Estados Unidos e Alemanha, as duas maiores potências econômicas do Ocidente, vivem uma contradição que reflete a reorganização econômica global pós-pandemia.

Por um lado, os dois países vêm registrando taxas recordes de pleno emprego, o que inclusive tem dificultado no combate à inflação e queda dos juros. Nos EUA, o índice de desemprego é de 3,5%, e na Alemanha, ainda mais baixo, de apenas 2,8%.

Por outro lado, a falta de mão-de-obra qualificada nos dois lados do Atlântico, em especial na indústria, já está ameaçando reduzir o crescimento econômico a médio prazo.

Embora vivam realidades diferentes, a solução é a mesma para os dois países: facilitar a entrada de imigrantes com curso superior e experiência em áreas de alta tecnologia. Tanto os EUA como Alemanha estão debatendo adaptar suas respectivas leis de imigração após ampliar a restrição de entrada de estrangeiros durante pandemia.

Na Alemanha, o problema se estende para a falta de trabalhadores de média qualificação – para se ter uma ideia, o governo pretende importar enfermeiros do Brasil.

“O problema da falta de mão-de-obra qualificada no Primeiro Mundo é um efeito da globalização, que exportou as indústrias para a Ásia”, diz Paulo Gala, economista-chefe do Banco Master e professor da Fundação Getúlio Vargas. “As economias desses dois países expandiram nos últimos anos na área de serviços, que não exigem qualificação.”

A escassez de trabalhadores com elevada formação nos EUA ganhou mais importância depois que o presidente Joe Biden aprovou no Congresso, no ano passado, a Lei de Redução da Inflação e a Lei de Chips e Ciência, com bilhões de dólares em subsídios para estimular a fabricação doméstica de tecnologia limpa e semicondutores. Desde então, mais de 80 novos projetos foram anunciados no país, incluindo criação de plantas de semicondutores e de baterias para carros elétricos.

Aos poucos, ficou evidente que faltaria mão-de-obra altamente qualificada para preencher as vagas. A McKinsey estima que os EUA enfrentarão uma escassez de 300 mil engenheiros e 90 mil técnicos até o final da década.

Curiosamente, a solução caseira é de difícil aplicação. Apesar da reconhecida expertise das universidades americanas nas áreas de ciências, tecnologia, engenharia e matemática, uma parcela desproporcional dos estudantes universitários do país é estrangeira, da mesma forma que os já graduados. De acordo com dados do Conselho Nacional de Ciências, mais da metade dos trabalhadores americanos com doutorado em engenharia nos EUA nasceram no exterior.

Mesmo com esse número expressivo, as regras de imigração são rígidas para a permanência desses estrangeiros no país após a graduação. Muitos que poderiam preencher essas vagas, acabam sendo obrigados a deixar os EUA.

Um grupo de empresas de semicondutores, incluindo ASML, Intel, Samsung e Texas Instruments, começou a pressionar o Congresso no ano passado pedindo reformas, incluindo a isenção de cotas de residência permanente para graduados nessas áreas científicas.

Déficit na indústria alemã

A falta de mão-de-obra também é crônica na Alemanha, agravada pelo declínio demográfico do país. A escassez de trabalhadores está limitando a produção em 42% das empresas de serviços, 34% de seus grupos industriais e 30% das empresas de construção, de acordo com a última pesquisa trimestral da Comissão Europeia.

O tema está sendo debatido no Parlamento, que deverá aprovar nas próximas semanas uma reforma na lei de imigração que tornaria muito mais fácil para trabalhadores estrangeiros conseguir um emprego no país.

Entre as propostas, os deputados estudam uma medida que permitiria que os trabalhadores estrangeiros mantivessem outros passaportes além do alemão - atualmente impossível para cidadãos de fora da UE.

“A Alemanha terá falta de 7 milhões de trabalhadores até 2035 se não fizermos algo”, advertiu recentemente o ministro do Trabalho, Hubertus Heil. “E isso pode acabar sendo um verdadeiro freio ao nosso crescimento econômico.”

Na semana passada, Heil anunciou que ele e a ministra das Relações Exteriores, Annalena Baerbock, planejam uma viagem para o Brasil em junho para contratar enfermeiros, área com grande déficit de vagas nos hospitais alemães. Os dois países firmaram um acordo de cooperação técnica em julho de 2022, possibilitando o recrutamento de profissionais da saúde.

Pelo acordo, não é necessário falar alemão para participar do processo seletivo, já que o contratante cobre os custos com o curso para aprender o idioma e ainda oferece uma bolsa de € 500 (R$ 2.700) durante a formação. O salário oferecido para assistente de enfermagem é de € 2.600 (R$ 14.000) por mês.

O drama ainda é maior na indústria. Três quartos das empresas da cadeia de fornecimento para indústria automotiva e 40% das empresas nos setores digital e elétrico da Alemanha estão tendo problemas para preencher cargos, com a indústria de semicondutores sendo especialmente afetada.

O déficit na fortíssima indústria do país é agravado com as recentes ondas de aposentadoria de engenheiros alemães, que não estão sendo proporcionalmente repostos. As indústrias alemãs são rígidas nas exigências para contratar estrangeiros, em especial com o domínio do idioma.

“A qualificação é um processo lento, leva décadas”, adverte Gala, da FGV, reforçando a necessidade de os dois países terem que recorrer a mão-de-obra estrangeira enquanto não revertem o déficit na formação de trabalhadores qualificados.