A eventual volta de Donald Trump à presidência dos Estados Unidos representa a maior ameaça de desestabilização da economia global no curto prazo, com potencial de desencadear uma guerra comercial entre alguns dos parceiros mais importantes dos EUA e causar vários efeitos negativos na economia americana, do combate à inflação ao controle da dívida.

O alerta é do economista Nouriel Roubini, conhecido por prever a crise financeira de 2008 e, principalmente, por seus prognósticos pessimistas quanto ao cenário econômico, o que lhe rendeu o apelido de Dr. Doom ("Doutor Apocalipse", em tradução livre).

“A vitória de Trump num segundo mandato como presidente desestabilizaria ainda mais a economia mundial, em meio às tensões geopolíticas existentes, com as guerras na Ucrânia e em Gaza, e com a possibilidade de eclodir uma guerra fria entre os EUA e a China no final da década”, previu Roubini, em artigo para o Project Syndicate e distribuído nesta quarta-feira, 6 de março, para vários veículos do mundo.

As chances da volta de Trump à Casa Branca cresceram nos últimos dias, depois que a Suprema Corte dos EUA deu sinal verde para que ele disputasse as eleições presidenciais de novembro, a despeito de dezenas de processos do ex-presidente pendentes na Justiça – se for eleito, só os responderá após cumprir o mandato.

As vitórias de Trump nas primárias republicanas da Superterça, quando praticamente garantiu o número de delegados para assegurar a nomeação do partido, aliado à divulgação recente de pesquisas indicando fortes chances de vencer o presidente Joe Biden, ligaram o sinal de alerta nos EUA.

Para o economista e professor iraniano-americano nascido na Turquia, a agenda de política econômica proposta por Trump representa um grande risco, que poderia abrir a porta para um conjunto de problemas.

Ele citou as políticas comerciais protecionistas dos EUA, que se tornariam mais severas, lembrando que Trump já disse que aumentaria os impostos sobre as importações dos EUA de 2% para 10%.

“Isso poderia desencadear uma guerra comercial entre alguns dos parceiros mais importantes da América, levando à desdolarização, a um caos na cadeia de suprimentos e a uma série de outros problemas, como a redução do crescimento econômico e aumento da inflação dos EUA”, escreveu Roubini.

O PIB dos EUA cresceu 3,2% no quarto trimestre de 2023, depois de registrar avanço de 4,9% no trimestre anterior. A inflação americana subiu para 3,1% na base anual em janeiro, ainda acima da meta de 2% estipulada pelo Federal Reserve, o banco central dos EUA.

Em seu artigo, Roubini fez previsões ainda mais alarmistas de uma eventual presidência sob Trump, incluindo o risco de estagflação, cenário em que os preços sairiam de controle enquanto o crescimento permaneceria fraco.

“Isso decorre da ‘atitude negacionista’ de Trump em relação às alterações climáticas, bem como da probabilidade de ele querer substituir o presidente do Fed, Jerome Powell, por uma ‘figura mais pacífica e flexível’, que poderia cortar as taxas de juro prematuramente e permitir que a inflação subisse”, sugeriu o economista.

Outro ponto da agenda de Trump, os cortes de impostos, foram citados por Roubini como um potencial gatilho para o aumento da crescente dívida pública dos EUA, hoje em US$ 34 trilhões. De acordo com relatório do Bank of America, mantido o atual ritmo de gastos, o governo dos EUA tende a acrescentar US$ 1 trilhão à dívida a cada 100 dias.

“Com as dívidas públicas e privadas elevadas e crescentes, isso introduziria o espectro de uma crise financeira”, alertou Roubini. “Por isso, a agenda de política econômica proposta por Trump é agora a maior ameaça às economias e aos mercados em todo o mundo.”

Powell na Câmara

O presidente do Fed participou de uma audiência na quarta-feira, 6 de março, no Comitê de Serviços Financeiros da Câmara dos Representantes, onde foi questionado sobre os planos de corte de juros do banco central americano num cenário de polarização política, com a eleição presidencial de novembro.

“Os cortes nos juros realmente dependerão da trajetória da economia”, assegurou Powell, descartando o fator político para as próximas decisões do Fed sobre quando e com que rapidez as taxas de juros serão reduzidas.

"Nosso foco é o pleno emprego e a estabilidade de preços, e os dados afetam as perspectivas, essas são as coisas que estaremos analisando”, acrescentou.

Como de costume, Powell evitou dizer em que mês o Fed tende a iniciar o ciclo de queda de juros – o mercado financeiro trabalha agora com a perspectiva de isso ocorrer a partir de junho.

“As reduções dos juros provavelmente serão apropriadas ainda este ano, se a economia evoluir conforme o esperado”, disse Powell. “O progresso contínuo na redução da inflação ainda não está garantido.”