Os ataques militares russos aos portos de Odessa e de Mykolaiv, na Ucrânia, na madrugada de terça-feira, 18 de julho, onde as exportações de grãos ucranianas eram escoadas, levantaram o temor de uma elevação global do preço de alimentos, em especial do trigo e do milho.

Mas o fato é que, até o fim do dia, os mercados globais dos produtos afetados sofreram impactos indiretos, como a criação de novas rotas comerciais para exportação e um aumento do preço do seguro para escoamento de grãos.

Para o Brasil, que não depende do trigo ucraniano, a mudança mais significativa deve ser nas exportações de milho.

A perda de exportações para a União Europeia, que deverá comprar mais milho ucraniano por essas novas rotas, via Mar Báltico e Polônia, deve ser compensada com mais exportações para a China.

O novo capítulo da guerra na Ucrânia teve início depois de o governo russo ter anunciado na segunda-feira, 17, a suspensão do acordo de exportação de grãos entre Rússia e Ucrânia, que estava em vigor há um ano.

Conhecido como Iniciativa do Mar Negro, o acordo permitia que navios de carga ucranianos passassem pelo Mar Negro a partir dos portos de Odessa, Chornomorsk e Yuzhny/Pivdennyi.

Por meio desse corredor, mais de 32 milhões de toneladas de alimentos foram enviados para 45 países – incluindo milho, trigo, cevada e girassol, produtos que a Ucrânia está entre os maiores exportadores mundiais.

A Rússia rompeu o acordo sob a justificativa de que não estava se beneficiando o suficiente com o pacto.

Uma das principais demandas do governo russo era de que seu banco agrícola fosse restabelecido no sistema SWIFT de transações financeiras, o que não ocorreu.

O governo do presidente Vladimir Putin alegou ainda que a Ucrânia não cumpriu a promessa de enviar grãos para os países pobres, conforme previa o acordo.

Em 2022, no entanto, mais da metade dos grãos comprados pelo Programa Mundial de Alimentos da ONU veio da Ucrânia.

A União Europeia (UE) se mobilizou para criar rotas alternativas aos alimentos ucranianos que não podem ser embarcados pelo Mar Negro.

Os grãos ucranianos podem ser transportados por meio da fronteira da Ucrânia com a Polônia e levados para portos no Mar Báltico, ou por trem e barcaça até o porto romeno de Constanta.

Desde o início da guerra, a Ucrânia tem enviado cerca de 10% de suas exportações de grãos pela sua fronteira terrestre com a Polônia.

Oscilação de preços

No início da guerra, em fevereiro de 2022, o bloqueio da Rússia fez com que cerca de 20 milhões de toneladas de grãos ficassem presos em portos do Mar Negro. A baixa oferta em meio à alta demanda fez os preços mundiais dos alimentos subirem.

Com o acordo, no ano passado, os embarques de grãos foram retomados e os preços mundiais dos alimentos caíram cerca de 20%, de acordo com a agência da ONU para Agricultura e Alimentação (FAO).

Uma nova onda de aumento de preços de grãos pode ocorrer a depender do desdobramento dos ataques russos aos portos da Ucrânia, embora especialistas citem mudanças em relação ao cenário do início da guerra.

Uma delas é que a situação alimentar mundial não é tão volátil quanto no ano passado porque outros países agora estão produzindo mais grãos para compensar as perdas da Ucrânia, incluindo Argentina, Brasil, EUA e a própria Rússia – cujo escoamento da produção de grãos, em especial fertilizantes, não foi afetada pela suspensão do acordo.

Como exemplo, o baixo impacto no mercado internacional do trigo - na segunda-feira, após a suspensão, a cotação do produto chegou a cair na Bolsa de Chicago - não surpreendeu o embaixador Rubens Barbosa, presidente da Abitrigo (Associação Brasileira da Indústria do Trigo).

“Não houve maior reflexo porque o mercado global desse produto está abastecido”, diz Barbosa, citando a elevada produção dos EUA e da Rússia, maiores exportadores globais, além da própria produção ucraniana.

No caso do milho, o cenário é um pouco diferente. Samuel Isaak, especialista em agronegócio da XP, diz  que, mesmo sem esse corredor pelos portos do Mar Negro, os produtos ucranianos devem seguir fluindo por rotas alternativas.

“Pode haver algum impacto nos preços, mas fruto do aumento do seguro para os navios que utilizam o estreito do Bósforo, na Turquia, para entrar no Mar Negro”, diz Isaak.

Segundo ele, a Rússia deve continuar exportando normalmente, mas também sofrerá impacto do custo do seguro.

Em relação ao mercado do milho, Isaak aponta como grande diferença a criação de novas rotas, sem maiores impactos nos preços.

“Esses grãos, o milho em especial, devem ficar mais na Europa, por conta da mudança de rota das exportações ucranianas via Polônia e Mar Báltico”, diz.

Isaak afirma que as exportações de milho do Brasil terão uma pequena mudança. “Devemos exportar menos para Europa e mais para China.”

Na terça-feira, 18, o aumento na cotação do milho na Bolsa de Chicago foi atribuído à quebra da safra nos Estados Unidos.

Se o impacto nos preços do mercado global de grãos foi pequeno, um recrudescimento do conflito pode trazer nova insegurança.

“A guerra entre Rússia e Ucrânia ainda vai durar, com isso os preços do mercado internacional de grãos, de energia e de petróleo vão continuar instáveis”, adverte o embaixador Rubens Barbosa.