Os indicadores globais dos 19 países da União Europeia que faziam parte da zona do euro até o final de 2022 poderiam indicar um cenário pessimista para a moeda única europeia este ano.

Inflação alta, na faixa de 9,2% ao ano, desvalorização de 5,5% da moeda em 2022 e crescimento estimado do PIB para 2023 de apenas 0,3%.

De quebra, pela primeira vez, o euro viu sua cotação em relação ao dólar, que sempre girou em 1,2 dólar por euro, atingir um valor um pouco abaixo da paridade com a moeda americana, por causa dos juros mais elevados nos Estados Unidos.

A moeda europeia, porém, começou 2023 com boas notícias. Um novo país aderiu à zona do euro, a Croácia, e outro pretende entrar em breve, a Bulgária. E ainda recuperou sua cotação em relação à moeda americana: 1 euro, que em setembro valia 0,98 dólar, já era cotado na sexta-feira, 20 de janeiro, a 1,08 dólar, com 9% de valorização.

Apesar dos percalços ao longo de sua trajetória, o euro se consolidou em 21 anos de existência como uma moeda estável, mesmo em tempos de inflação elevada e crescimento tímido.

Hoje, o euro é a segunda moeda mundial para pagamentos internacionais, empréstimos e reservas de bancos centrais. Mais da metade da emissão global de títulos verdes é denominada em euros.

Além das 20 nações do bloco europeu que o adotaram, outros 60 países e territórios vincularam suas próprias moedas ao euro, direta ou indiretamente.

Receita

O sucesso do euro se deve a alguns fatores. Um deles é a mão forte do Banco Central Europeu (BCE), que dita a política monetária do bloco europeu de forma independente, sem interferência política dos países da União Europeia.

Outro fator são as exigências para que um país entre ou se mantenha na zona do euro, como rígido controle fiscal das contas públicas.

O déficit do orçamento de cada país, por exemplo, não deve ultrapassar a barreira equivalente a 3% do PIB. Já a dívida pública não deve ser superior a 60% do PIB – indicadores que o governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva quebra a cabeça para colocar em prática.

“A Croácia, que havia entrado para a União Europeia em 2013, levou nove anos para conseguir se adequar às regras para ser aceita na zona do euro”, afirma o economista Acilio Marinello, coordenador do MBA em Digital Banking da Trevisan Escolas de Negócios.

“Isso porque essas barreiras de entrada, entre eles ter superávit primário e responsabilidade fiscal, ajudam a preservar a qualidade e sustentabilidade da moeda”, acrescenta.

A crise financeira que atingiu alguns países da zona do euro em meados da década passada, como Grécia, Portugal e Irlanda, foi a grande prova de fogo do euro.

Esses países tiveram dificuldade de atingir as metas impostas pelo BCE. O caso mais dramático foi da Grécia, que entre 2007 e 2012, amargou seguidas crises fiscais.

Em 2010, com a dívida pública fora de controle, o país acabou aderindo a um plano de resgate financeiro desenhado pela Comissão Europeia, o BCE e o Fundo Monetário Internacional (FMI).

Foram três planos de resgate, no valor total de 289 bilhões de euros. A Grécia perdeu 25% de seu PIB e o desemprego atingiu quase 28%, com milhares de jovens emigrando para outros países do bloco.

A partir de 2018, a Comissão Europeia lançou um regime reforçado de reformas, incluindo privatizações, até atingir todas as metas – o que foi alcançado pelo país em meados do ano passado.

A Grécia foi o único país do bloco que ficou ameaçado de sair da zona do euro. Hoje, há fila para entrar.

Vantagens

O economista Mauro Rochlin, coordenador dos cursos de MBA da Fundação Getúlio Vargas (FGV) do Rio de Janeiro, observa que o atendimento dessas exigências pelo BCE traz uma vantagem adicional para os países da zona do euro.

“A moeda serve para oferecer aos países que a ela aderiram uma suposta maior credibilidade nas contas nacionais, pois precisam manter uma política fiscal controlada”, diz Rochlin, que aponta outra conquista do euro.

Para ele, nos anos 1960, 1970 e 1980, mudanças cambiais frequentes – um determinado país desvalorizava a moeda para fica mais competitivo no mercado exportador – criavam disputas no continente por causa da condução da política cambial.

Uma consequência da consolidação do euro, de acordo com o especialista, é uma maior estabilidade nas relações comerciais entre os países.

“Como a zona do euro engloba um grande número de países e de PIB, o volume de comércio entre esses países é elevado e oferece um espaço maior para a moeda no sistema financeiro internacional”, afirma o acadêmico.

De acordo com a Comissão Europeia, o euro é a moeda escolhida para cerca de 40% dos pagamentos transfronteiras mundiais e para quase metade das exportações da UE a nível mundial.

Em tempos de inflação elevada, os países da zona do euro levam vantagem até mesmo em relação a outras nações da União Europeia que não aderiram à moeda. A Eslováquia, que fechou 2022 com inflação de 15,4% ao ano, é um exemplo.

Os custos dos empréstimos de outros países do bloco que não adotaram o euro, como Polônia, Hungria a República Checa, são três vezes mais altos, por causa da taxa de juros elevados nesses países, acima de 6% - enquanto na Eslováquia a taxa do BCE não passa de 2,5%.

Marinello, da Trevisan Escola de Negócios, elogia um outro feito do euro: acomodar os interesses das economias fortes, como Alemanha e França, sem prejudicar as economias mais vulneráveis, como a Eslováquia.

Isso foi possível ao manter a paridade da moeda em diferentes países, que não apresentam grandes diferenças de valor. Na prática, significa que um produto vendido em Portugal não tem um preço muito diferente do mesmo produto na Alemanha.

Ele atribui esse feito à qualidade do poder econômico da moeda e ao fato de o BCE ser independente, o que faz com que sua política monetária transcenda as políticas econômicas dos países.

“Hoje, mesmo com o impacto da crise na Europa gerada pelo conflito na Ucrânia, com inflação alta e custo de energia elevado, não vemos grandes ondas de desemprego, de perda de poder econômico ou de aumento do número de pobres na zona do euro”, diz Marinello.