A guerra tecnológica envolvendo Estados Unidos e China está ganhando um novo capítulo que promete impactar, depois do mercado dos chips e semicondutores, o de energia solar – um dos segmentos de energia limpa que mais cresce no mundo.
Dois ministérios do governo chinês, o do Comércio e o de Ciência e Tecnologia, anunciaram que estudam impor controles de exportação sobre a principal tecnologia de fabricação de painéis solares.
De acordo com Agência Internacional de Energia, as empresas chinesas controlam cerca de 80% da cadeia de suprimentos global para fabricação de energia solar e produzem quase metade de todos os equipamentos necessários para fabricar painéis solares e seus componentes.
Para se ter uma ideia do que está em jogo, o mercado global de energia solar foi avaliado em US$ 167,83 bilhões em 2021.
Se a ameaça for confirmada – e a simples divulgação de intenção demonstra que o governo chinês está decidido a levar a ideia adiante –, trata-se da maior retaliação da China aos Estados Unidos no âmbito da guerra tecnológica entre as duas potências.
Além de exportar, o país asiático é o maior produtor global de energia solar, com 254 Gigawatts (GW) de capacidade solar fotovoltaica instalada – muito à frente do segundo colocado, os EUA, com 73,8 GW instalados.
No final de 2022, o Brasil atingiu a marca de 21 GW de capacidade operacional em energia solar, somando as usinas de grande porte (6,7 GW) e os sistemas de geração própria de energia (14,38 GW).
As restrições solares da China, se implementadas, não serão tão prejudiciais quanto os controles de chips dos EUA, porque a fabricação solar não requer o mesmo nível de precisão.
Mas como a energia solar é uma tecnologia amplamente commoditizada, a competitividade de custos é apontada como a principal vantagem do setor solar chinês.
Só na última década, o país asiático investiu mais de US$ 50 bilhões na expansão da cadeia de suprimentos para energia solar – dez vezes mais do que a Europa.
Os painéis solares são feitos extraindo silício de alta qualidade do quartzo e transformando-o em lingotes cilíndricos, que são então cortados em lâminas finas e tratados quimicamente para criar células capazes de converter luz solar em energia.
Os controles de exportação propostos pela China visariam equipamentos e técnicas essenciais para os estágios intermediários desse processo. Ainda não está claro quais países teriam a importação chinesa sob sanção.
Se o plano for adotado, os fabricantes chineses de energia solar serão obrigados a obter uma licença de suas autoridades comerciais provinciais para exportar tais tecnologias.
Mas, para os EUA, o anúncio representa uma péssima notícia. O governo Biden aprovou no ano passado uma legislação que incentiva a instalação de fábricas de equipamentos solares para uso residencial e, como resultado, pelo menos duas empresas anunciaram bilhões de dólares de investimentos em plantas.
A incapacidade de acessar a tecnologia de fabricação para os módulos de grande porte, em especial, provavelmente aumentaria ainda mais os custos de produção nos EUA.
Guerra tecnológica
A esperada retaliação chinesa foi anunciada cinco dias depois de o governo americano obter apoio do Japão e da Holanda para proibir exportação de equipamentos avançados de fabricação de chips para a China.
O acordo, não confirmado oficialmente, mas revelado amplamente pela imprensa internacional, revela a determinação do presidente Joe Biden de impedir o avanço tecnológico chinês, que se estende por vários setores de tecnologias avançadas – além de energia solar, veículos elétricos, baterias, biotecnologia, inteligência artificial, blockchain e até supercomputação.
Anunciada pelos Estados Unidos no ano passado, a proibição de exportar para o país asiático os superchips usados em cálculos avançados de inteligência artificial e supercomputação fabricados ou desenhados por empresas americanas representou um duro golpe para a China.
A alegação do governo americano é de que os chips mais sofisticados são usados pelos chineses para fabricar mísseis e outras armas de alta tecnologia, embora também sejam usados para fabricar computadores e outros equipamentos de uso civil.
Os EUA têm o domínio do desenho, de softwares e de equipamentos usados na complexa cadeia de suprimentos de chips e semicondutores.
Embora a fabricação se concentre em Taiwan, Coreia do Sul e Japão, os equipamentos usados nas plantas asiáticas são americanos e, portanto, os superchips produzidos ali não podem ser vendidos para os chineses.
A China, por sua vez, é o maior comprador de chips e semicondutores do mundo. Desde 2015, a China gastou US$ 150 bilhões para atualizar sua indústria de semicondutores.
Em 2021, o país importou US$ 430 bilhões em chips, volume de dinheiro maior do que o gasto com importação de petróleo, para atender a mais de 85% da demanda do mercado doméstico.
Os superchips são apenas a parte mais avançada da cadeia que está ficando comprometida. Para atrair fabricantes asiáticos de chips e semicondutores, os EUA aprovaram a Lei dos Chips, que fornece US$ 52 bilhões em incentivos para a indústria de semicondutores instalada no país.
Desde 2020, as empresas de semicondutores propuseram mais de 40 projetos em todo o país no valor de quase US$ 200 bilhões que criariam 40 mil empregos, de acordo com a Associação da Indústria de Semicondutores.
A disputa pela primazia tecnológica entre EUA e China, porém, esconde um fervor protecionista das grandes economias.
A União Europeia, que de início criticou os EUA por oferecer subsídios na instalação de fábricas de chips no país (o que atraiu empresas europeias), anunciou em Davos que também vai subsidiar fábricas voltadas para produzir equipamentos de energia limpa.
O temor é que a escalada de subsídios e proibições atrapalhe os negócios de empresas privadas interessadas em manter negócios nas três superpotências, EUA, China e União Europeia, que representam 60% do PIB global.