Após dois meses de intensa expectativa quanto ao início do ciclo de cortes de juros nos Estados Unidos pelo Federal Reserve (Fed), analistas do mercado financeiro americano já começam a admitir que a reaceleração da economia americana, juntamente com um aumento na inflação subjacente, não só vão adiar como até mesmo impedir a equipe de Jerome Powell de cortar os juros em 2024.

O último a fazer um prognóstico sombrio foi Torsten Slok, economista-chefe da Apollo Management, gestora com mais de US$ 650 bilhões sob gestão.

“A realidade é que a economia dos EUA simplesmente não está reduzindo o ritmo e os comunicados do Fed vêm proporcionando um forte vento favorável ao crescimento desde dezembro”, escreveu Slok na sexta-feira, 1º de março, em nota aos clientes.

“O Fed passará a maior parte de 2024 combatendo a inflação e, como resultado, os níveis de rendimento em renda fixa permanecerão elevados”, acrescentou.

Slok ofereceu uma lista de dez motivos pelas quais o Fed provavelmente permanecerá em compasso de espera para mexer nos juros, incluindo as expectativas de crescimento da economia revisadas para cima em dezembro, com uma flexibilização associada às condições financeiras.

Ele citou ainda mercado de trabalho apertado, com salários em elevação, além de relatórios que indicam que as pequenas empresas pretendem continuar aumentando os preços, em meio ao aumento de custos da indústria de transformação e de serviços.

“Tudo isso deverá apoiar o crescimento nos gastos do consumidor, nos gastos de investimento e nas contratações, provavelmente durante a maior parte deste ano", disse Slok.

As condições financeiras também continuam a botar pressão no mercado após o Fed ter sinalizado em dezembro a adoção de para uma política monetária menos rígida. Com efeito, ocorreram emissões recorde de dívida empresarial com grau de investimento, aumento da atividade de IPO, de fusões e aquisições, e com spreads de crédito reduzidos.

“O mercado de ações atingiu novos valores máximos”, advertiu Slok.

Os comentários de Slok foram feitos um dia após a divulgação do índice de preços de despesas de consumo pessoal, a métrica preferida do Fed para analisar a inflação. O aumento de 0,4% em janeiro do índice de inflação subjacente foi o mais elevado em quase um ano.

Ao mesmo tempo, os títulos do Tesouro subiram na sexta-feira, depois da divulgação da percepção do sentimento do consumidor dos EUA, que caiu em fevereiro pela primeira vez em três meses.

Para o economista da Apollo, o cenário ficou mais claro quando o mercado financeiro declarou vitória e disse que a inflação já não é um problema. “O problema é que a inflação parece realmente estar se tornando um problema novamente”, disse ele.

Slok tem companhia

O economista-chefe da Apollo não foi o único a fazer previsões pessimistas. Em uma nota aos clientes na sexta-feira, os estrategistas de taxas do Bank of America (BofA) disseram que é bastante provável que o Fed mude este mês suas perspectivas para o PIB e a inflação para 2024.

“Esta mudança na projeção macro aumenta naturalmente o risco de o Fed sinalizar menos cortes em 2024 na próxima reunião de março”, diz a nota do BofA.

Antes, estrategistas do Citigroup também soltaram nota neste sentido. Em meados de fevereiro, o ex- secretário do Tesouro Lawrence Summers advertiu ver uma “chance significativa” de que o próximo movimento do Fed seja um aumento das taxas, e não um corte.

No início do ano, a gestora britânica Rokos Capital Management, com US$ 16 bilhões sob gestão, registrou um lucro de US$ 1 bilhão com uma estratégia de se manter contrária ao otimismo da grande maioria do mercado, que passou a precificar a necessidade de mais cortes nos juros pelo Fed. A Rokos informou aos investidores que liquidou a sua posição com a mudança de visão do mercado sobre a postura do Fed.