Ao mesmo tempo em que a Inteligência Artificial (IA) pode revolucionar o mercado financeiro, ao permitir a análise de dados e a realização de previsões econômicas e tendências do mercado, ela traz consigo também a possibilidade de gerar novas e profundas crises financeiras, caso não seja acompanhada de perto.

A avaliação é de Gary Gensler, presidente da Securities and Exchange Commission (SEC, a CVM dos Estados Unidos), que disse que o regulador terá um olhar especial para ferramentas analíticas preditivas, diante da preocupação do que ele chamou de “efeito de rebanho”.

“Uma preocupação crescente é que [a IA] pode resultar em um risco para o sistema como um todo”, afirmou Gensler em entrevista ao site MarketWatch. “Com diversos atores financeiros dependendo de um, ou apenas dois ou três modelos no meio, você cria uma monocultura, você cria um rebanho.”

A preocupação do regulador é que uma falha dentro de um modelo utilizado por plataformas de IA para o mercado financeiro possa ter duras consequências em períodos de estresse, provocando forte volatilidade nos preços do mercado.

Gensler citou como exemplo os mercados de computação em nuvem e mecanismos de buscas na internet como segmentos dominados por poucos nomes, o que resulta em riscos caso essas empresas tenham problemas. E, segundo ele, o mesmo está ocorrendo no mercado de IA.

Para lidar com a situação, Gensler disse que a SEC já está contemplando novas regras para lidar com a situação. A autarquia apresentou uma proposta para evitar problemas vindos de corretores e assessores de investimentos que utilizam ferramentas desse tipo para sugerir investimentos, de olho especialmente em eventuais conflitos de interesse.

“Se isso é utilizado para sugerir um determinado filme numa plataforma de streaming, tudo bem”, afirmou ele. “Mas se isso é feito para ajudar na parte de finanças, nós precisamos lidar com conflitos [que podem surgir].”

Xerife de olho

No comando da SEC desde abril de 2021, Gensler tem avançado em algumas frentes de fiscalização e supervisão. Uma delas está relacionada ao mercado de criptomoedas, em que apertou o cerco regulatório. Em junho, a SEC abriu processos contra a Binance e a Coinbase, alegando que as empresas estão negociando valores mobiliários não registrados, entre outras irregularidades.

No final do ano passado, a SEC propôs uma revisão das regras de negociação de ações, no que foi considerada a reforma mais profunda em duas décadas e que pode ter sérias consequências para a Robinhood e outras plataformas voltadas para o investidor do varejo.

Essa não é a primeira vez que Gensler alerta para os potenciais perigos da IA para o mercado financeiro. Ele mostra preocupação sobre os riscos dessas ferramentas desde 2020, quando foi coautor de um artigo sobre aprendizado profundo e estabilidade econômica.

“A ampla adoção do aprendizado profundo pode aumentar a uniformidade, a interconexão e as lacunas regulatórias, deixando o sistema financeiro mais frágil”, diz trecho do artigo.

Apesar de alertar para os riscos para o sistema financeiro, o presidente da SEC diz que a solução depende de um esforço conjunto das autoridades, considerando a fragmentação do aparato regulatório dos Estados Unidos.

Enquanto a agência que ele lidera cuida dos mercados de valores mobiliários, outras agências são responsáveis por supervisionar os bancos e os mercados de commodities, todos interligados e sujeitos aos riscos da IA.

“Esta é uma questão transversal para as entidades”, afirmou Gensler. “Este é o desafio dessas novas tecnologias.”