Os bancos centrais de países com diferentes características econômicas - do Canadá à China, passando pela União Europeia e México - estão enfrentando o mesmo dilema desde a vitória do republicano Donald Trump nas eleições presidenciais dos Estados Unidos: como preparar os mercados financeiros de seus países para as mudanças esperadas nas taxas de juros futuras.

De forma inédita, o desenho do cenário futuro por parte dos BCs – em última instância, os formuladores de política monetária de seus países, com a função de controlar a escalada de indicadores-chave, como a inflação, e adotar remédios para contê-la, como aumento de juros – passou a depender em grande parte de Trump e se sua agenda comercial se tornará realidade.

Durante a campanha presidencial, Trump prometeu adotar uma política agressiva e linear de tarifas de importação, de 10% para todos os países, exceto para a China, que terá tarifas ainda maiores. Além da possibilidade de causar um aumento da inflação nos Estados Unidos, essa política pode impactar as exportações de todos os países, com efeito em suas economias internas.

"Este é um território desconhecido para os banqueiros centrais", afirma Brahima Coulibaly, vice-presidente de economia global e desenvolvimento do Brookings Institution, lembrando que os BCs estão entrando numa espécie de vácuo econômico, com os efeitos desconhecidos que uma guerra comercial mundial — misturada com cortes de impostos, desregulamentação e outras mudanças políticas — pode ter sobre a inflação e o crescimento.

"As diretorias dos bancos centrais são menos experientes e treinadas para administrar políticas e incertezas políticas dessa magnitude", acrescenta Coulibaly. Ela cita um agravante: o fato de que quem vai dar as cartas, Trump, será o presidente do país que emite a moeda de reserva mundial e onde a política não tem sido historicamente sujeita a imprevisibilidade significativa.

Para tornar o quadro ainda mais complexo, além das alegações de Trump de que sua política de sobretaxar as importações revigorará a produção nacional, as tarifas agora parecem ser a ferramenta ideal para extrair as mudanças desejadas de outros países.

O futuro conselheiro comercial indicado por Trump, Peter Navarro, por exemplo, admitiu que o novo presidente poderia "simplesmente aumentar as tarifas" sobre a China se o país desvalorizasse sua moeda – num sinal de que não está claro quando, quanto e com qual frequência Trump poderá aumentar as taxas de importação.

“A perspectiva econômica do Canadá está obscurecida pela possibilidade de novas tarifas sobre as exportações para os EUA”, admitiu na semana passada Tiff Macklem, presidente do BC canadense, após anunciar um corte de 0,5 ponto percentual na taxa de juros. "Ninguém sabe como isso vai acontecer, essa é uma grande nova incerteza."

A presidente do Banco Central Europeu (BCE), Christine Lagarde, também reconheceu o temor de como a política americana poderá impactar a economia da União Europeia. A inflação anual do bloco caiu rapidamente ao longo deste ano, fechando em 2,3% anuais em novembro. Na semana passada, o BCE reduziu os juros pela quarta vez este ano, em 0,25 ponto percentual, para 3%.

Apesar da boa notícia, a previsão de fraco crescimento econômico do bloco - de 0,7% para este ano – poderá ser ainda mais comprometida em 2025 com uma sobretaxa de exportações para os EUA, principal parceiro comercial da União Europeia.

A presidente do BCE listou algumas das incógnitas em torno da política tarifária de Trump: o escopo das medidas, a escala das retaliações e como o tráfego comercial pode ser redirecionado para evitá-las. "Essa é uma situação muito complexa, com partes móveis", disse Lagarde.

Efeito nos EUA

Enquanto isso, nos EUA, analistas de Wall Street estão mais preocupados em mapear como ficará o mercado de ações em 2025 com Trump na Casa Branca. O portal Business Insider listou os quatro vetores que vão influenciar o S&P 500 em 2025, na visão de agentes do mercado americano.

Segundo eles, as tarifas de Trump podem desencadear guerras comerciais, causando dois efeitos internos. Um deles é o aumento da inflação, pois os preços dos produtos importados vão ficar mais caros.

O segundo efeito – em consequência do primeiro - seria causado pelo Federal Reserve, o BC americano, que teria de alterar a política de taxas de juros, retomando uma postura agressiva. O mercado está precificando apenas dois cortes de 0,25 ponto percentual de juros pelo Fed no próximo ano, uma queda considerável desde que Trump venceu a eleição, em novembro.

O terceiro vetor diz respeito ao provável boom de produtividade da economia americana, impulsionado pela adoção da inteligência artificial (IA), que levantaria toda a economia. Porém, se isso não ocorrer em 2025, pode levar a um choque de volatilidade para o setor de tecnologia, que tem liderado todo o mercado de ações nos últimos dois anos.

Por fim, o último vetor citado pelos agentes prevê que, para que o mercado de ações suba novamente no próximo ano, seria necessária uma resiliência contínua nos lucros do consumidor, da economia e das empresas.

Para que as ações mantenham vivo o rali de alta verificado em 2024, afirmam os agentes, a economia não pode desmoronar e, enquanto o consumidor permanecer resiliente, os ativos de risco estarão a salvo de maiores oscilações.