A transição para a economia verde tem números superlativos para o Brasil. O País tem a possibilidade de adicionar entre US$ 230 bilhões e US$ 430 bilhões ao PIB até 2030, abrindo até 10 milhões de oportunidades de emprego, empreendedorismo e renda, segundo a Força-Tarefa Voluntária para o Novo Brasil, uma organização que reúne governo e entidades sociais e privadas.
Mas dar esse salto exigirá um investimento estimado entre US$ 130 bilhões a US$ 160 bilhões ao ano para acelerar o ciclo de projetos e reduzir o risco. As frentes capazes de puxar essa curva no curto prazo estão mapeadas no estudo “Diversidade econômica, comercial, humana e financeira para a Transformação Ecológica do Brasil”, uma parceria entre a Systemiq e o Instituto AYA, com apoio do UK PACT. O material será lançado na COP30, em Belém, e foi antecipado ao NeoFeed.
"A transformação ecológica é uma grande oportunidade para o Brasil, que tem ativos naturais e humanos para capturar essa oportunidade", afirma Patricia Ellen, presidente da Systemiq para a América Latina, uma empresa que se posiciona na transformação sistêmica com o auxílio em projetos ligados à energia, natureza e alimentação, materiais, áreas urbanas e finanças.
"Somos uma das únicas nações hoje onde a transformação ecológica não é custo, ela é investimento e tem altíssimo retorno", complementa a ex-secretária de Desenvolvimento Econômico, Ciência e Tecnologia de São Paulo.
O estudo separou algumas cadeias de valor que combinam demanda global, base produtiva existente e capacidade de captura tecnológica no Brasil, como biocombustível sustentável de aviação (Bio-SAF); minerais críticos, baterias e veículos elétricos; circularidade de plásticos e têxteis; biosaúde e superalimentos; transporte e adaptação costeira; e data centers.
O cacau, por exemplo, desponta como frente rápida com sistemas agroflorestais, formalização da cadeia e inserção em nichos premium quando se fala de superalimentos. Assim como a vantagem geológica minerais críticos, baterias e VEs só se transforma em renda com refino, química de materiais, manufatura de células e reciclagem — elos hoje frágeis — e com conteúdo local atrelado a leilões de armazenamento (BESS), além de hubs de capacitação em estados como Minas Gerais, Pará, Goiás, São Paulo e Bahia.
Nesta entrevista, Ellen fala sobre os desafios, os achados no estudo e como tirar as oportunidades do papel.
Há quem classifique os investimentos verdes como gasto. Faz sentido?
Essa iniciativa de trabalhar mostrando as oportunidades da transformação ecológica do Brasil já está entrando no terceiro ano. O Brasil tem ativos naturais e humanos para capturar essa oportunidade. E eu diria que é uma das únicas nações hoje onde a transformação ecológica não é custo, ela é investimento e tem altíssimo retorno.
O Brasil tem vantagens comparativas reais?
É o caminho onde o Brasil pode retomar, e alcançar um novo patamar de crescimento econômico, dobrando o crescimento do PIB, mas também gerando oportunidade de emprego e renda para a população, contribuindo para a descarbonização não somente da economia brasileira, mas da economia mundial.
Quais são esses ativos naturais e humanos?
Nós somos o país mais diverso do mundo. Temos as maiores reservas de água, de plantas, de espécies… Nós também contamos com grande diversidade humana, cultural única, onde nós combinamos a nosso DNA de empreendedorismo, de inovação brasileiro. Ou seja, temos alavancas para transformar essas vantagens comparativas em vantagens competitivas. Uma oportunidade de traduzir essa diversidade humana e natural em diversidade econômica.
O estudo projeta dobrar o crescimento do PIB até 2030. Por que esse número é factível?
Esse número foi calculado com base na nossa matriz econômica atual e na potencial metodologia de valor agregado à economia. Nós consideramos potencial de competitividade global: baixa emissão de gases de efeito estufa; complexidade da cadeia de valor; potencial de geração de PIB; tamanho da demanda internacional; potencial de descarbonização entre outras coisas. A proximidade do ponto de inflexão tecnológico e as condições habilitadoras, mão de obra, recursos financeiros e tecnológicos e arcabouço regulatório legal e políticas públicas. Com esse set a gente chegou no detalhamento dos eixos do plano de transformação ecológica e adicionamos datacenters.
Que cadeias foram priorizadas e como vocês aprofundaram essa análise?
Nesse último ano, nos aprofundamos em cadeias de valor muito específicas. Focamos em sete delas: biocombustíveis sustentáveis de aviação (SAF); minerais críticos; baterias e veículos elétricos; biosaúde e superalimentos; a parte de circularidade de plásticos e têxteis; adaptação e infraestrutura verdes; e datacenters. Para traduzir essa aspiração em realidade, era preciso entender aonde elas estão, aonde a produção pode crescer, em que regiões do país, com qual perfil de mão de obra e qual tipo de investimento.
Sobre SAF, o que o Brasil precisa fazer para capturar valor nessa cadeia?
Nós analisamos quais são as oportunidades para produção, pré-processamento, transformação primária, transformação química e a distribuição do produto. No caso do SAF, analisamos as rotas tecnológicas. Entendemos que, das quatro rotas, duas têm maior oportunidade e seriam muito interessantes o Brasil avançar na transformação química e até na distribuição. No mercado europeu, o SAF ainda não é interpretado como um produto 100% aceito. Tem trabalho para ser feito com o regulador. O SAF pode agregar até US$ 36 bilhões por ano na economia brasileira.
"O SAF [biocombustíveis sustentáveis de aviação] pode agregar até US$ 36 bilhões por ano na economia brasileira"
Minerais críticos, baterias e veículos elétricos entre outros: onde estão os obstáculos a serem destravados?
Todos esses setores têm a oportunidade onde o Brasil pode suprir não só a demanda local, mas também a demanda internacional. Entendemos regionalmente em etapas da cadeia produtiva onde o Brasil tem mais oportunidades e onde o investimento pode ser feito com trabalho diplomático. O segundo bloco é a preparação da força de trabalho, porque são cadeias de valor muito novas que precisam alcançar uma escala numa velocidade sem precedentes. E o terceiro é a mobilização de investimentos para garantir que a gente entra em etapas da cadeia de valor que têm maior valor agregado na economia brasileira.
Os data centers entraram na sua lista e essa infraestrutura tem sido colocada como potencial de transformação. O otimismo é para tanto?
O Brasil tem uma chance única de ser um fornecedor de operações de energia limpa e receber instalações de datacenter numa escala bastante significativa, de uma forma muito mais sustentável. Há lacunas em planos urbanos e de concessão para aprimorar e expandir o mapeamento da infraestrutura verde necessária. Quais são os melhores locais? A capacidade de datacenters no Brasil pode crescer a percepção de crescimento é de 25% ao ano. A América Latina entrega um percentual muito pequeno frente ao tamanho da oportunidade.
De onde virão os recursos?
Tivemos um momento de diálogo bastante intenso com representantes privados de organismos multilaterais locais e internacionais para entender os principais desafios e oportunidades. Os investidores pediram muito modelos que pudessem reduzir a exposição ao cambial, dentro de um modelo blended finance, onde você tem um capital semente que vem do setor público ou filantrópico para mobilizar o privado.
Você teria um exemplo?
O EcoInvest foi lançado este ano, já totaliza ali mais de US$ 30 bilhões anunciados e vão sair algumas novas tranches. Quando você junta Fundo Clima, o Novo PAC – Seleções, o próprio Plano Safra fundos de investimentos climáticos e o Banco Mundial, estamos falando de uma mobilização de quase US$ 40 bilhões. Mas é preciso entre US$ 100 bilhões e 150 bilhões por ano para a economia brasileira.
Qual é o retorno esperado e por que os projetos ainda carregam risco alto?
Um retorno típico de um projeto da economia verde tem a mesma rentabilidade esperada de outros investimentos, com taxas internas de retorno de 15% a 25% ao ano. A questão é que o investimento inicial é elevado e o risco também. Estamos fazendo uma transformação verde. É a maior quantidade de projetos simultaneamente no mundo todo. Obviamente, o Brasil está no epicentro.
O que falta para acelerar o funding privado e dar previsibilidade?
Quase metade da demanda está bem encaminhada, mas ainda tem uma metade que precisa vir, principalmente de mobilização de capital privado. Vamos precisar ter uma estabilidade regulatória que permita que os países invistam e uma previsibilidade econômica que não é só nacional, é internacional. Eu sou otimista, mas boa parte da solução vai se dar através de modelos mais criativos e bilaterais entre países. Precisamos de acordos diplomáticos.
Como a geopolítica e a demanda internacional influenciam essa agenda?
O multilateralismo está sob ameaça constante. É um momento bem curioso, globalmente preocupante. Mas o aumento da necessidade de energia não tem retorno. A inteligência artificial generativa consome 30 vezes mais energia do mundo. Até o ano passado, os Estados Unidos tinham uma velocidade muito maior. De repente, a China desponta como maior investidora em energia. O mundo inteiro colocou mais de dois trilhões de dólares só em energia. Quem sai na frente tem uma vantagem. O Brasil precisa agregar valor econômico para a economia e não só aumentar a exportação de insumos de baixo valor agregado.
No estudo, vocês colocam que é necessário qualificar a força de trabalho para essa mudança. Qual é o plano proposto?
Nós somos um país que há um risco de desemprego massivo da população por causa do crescimento do uso de inteligência artificial, porque a nossa matriz econômica tem uma complexidade menor. Se nada for feito há risco de aumento do desemprego muito considerável, na ordem de 20 milhões. Com investimento na transformação ecológica, adicionamos 28 milhões de oportunidades de emprego. Uma ferramenta liderada pelo Ministério da Fazenda será lançada com mais detalhes na pré-COP, em outubro. Ela vai mostrar, regionalmente, como esse investimento e a força de trabalho devem se movimentar.