio e longo prazo têm várias armadilhas que podem atrapalhar a trajetória de queda dos juros.

“Para a queda de juros aumentar a taxa de investimento, o que vale não é a Selic, de curto prazo, e sim a curva de juros com vencimentos de 2, 5 e 10 anos”, diz.

O fator-chave para influenciar a curva desses juros a médio e longo prazo, de acordo com o economista, são dois fatores: fiscal e político, com aprovação do arcabouço fiscal e reforma tributária.

“O ministro Fernando Haddad precisa entregar as metas fiscais que prometeu, que são desafiadoras”, adverte. O passo decisivo nesta direção, diz, é a aprovação da minirreforma ministerial que o governo está tentando fazer.

“O plano fiscal do Haddad precisa de receita e isso só será obtida com aprovação do Congresso Nacional, daí a necessidade de abrir espaço no governo para outros partidos”, adverte.

Outra fonte de preocupação de Barros é o cenário externo. “Se o externo virar, vira aqui”, avisa, citando a queda de 20% do preço de commodities de ano a ano (em especial de petróleo, gás e mineração), o que segundo ele é questão de tempo para bater no índice do PIB brasileiro.

“O que pode ajudar, por sorte, são as commodities agrícolas, que por causa da guerra na Ucrânia voltaram a subir”, diz.

Barros também acredita que a desaceleração da economia dos Estados Unidos, União Europeia e China a partir do quarto trimestre deve afetar a economia brasileira no final do ano e em 2024.

“Quando a economia brasileira começar a desacelerar, qual vai ser reação do governo? Vai buscar atalhos via bancos públicos? São questões importantes para definir como vamos enfrentar esse cenário, que é bem provável”, diz Barros.