Desde a abertura do mercado de saneamento, com a aprovação do marco regulatório do setor, em 2020, já foram assinados 19 contratos de concessões e parcerias público-privadas (PPPs), além de uma privatização, com investimentos totais de cerca de R$ 70 bilhões por empresas da área.

A corrida por investimentos no setor, no entanto, está apenas começando. Cerca de 30 projetos, entre privatizações, PPPs e concessões, estão sendo estruturados pelos governos locais e estaduais, segundo estudo divulgado na semana passada pelo Instituto Trata Brasil, em parceria com a consultoria GO Associados.

De olho nessas oportunidades, a Iguá Saneamento revisou recentemente sua estratégia, separando até R$ 6 bilhões para investir em pelo menos cinco dessas licitações previstas, todas de médio e grande porte, mirando ativos com serviços que atendam cidades acima de 100 mil pessoas, revela com exclusividade ao NeoFeed o CEO da Iguá, Carlos Brandão.

Segundo ele, o recente movimento da Iguá, que surpreendeu o mercado com a venda de 11 de suas concessões para a Norte Saneamento, por R$ 466 milhões, se enquadra nesse realinhamento da empresa.

“Decidimos otimizar nosso portfólio, com redução da exposição desses ativos menores”, diz Brandão. “Um ativo pequeno dá quase o mesmo trabalho de um grande, só que entrega muito menos valor.”

Companhia controlada pela IG4 Capital, a Iguá está presente em 39 municípios de seis estados brasileiros – Alagoas, Mato Grosso, Rio de Janeiro, Santa Catarina, São Paulo e Paraná –, com 18 operações que beneficiam pouco mais de 7 milhões de pessoas.

Com a a venda em bloco de 11 ativos, ainda a ser formalizada pelo Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade), a Iguá passaria a contar com quatro concessões – Cuiabá, Mirassol (SP), Paranaguá (PR) e a do Rio de Janeiro, obtida no leilão da Cedae, em 2021 – e três PPPs, uma com a Sabesp, em São Paulo, outra com a SAAE em Atibaia (SP) e com a CEDAL, em Arapiraca (AL).

Apenas nos últimos dez dias, houve movimentação do mercado: foram concluídas a privatização da Corsan (Companhia Riograndense de Saneamento), por R$ 4 bilhões, e a licitação de uma PPP da Sanepar, estadual de saneamento do Paraná, que vai gerar R$ 1,2 bilhão de investimentos em 16 municípios ao longo de 24 anos.

Brandão até tinha a expectativa de vencer a primeira das três licitações da Sanepar, ocorrida na sexta-feira, 14 de julho – vencida pela Aegea, a mesma empresa que comprou a Corsan.

Os planos da Iguá

Mas os planos da Iguá permaneceram inalterados. Nesta nova fase, os modelos de concessões e PPPs devem prevalecer em relação a privatizações.

“Para a Iguá, projetos de participação minoritária ou acionista de referência devem ser menos interessantes, o que perseguimos são projetos de controle e gestão”, afirma o CEO.

Brandão adianta que a privatização da Sabesp, ansiosamente aguardada pelo mercado, dificilmente vai se enquadrar nessa nova estratégia de atuação.

“A Corsan é um modelo que, em tese, funcionaria, porque seria um controle completo da companhia, mas a Sabesp deve ser diferente”, acrescenta, referindo-se ao provável fatiamento da estatal paulista.

Outra privatização de peso que pode interessar é a da estatal mineira Copasa, responsável pelo abastecimento de água e esgotamento sanitário em grande parte do estado. O governo mineiro ainda estuda o modelo.

Por isso, Brandão prefere apostar em outras frentes. A principal opção é a concessão da Deso, estatal sergipana de água e esgoto, que deve ir a leilão este ano. Os investimentos estimados são de R$ 7 bilhões por um contrato de 35 anos.

“É uma concessão que abrange o estado inteiro, o que daria um salto de escala para a Iguá, estamos trabalhando desde já com os acionistas um aporte e discutindo alternativas de financiamento”, adianta.

Outras concessões de água e esgoto que interessam são da Dmae (empresa municipal de água e esgoto de Porto Alegre), e as que serão oferecidas pelas prefeituras  de Governador Valadares (MG) e Teresópolis (RJ).

O executivo cita também como alvo o Bloco D de Alagoas – uma concessão que envolve 28 municípios do estado. “É interessante porque teríamos uma sinergia com a operação que temos lá, uma PPP que distribui água para o principal município do bloco, que é Arapiraca”, diz o executivo.

Operação carioca

Outro braço da nova estratégia da Iguá é fortalecer a operação no Rio de Janeiro, a principal da empresa, que atende 1,2 milhão de pessoas.

Para a concessão do leilão da Cedae, em 2021 – uma parte para distribuição de água, coleta e tratamento de esgoto na Barra da Tijuca e Jacarepaguá, e a outra, concessão plena nas localidades de Miguel Pereira e Paty dos Alferes --, a Iguá Rio levantou de R$ 3,8 bilhões, divididos em R$ 1,8 bilhão em debêntures de infraestrutura em oferta pública subscrita pelo BNDES e R$ 2 bilhões no mercado.

De acordo com Brandão, a captação tem alguns objetivos. Um deles é transformar uma dívida de curto prazo em mais longo prazo. Outro é financiar o pagamento residual da outorga, que acontece em 2025.

A Iguá Rio já pagou R$ 5,8 bilhões da outorga de R$ 7,2 bilhões e já investiu R$ 500 milhões do capex previsto em R$ 2,5 bilhões.

“Pretendemos ainda fazer uma diversificação, estamos estudando a oportunidade de emissão de bonds fora do Brasil, de forma a ter uma estrutura bem diversificada, visando uma melhor equação de risco e retorno para a empresa”, diz.

Independentemente da captação, Brandão diz que a operação do Rio está tendo resultados muitos bons.

“Em 2021, tivemos uma receita de R$ 700 milhões. Em 2022, já com a operação no Rio, a receita chegou a R$ 1,7 bilhão”, diz, acrescentando que o Ebitda dobrou em 2022, para R$ 650 milhões.

Segundo ele, o programa de investimento para o Rio para este ano é de cerca de R$ 300 milhões. “Com essa captação, vamos endereçar nossas necessidades de investimento de três a quatro anos”, assegura.

Os números do primeiro trimestre da Iguá Saneamento reforçam o otimismo de Brandão. A empresa atingiu uma receita líquida de R$ 591,6 milhões,  crescimento de 41% em relação ao mesmo período do ano anterior.

O Ebitda ajustado foi de R$ 205,7 milhões, aumento de 52% em relação a 2022. Os investimentos em melhorias foram de R$ 100 milhões.

Dinheiro para investimentos

De acordo com estimativa do Trata Brasil, o Brasil precisaria de uma média anual de investimentos de R$ 44,8 bilhões para atingir as metas estabelecidas pelo novo Marco Legal do Saneamento. Nos últimos cinco anos, a média anual de investimentos foi de cerca de R$ 20 bilhões.

Brandão assegura que não vai faltar dinheiro para investimentos em novos ativos.

“Com nossa composição acionária, temos facilidade para alocar capital ”, diz, citando a IG4, uma gestora de private equity que tem apenas 3% da Iguá, por meio da IG4 Water, mas representa o bloco de controle da empresa com 90% do capital.

Os outros sócios são dois fundos de pensões canadenses, o CPPIB e a AIMCo, que, segundo Brandão, "gerem US$ 700 bilhões e precisam alocar capital para pagamento de benefícios para seus assistidos".
Os 10% restantes do capital pertencem ao BNDESPar, "que sempre acompanha nossas discussões".

Brandão reforça a confiança no Marco Legal do Saneamento. “Todos os projetos pós-marco são sólidos, tanto que participamos da maioria deles”, diz o executivo, há três anos à frente da empresa.

Nem mesmo as recentes investidas do governo Luiz Inácio Lula da Silva  para alterar o marco causam reação em Brandão: “Desde que haja oportunidades para que os investimentos aconteçam, não tenho preocupação.”