O governo federal anunciou na terça-feira, 4 de junho, alterações propostas na medida provisória (MP) baixada em fevereiro para compensar a perda de caixa do governo com a desoneração da folha de pagamento de 17 setores da economia e em municípios com até 156 mil habitantes.

Com as medidas, o governo espera arrecadar até R$ 29,2 bilhões a mais em 2024 e obter melhores resultados para sua política fiscal.

O tema virou alvo de uma crise entre Executivo – que vem tentando pôr fim à desoneração da folha, introduzida em 2011, em caráter temporário – e o Congresso, aliado aos 17 setores, que tentam manter a desoneração pelo menos até 31 de dezembro de 2027.

A desoneração funciona por meio de um modelo de substituição tributária, que permite aos 17 setores, a maioria ligados aos serviços, compensar a contribuição previdenciária de 20% sobre salários por alíquota que varia de 1% a 4,5% incidente sobre a receita bruta.

Com a proposta, o governo pretende fechar a torneira pela qual as empresas beneficiadas pela desoneração usem os créditos de PIS (Programa de Integração Social) e da Cofins (Contribuição para o Financiamento da Seguridade Social) para pagar outros tributos, como imposto de renda e contribuição previdenciária.

Também limita o ressarcimento do PIS/Cofins em dinheiro, impedindo a “tributação negativa” ou “subvenção financeira” para setores contemplados. Por causa da desoneração, essas empresas acumulam muitos créditos com descontos no pagamento do PIS/Cofins.

O pacote foi anunciado pelo secretário-executivo do Ministério da Fazenda, Dario Durigan (o ministro Fernando Haddad está em viagem internacional). De acordo com Durigan, a arrecadação será ampliada em R$ 11,7 bilhões pelo não ressarcimento do crédito presumido PIS/Cofins e em R$ 17,5 bilhões com a limitação na compensação PIS/Cofins.

No modelo que estava em vigor, o impacto da desoneração da folha das empresas e dos municípios totaliza R$ 26,3 bilhões (R$ 15,8 bilhões para empresas e R$ 10,5 bilhões para municípios).

Ao expor as medidas, Durigan alinhou algumas premissas para a compensação. Entre elas, a não criação ou majoração de tributos, acrescentando que o objetivo é não prejudicar os contribuintes menores ou o setor produtivo.

“A intenção é corrigir distorções do sistema tributário brasileiro”, afirmou Durigan, enfatizando a não-cumulatividade do PIS/Cofins. De acordo com o governo, atualmente, a arrecadação é próxima de nula ou até “negativa” em alguns setores.

“Essa neutralidade foi distorcida nos últimos anos, afastando a tributação de muitas empresas, chegando a ser negativa”, prosseguiu Durigan, acrescentando que outros setores, não contemplados com a desoneração, carregam o ônus de uma tributação maior.

O pacote contém outras duas medidas, sendo que uma delas, a rigor, pode aumentar a arrecadação federal. É a que cria um programa para cadastrar todos os benefícios tributários dados a empresas no País.

Durigan disse que cálculos da Receita Federal estimam que todas as renúncias fiscais em vigor podem atingir R$ 600 bilhões. A maior parte desse total, R$ 400 bilhões - que inclui isenções para o Simples Nacional e a Zona Franca de Manaus, por exemplo -, é conhecida e monitorada.

“Mas há cerca de R$ 200 bilhões de gastos tributários com benefícios que o Fisco não dispõe de informações completas, só fiscalizando será possível detectar se as empresas estão pagando menos”, diz.

Com isso, o governo vai exigir um cadastramento para as empresas informarem quais benefícios estão usufruindo, preenchendo um formulário: “Quem não fizer o cadastramento não perde o benefício, mas permitirá ao Fisco controlar irregularidades.”

A outra proposta atende uma demanda dos municípios. Ela permite que os municípios façam o julgamento das disputas tributárias envolvendo o Imposto Territorial Rural (ITR). O tributo e a arrecadação com o imposto são municipais, mas o julgamento é feito atualmente pelo governo federal.

Briga com Legislativo

Com a iniciativa, o governo federal pretende pôr fim à disputa com o Legislativo e os setores beneficiados com a desoneração da folha de pagamento que vinha se arrastando desde novembro, quando o governo vetou um projeto de lei que pretendia prorrogar a desoneração.

O Congresso reagiu no mês seguinte, aprovando a Lei 14.784 para prorrogar até 31 de dezembro de 2027 a vigência da política de desoneração da folha de pagamento. A proposta foi estendida a prefeituras, o que reduziria a contribuição previdenciária de municípios.

O governo chegou a emitir uma MP no final de dezembro e, diante da reação negativa do Congresso, outra MP em fevereiro, corrigindo alguns trechos - também criticada pelo Legislativo.

O governo, porém, não desistiu e lançou mão de uma medida que revoltou os setores beneficiados pela desoneração e a oposição no Congresso. Atendendo a pedido do presidente Lula (PT) e da AGU (Advocacia-Geral da União), o ministro Cristiano Zanin, do STF, suspendeu trechos da lei que prorrogou a desoneração da folha até 2027.

Zanin considerou que, sem indicação do impacto orçamentário, poderia ocorrer "um desajuste significativo nas contas públicas e um esvaziamento do regime fiscal constitucionalizado".

Após pedido de vista do ministro Luiz Fux, o julgamento foi retomado nesta terça-feira, quando o plenário formou maioria confirmando a suspensão, por 60 dias, da decisão liminar que barrou a desoneração da folha de pagamento dos 17 setores.

A disputa não terminou, mas entra agora em nova fase. Durigan diz que o governo está aberto para discutir as novas medidas com o Congresso Nacional.

“A decisão de hoje do STF vai permitirá um novo prazo para negociações entre governo e Legislativo”, disse o secretário-executivo da Fazenda.