A crise aberta com a recusa do Conselho de Administração da Petrobras em autorizar o pagamento de dividendos extraordinários aos acionistas de R$ 43,9 bilhões, referente aos lucros remanescentes de 2023, acabou resvalando nesta segunda-feira, 11 de março, no governo federal, acionista majoritário da empresa, e confirmando a visão do mercado de que o governo de Luiz Inácio Lula da Silva não se esforça  para atingir o déficit zero em dezembro.

E o motivo é bastante simples. Caso a Petrobras tivesse feito a distribuição dos lucros remanescentes, o governo federal teria direito de receber cerca de R$ 16,2 bilhões pelos dividendos extraordinários, valor referente aos 37% da participação a que teria direito como sócio majoritário, de acordo com Jean Paul Prates, o presidente da Petrobras.

A pergunta que todos fazem agora é: se abriu mão dessa cifra bilionária, como fica o arcabouço fiscal, cuja meta é zerar o déficit em 2024? Analistas do mercado ouvidos pelo NeoFeed, porém, consideram que a inciativa do governo em usar sua maioria para barrar o pagamento de dividendos extraordinários reforçam a certeza de que atingir o déficit zero em 2024 não está entre suas principais prioridades.

Algo que o próprio presidente Luiz Inácio Lula da Silva, em entrevista ao SBT News, na segunda-feira, 11 de março, deu a entender que não é prioritário. “Tem que pensar o investimento e em 200 milhões de brasileiros que são donos ou sócios dessa empresa”, disse Lula. “O que não é correto é a Petrobras, que tinha que distribuir R$ 45 bilhões de dividendos, querer distribuir R$ 80 bilhões.”

Mais diplomático, o ministro da Fazenda, Fernando Haddad, minimizou o assunto. "Se vierem (os dividendos), melhorarão o orçamento. Mas não estamos contando com isso", disse ele, em entrevista coletiva. Ele acrescentou que a peça orçamentária da União conta apenas com os dividendos ordinários. "A Fazenda não está pressionando para um lado ou outro."

Para Gustavo Cruz, estrategista da RB Investimentos, Lula acredita que as empresas e bancos estatais devem e podem gastar mais. Ele cita o impulso fiscal expansionista das contas públicas do governo federal no biênio 2022-2023, somando R$ 300 bilhões, de acordo com estudo divulgado na segunda-feira, 11, pela XP Investimentos.

No primeiro ano da atual gestão, em 2023, o impulso fiscal chegou a dois pontos percentuais do PIB (Produto Interno Bruto), a maior expansão fiscal da série, contra 0,8% do último ano do governo Jair Bolsonaro. “A atual gestão petista, diferentemente das anteriores, não tem maioria no Congresso, por isso sobra mais espaço nas estatais e bancos públicos para entrar em projetos em áreas novas, que ofereçam mais investimento”, diz Cruz.

Segundo ele, essa estratégia justifica o anúncio do BNDES, que pretende fixar o pagamento mínimo de dividendos à União, de 25%. De acordo com o banco, que pretende usar o restante em financiamentos, a medida se justificaria pelo término dos empréstimos do Tesouro Nacional ao banco de fomento.

“Nos governos anteriores, os bancos públicos deixaram de participar de algumas partes do mercado que ofereciam empréstimos e investimentos, espaço que foi ocupado pelo mercado de capitais”, diz Cruz, citando o apetite do governo em oferecer financiamento para obras de infraestrutura.

Quanto à crise na Petrobras, o estrategista da RB diz que a suposta falta de comunicação não esconde o objetivo real do governo, que acreditava que a retenção dos dividendos poderia ser utilizada em investimentos. Segundo ele, desde a campanha, Lula vinha batendo na tecla de que a Petrobras anunciar dividendos é notícia ruim.

“Ainda que volte atrás, mesmo porque o pagamento de dividendos extraordinários não pode ser usado em investimentos, ele precisa neste momento de baixa popularidade fazer discurso para sua base”, afirma Cruz.

Em relação ao impacto na estatal, Cruz admite que foi negativo. “A Petrobras sempre paga altos dividendos, o que compensa a volatilidade do mercado de petróleo, mas quando muda essa política de dividendos, põe em risco o investimento nos papéis da companhia”, diz.

O economista-chefe da gestora Mirae Asset, Julio Hegedus Netto, acredita que o objetivo de Lula, neste caso assessorado pelo seu chefe da Casa Civil, Rui Costa, é turbinar o PAC, o plano de expansão de infraestrutura do governo.

“O governo quer usar recursos para investimentos oriundos da Petrobras, afinal na estatal estão os maiores potenciais de investimento do setor público para este programa”, diz Hegedus.

Em relação ao arcabouço, o economista da Mirae prevê que a equipe econômica deve fazer gestão junto a Lula para recuar em relação aos dividendos extraordinários da Petrobras para aumentar a receita do governo. “Creio que o ministro Haddad deva entrar em campo e orientar o Lula neste sentido.”

Para Cruz, da RB Investimentos, as regras do arcabouço são frágeis demais para exigir forte mobilização do governo para cumprir a meta de déficit zero.

“Na época do teto de gastos, se os responsáveis do governo não cumprissem as regras seriam enquadrados em crime de responsabilidade fiscal, o que os faziam correr atrás do resultado fiscal”, diz. “Hoje existe penalização visando apenas a redução de gastos no ano seguinte, mas qual seria a punição? O governo sequer precisa fazer contingenciamento.”

Entenda a crise

O conselho de administração da Petrobras, na semana passada, optou por não pagar lucros remanescentes de R$ 43,9 bilhões.

O anúncio da estatal, feito junto à divulgação do balanço do quarto trimestre, teve péssima repercussão no mercado financeiro, levando a uma queda de até 10% do preço das ações na bolsa. Em apenas um dia, a Petrobras perdeu R$ 55,3 bilhões de valor de mercado.

A crise acabou chegando ao Palácio do Planalto porque a suposta intenção da cúpula do governo de usar sua maioria no conselho da Petrobras para direcionar o dinheiro dos dividendos extraordinários para investimentos em projetos não seria viável, o que evidenciou uma falha de comunicação interna.

Durante o anúncio, Prates, CEO da empresa, destacou que a diretoria executiva sugeriu destinar 50% do lucro excedente para a reserva de remuneração de capital e distribuindo os 50% restantes como dividendos extraordinários.

O conselho de administração, que tem no total 11 integrantes, votou contra a distribuição, optando por destinar 100% desses recursos para a reserva de remuneração de capital. A maioria foi formada por cinco indicados pelo acionista controlador, o governo federal, e um eleito pelos funcionários da empresa. Prates se absteve.

A reserva de remuneração de capital foi criada fundamentalmente para garantir que haja haverá recursos suficientes para pagamento de dividendos, juros sobre capital próprio e recompra de ações. Pela lei, as reservas legais em geral também podem ser utilizadas para absorção de prejuízos e incorporação no capital social.