Dezembro avança para a segunda quinzena em ritmo frenético. Limpar gavetas é ação imperativa sob o risco de decisões cruciais, inclusive a aprovação das medidas fiscais, serem empurradas para 2025 mesmo com a liberação de emendas parlamentares num cenário em que economia e política se atropelam.
Rotina de fim de ano, a reunião ministerial agendada e anunciada pelo presidente Lula para quinta-feira, 19 de dezembro, está em stand by. Depende de sua recuperação da cirurgia a que foi submetido no início da semana e do procedimento adicional realizado na quinta-feira, 12 de dezembro. Ambos bem-sucedidos.
O encontro do alto escalão para balanço, seguido por confraternização na Granja do Torto, poderá ser reagendado. Entretanto, com ou sem reunião, o governo tem a comemorar um saldo e tanto deste 2024: PIB acima do esperado, desemprego em recorde de baixa, aumento da renda do trabalhador, alta no consumo das famílias e avanço do crédito e dos investimentos.
Na contramão está a inflação que já furou o teto da meta, de 4,50%, apesar da política monetária do Banco Central (BC). Em 12 meses até novembro, o IPCA cravou 4,87% sob pressão da taxa de câmbio alçada a mais de R$ 6,00, ante a frustrante repercussão do pacote de contenção de gastos e vitória de Donald Trump à Casa Branca – evento que impulsionou o dólar ante todas as divisas.
A arrancada da Selic em 1 ponto percentual, a 12,25%, pelo Copom na quarta-feira, 11 de dezembro; a sinalização de mais duas altas em janeiro e março de 2025 instalando a taxa terminal em 14,25%; e a venda de US$ 4 bilhões pelo BC produziram a queda moeda americana abaixo de R$ 6,00. De leve.
Ainda que a queda se aprofunde, o efeito sobre os preços na economia demandará tempo e consistência da trajetória baixista que estará liquidada se o Congresso não entregar o pacote fiscal e a economia prometida.
Razão do choque de juro, o IPCA parrudo não sairá da vitrine tão cedo. E virá do BC mais munição para um debate qualificado com a publicação do Relatório de Inflação (RI) que se “despede” da atual denominação na quinta-feira, 19.
Em 2025, o RI cede a vez ao Relatório de Política Monetária (RPM), “seguindo tendência global e compatibilizado com o conteúdo que já abrange temas além da inflação”, informa o BC. A periodicidade da publicação seguirá trimestral.
A apresentação do RI do quarto trimestre marcará a última entrevista de Roberto Campos Neto que deixará a presidência do BC em 31 de dezembro. Numa simbólica passagem de bastão, Gabriel Galípolo, que assume o manche em 1º de janeiro, participará da coletiva. E, como é usual, comparece também Diogo Guillen, diretor de Política Econômica que ficará no BC por mais um ano.
Lula só terá um BC para “chamar de seu” em 2026
Em dezembro de 2025 expira o mandato de Guillen e de Renato Gomes, diretor de Organização do Sistema Financeiro. Portanto, apenas em janeiro de 2026, o presidente Lula terá um BC para chamar de seu – com os nove integrantes do comando por ele indicados e com a chancela do Senado.
O RI incorpora as principais coordenadas da Ata do Copom que sairá dois dias antes, na terça-feira 17. Ocasião que dará a Campos Neto a oportunidade de detalhar as razões que levaram ao choque de juros.
O comunicado do Copom já foi claro o bastante sobre a ameaça inflacionária, mas Campos Neto poderá reforçar os alertas. Afinal, ele comandou a reunião que blindou a credibilidade de Galípolo ao contratar mais duas altas na Selic para o primeiro trimestre, erguendo uma muralha de juro contra especulação com o dólar e até quanto à saúde do presidente Lula.
Na gestão das expectativas também pesará a definição de juro pelo Federal Reserve (Fed) na quarta-feira, 18, imprensada entre indicadores de atividade, releitura do PIB e o índice preferido do BC americano (PCE) que aponta a inflação de produtos consumidos, de fato, pelas pessoas. Prevalece a aposta de que o Fed cortará sua taxa em 0,25 ponto, para a faixa de 4,25% a 4,50%.
No mercado local, estarão no RI projeções do BC para inflação e crescimento que merecem atenção. No terceiro trimestre, a estimativa para o PIB de 2024 foi elevada de 2,3% para 3,2% com atividade robusta e superaquecimento do mercado de trabalho com ganhos reais disseminados em destaque.
Não vai passar batido uma reestimativa do BC para a taxa real neutra – a adequada para não estimular ou desestimular a atividade. No terceiro trimestre, a taxa neutra foi mantida em 4,75%. Porém, de lá para cá, os juros dispararam em todos os prazos de negociação e a Selic acaba de levar um tranco, o que reforça a expectativa de que a juro real seguirá avançando, como já indicou o BC, até o primeiro trimestre de 2026. Péssima notícia em ano eleitoral.
A divulgação do RI também será campo fértil para discussão sobre a próxima fase do regime de meta de inflação que, a partir de 1º de janeiro, passará a ser “contínua”. O Conselho Monetário Nacional (CMN) manteve em 3%, até 2027, a meta sob o novo critério. O intervalo de tolerância para absorver choques de preços também permaneceu em 1,5 ponto percentual.
A partir de janeiro, a meta a ser perseguida pelo BC se refere à inflação acumulada em 12 meses, apurada mês a mês. E não mais em ano fechado em dezembro. No mesmo sentido, informa o BC, a política monetária poderá trabalhar com um horizonte que vai se deslocando ao longo do tempo. A ideia da mudança é dar maior flexibilidade à política de juro. O resultado? A ver.
O descumprimento da “meta contínua” será monitorado e levará em conta a persistência da inflação fora da margem de tolerância por seis meses consecutivos – período que evita a caracterização de descumprimento em situações de variações temporárias na inflação. Se a meta não for alcançada, o BC tem de divulgar publicamente as razões do descumprimento em nota no Relatório de Política Monetária e carta aberta ao Ministro da Fazenda.
Eventual alteração da meta ou do intervalo de tolerância tem de ser anunciada com uma antecedência mínima de 36 meses. Um tempão a evitar surpresas.