Pela primeira vez na história, os investimentos globais em tecnologias de transição energética superaram os aportes destinados aos combustíveis fósseis. É o que revela relatório da Agência Internacional de Energias Renováveis (Irena), em parceria com a Climate Policy Initiative (CPI), divulgado na COP 30, em Belém (PA).

Segundo o documento, os investimentos em energia limpa atingiram a marca recorde de US$ 2,4 trilhões em 2024, um salto de 20% em relação à média anual de 2022 e 2023, e bem acima do total investido em combustíveis fósseis no ano passado, US$ 1,5 trilhão, segundo a Irena.

O marco representa uma virada simbólica na corrida global pela descarbonização, mas o relatório também alerta que o ritmo atual de crescimento das energias renováveis ainda está aquém do necessário para cumprir as metas climáticas estabelecidas no Acordo de Paris e reafirmadas na COP 28 e COP 30.

O relatório destaca que, embora o volume total de investimentos em tecnologias de transição energética tenha crescido, a distribuição desses recursos permanece altamente concentrada. Cerca de 90% dos aportes foram realizados em economias avançadas e na China, enquanto países em desenvolvimento — especialmente na África Subsaariana, América Latina e Sudeste Asiático — continuam enfrentando grandes barreiras de acesso ao financiamento.

"Ampliar o financiamento para países emergentes e em desenvolvimento é essencial para tornar a transição verdadeiramente inclusiva e global”, afirma Francesco La Camera, diretor-geral da Irena.

O investimento nas cadeias de suprimentos e na manufatura da transição energética também segue altamente concentrado. A China responde por 80% do investimento global em instalações para fabricação de tecnologias solares, eólicas, de baterias e de hidrogênio entre 2018 e 2024.

Essa disparidade ameaça comprometer os esforços globais de mitigação das mudanças climáticas, já que o potencial de expansão das energias renováveis em países emergentes é significativo, mas subaproveitado.

A Irena estima que, para alcançar a meta de triplicar a capacidade instalada de energia renovável até 2030, os investimentos anuais globais precisariam ultrapassar US$ 5 trilhões — mais do que o dobro do valor registrado em 2024.

Entre as tecnologias analisadas, a energia solar fotovoltaica continua sendo a principal beneficiária dos investimentos, com US$ 600 bilhões aplicados em 2024, aumento significativo de 49%. Em seguida, vêm a energia eólica, as redes elétricas inteligentes, o armazenamento em baterias e o hidrogênio verde.

No geral, o investimento global em fábricas que produzem equipamentos de energia solar, eólica, baterias e hidrogênio caiu 21%, para US$ 102 bilhões em 2024, impulsionado por uma queda significativa nos investimentos em fabricação de painéis solares fotovoltaicos.

Em contrapartida, o investimento em fábricas de baterias quase dobrou, chegando a US$ 74 bilhões, refletindo a crescente demanda por armazenamento em redes elétricas, veículos elétricos (VEs) e data centers.

No entanto, o relatório aponta uma desaceleração no crescimento percentual dos investimentos em renováveis, com os investimentos anuais aumentando 7,3% em 2024, em comparação com 32% no ano anterior.

Essa desaceleração é atribuída a uma combinação de fatores: aumento nos custos de financiamento, gargalos na cadeia de suprimentos, incertezas regulatórias e falta de infraestrutura adequada em muitos países. Além disso, o relatório destaca que os subsídios governamentais ainda favorecem, em muitos casos, os combustíveis fósseis, o que distorce a competitividade das fontes limpas.

Combustíveis fósseis presentes

Apesar da virada histórica, os combustíveis fósseis continuam atraindo volumes expressivos de capital de US$ 1,5 trilhão — durante a COP30, o secretário-geral da ONU, António Guterres, citou um total de investimentos em petróleo, gás e carvão de US$ 1,2 trilhão em 2024, abaixo da estimativa da Irena.

Esse valor, embora inferior ao destinado à transição energética, ainda representa uma ameaça significativa aos esforços de mitigação climática. A Irena alerta que, sem uma redução drástica nos aportes a projetos fósseis, será impossível manter o aquecimento global abaixo de 1,5 °C até o fim do século.

Segundo o relatório, cortes nas políticas públicas nos Estados Unidos estão minando os esforços existentes do país para implantar energia renovável. O 'Big Beautiful Bill', pacote legislativo federal dos EUA sancionado em julho pelo presidente Donald Trump, reduziu em 23% as perspectivas de energia renovável e armazenamento de energia no país até 2035.

Os créditos fiscais para projetos de energia eólica e solar foram cortados consideravelmente. A reorientação da geração de combustíveis fósseis, suspensões temporárias das permissões de projetos renováveis em terras federais, o congelamento de fundos federais e a imposição de novas tarifas sobre importações essenciais também afetaram os programas de energia renovável.

O relatório da Irena conclui que, embora o marco de 2024 represente um avanço importante, a transição energética global ainda está longe de ser inclusiva, equitativa e suficientemente rápida.

Para cumprir as metas climáticas e garantir segurança energética para todos, a agência sugere a adoção de várias medidas, entre elas: dobrar os investimentos anuais em renováveis até 2030; reduzir drasticamente os subsídios aos combustíveis fósseis; ampliar o acesso ao financiamento em países em desenvolvimento; estimular a inovação tecnológica e a capacitação de mão de obra; e fortalecer a cooperação internacional e os mecanismos de financiamento climático.

A virada nos investimentos é um sinal de que o mundo está começando a mudar de direção. Mas, como alerta o próprio relatório, “a velocidade da transição ainda está muito aquém da urgência climática”. O desafio agora é transformar esse impulso em ação coordenada, ambiciosa e verdadeiramente global.