A resiliência do mercado de trabalho nos Estados Unidos durante o ciclo de inflação e juros elevados no período pós-pandemia – com aumento de salários e escassez de mão-de-obra - sempre foi vista como contraditória por muitos economistas.
Segundo eles, a tendência natural seria um aumento do índice de desemprego e não o contrário, pois as empresas tenderiam a investir e a empregar menos, como resultado da política monetária restritiva do Federal Reserve, o banco central dos EUA.
A princípio, a forte retomada do setor de serviços no período pós-pandemia – um fenômeno visto no mundo inteiro - vinha sendo apontada como principal razão para o baixo índice de desemprego nos EUA.
Em nota aos clientes esta semana, porém, o economista-chefe do J.P. Morgan para os Estados Unidos, Michael Feroli, traz uma explicação que agrega um fator a mais para essa contradição: o mercado imobiliário americano.
Por meio de gráficos, Feroli mostra que as taxas de juros mais elevadas fizeram com que a atividade de venda de casas caísse no período pós-pandemia ao maior nível desde 2010, o que por sinal era esperado.
Mas essa queda, ao contrário do padrão habitual, não impactou no ritmo de construção de novas habitações – que, supreendentemente, tiveram o maior aumento no mesmo período pós-2010.
Essa contradição, de acordo com Feroli, é efeito do chamado “aprisionamento das hipotecas” – fenômeno no qual grande parte dos mutuários com hipotecas de taxas ultrabaixas de juros contraídas antes de 2022 decidiu permanecer no local onde vive, em vez de vendê-lo.
Esse movimento, muito comum em períodos normais da economia americana, se dá porque a tendência dos mutuários após alguns anos é a troca de um imóvel antigo por outro maior, com refinanciamento de hipoteca.
O salto dos juros, que aumentaram em cinco pontos percentuais entre 2022 e 2023, porém, paralisou o mercado de venda de imóveis, que ficou inacessível também para novos entrantes.
Na outra ponta, a menor oferta de imóveis estimulou um boom de novas construções de habitação, num país em que a superdimensionada geração Millennial está no auge da idade de compra de casa.
“As casas mantidas fora do mercado devido ao bloqueio hipotecário podem ser vistas como uma escassez provocada pelo homem”, escreveu Feroli. Segundo ele, esse impulso de novas construções ajudou a empregar cerca de 600 mil pessoas na área da construção civil, que em condições normais não estariam empregadas.
"No entanto, mesmo que esta falta de oferta de imóveis à venda fosse aliviada - por exemplo, através de um declínio nas taxas hipotecárias, que diminuiria o efeito de bloqueio de casa -, ainda assim haveria uma escassez física, o que também deveria estimular a construção de casas, mas não no ritmo atual", destacou o economista-chefe do J.P. Morgan.