Western Asse

Atravessar um ciclo de aperto monetário em meio à inflação sem precedentes em décadas traz oportunidades e também desafios até para especialistas que pilotam a renda fixa como carro-chefe.

Esse é o caso da Western Asset, gestora global com sede em Pasadena, Califórnia, que administra US$ 500 bilhões em operações distribuídas nos EUA, Londres, Cingapura, Hong Kong, Tóquio, Melbourne e São Paulo. Presente no Brasil há 17 anos, a empresa tem R$ 50 bilhões sob gestão no País.

“O desafio é navegar os mercados enquanto eles se ajustam para entender a dimensão do ciclo monetário e se a inflação é persistente ou não”, afirma Marc Forster, head da Western no Brasil, que recebeu o NeoFeed para uma entrevista ao lado do diretor de investimentos, Paulo Clini.

A inflação em alta no mundo inteiro é a variável chave sobre a qual todos estão debruçados, diz Clini, porque ela vai determinar até onde vai o juro nos Estados Unidos e o “juro americano é o custo de oportunidade do mundo”. Os ativos são precificados a partir dessa taxa.

“Se a inflação ceder de maneira mais forte, as autoridades monetárias terão um alívio e isso vale também para o Brasil, porque parte da nossa pressão inflacionária é importada”, afirma Clini, para quem o Federal Reserve (Fed) poderia seguir o exemplo do Banco Central brasileiro e alongar o horizonte relevante da política monetária para promover a convergência da inflação à meta.

O diretor da Western defende que uma mensagem clara do Fed provocaria uma reação positiva dos mercados para ativos de risco. “Não se trata só da bolsa, mas de moedas, países emergentes e crédito ‘high yield’. Os ativos de risco seriam beneficiados.”

No Brasil, afirma, é consenso de que juro está num patamar restritivo e vai trazer a inflação para baixo. Mas a rapidez com que isso vai acontecer depende do futuro arcabouço fiscal.

A Western tem conversado com integrantes das equipes dos dois principais candidatos à presidência nas eleições brasileiras de outubro, mas sem sucesso quanto às perspectivas fiscais de um futuro governo.

“O Lula é muito vocal em dizer que o teto de gastos não funciona e vai cair, mas não aparece nada para ir no lugar (...) e seus interlocutores não expõem propostas afinadas", diz. "Bolsonaro é menos vocal sobre o teto de gastos. Paulo Guedes diz que o teto está preservado, mas quando o teto virou uma restrição, ele foi superado.”

Acompanhe os principais trechos da entrevista:

O que significa ser gestor de renda fixa em meio a um aperto monetário global?
Forster - O juro em alta aumenta o interesse do investidor pelo ativo que temos como carro-chefe, mas traz o desafio de navegar esses mercados enquanto eles se ajustam para entender qual é o tamanho do aperto monetário, se a inflação é persistente ou não é. Tudo o que estamos vivendo há quase dois anos. No Brasil, temos atuado bastante em crédito privado, segmento que passou ao largo dessa crise. Não vimos esses ativos se desvalorizando, spreads de crédito abrindo. Portanto, temos desafios, mas oportunidades, sobretudo, para gestão de ativos em prazos mais longos.

Os clientes da Western são, sobretudo, institucionais?
Forster - Os institucionais são maioria, cerca de 70%, mas atuamos no varejo na forma de parcerias com plataformas, corretoras, bancos. No Brasil, a composição é de 70% a 30% entre institucionais e varejo. Como a distribuição de produtos deixou de ser uma barreira de entrada no mercado, o varejo passou a ser um filão muito interessante para os gestores como um todo.

Qual é hoje o grande desafio na gestão de investimentos?
Clini - A variável chave sobre a qual todo mundo está debruçado é o comportamento futuro da inflação. A variável que causou um distúrbio no mundo é a inflação. E é o seu comportamento que pode fazer com que a turbulência continue ou não. A inflação é mais importante do que declarações em Jackson Hole ou do próprio Federal Reserve (Fed) porque é ela que vai ditar o caminho da política monetária. Se a inflação ceder de maneira mais forte nos meses subsequentes, as autoridades monetárias terão um alívio.

"A inflação é mais importante do que declarações em Jackson Hole ou do próprio Federal Reserve (Fed) porque é ela que vai ditar o caminho da política monetária"

A inflação brasileira é parte do cenário externo?
Clini - Uma parte da inflação brasileira é importada. Uma parte do choque veio de preços de commodities. Os preços de bens industriais também subiram de maneira relevante. Outra parte da inflação veio do câmbio que desvalorizou. Ao longo de muitos anos, importamos deflação chinesa, principalmente, e em bens industriais. E, no último ano e meio, estamos importando inflação.

A tendência da inflação no exterior é, para nós, bem relevante?
Clini - Embora não seja uma relação direta, se tivermos algum alívio externo, o Banco Central do Brasil pode ter algum conforto quanto a boas notícias no “front” doméstico. E a nossa visão lá fora (da Western global) é a de que estão surgindo o que se chama de “brotos verdes” (sinais de inflação em desaceleração) ainda que muito incipientes. Os índices ainda não mostram desaceleração relevante, mas há sinais importantes.

Qual é a visão do time global da Western sobre o comportamento da inflação americana?
Clini - Nosso head global de investimentos, que tem sob sua gestão meio trilhão de dólares, lembra que a inflação é um indicador atrasado, porque é consequência do que está acontecendo com a demanda. Portanto, para a gente entender se a inflação chegou ao pico e vai desacelerar, vamos olhar a demanda e não o dado em si. E os diversos setores divergem. Por enquanto, o setor de serviços nos EUA está indo bem, não tem problema algum. A demanda por passagens aéreas, por exemplo, está no pico. Parece um mundo de crescimento que vai exigir do Fed uma continuidade prolongada do aperto monetário.

Mas isso não vale para outros setores...
Clini - Se olharmos para o setor de moradias ou imobiliário, que foi responsável por uma puxada importante da inflação, claramente temos uma forte desaceleração. Mas ela bateu no índice de inflação? Não bateu, mas por uma questão de medida da inflação. O segmento imobiliário já desacelerou, inclusive, porque a alta da curva de juros puxou as taxas das hipotecas. Portanto, a desaceleração é um fato. E é uma questão de tempo para se colher números mais baixos. Isso vale para os bens industriais que tiveram alta de preços por causa da quebra das cadeias produtivas acentuada pela política de Covid zero do governo chinês.

E a perspectiva da Western para o juro?
Clini - O Fed não vai conseguir parar de subir juro até colocar a taxa em um terreno bastante restritivo. E isso quer dizer algo entre 4% e 5%. Isso é possível, mas não é provável. Nossa percepção é a de que o Fed pode levar o juro ao intervalo de 3,5% a 3,75% no final deste ano e manter nesse patamar por um tempão. Com isso, ele vai conseguir desacelerar a inflação talvez de uma maneira mais lenta do que é a expectativa do mercado. Mas consegue.

O Fed tem um dilema quanto ao ritmo de aperto monetário?
Clini - O dilema do Fed não é diferente do dilema do nosso Banco Central. Qual é o horizonte de tempo que os BCs têm para trazer a inflação para a meta? No caso dos EUA, trazer uma inflação de 8 e pouquinho por cento para 2%. Será que o Fed consegue fazer isso em um ano e meio? Será que faz sentido fazer a convergência em um ano e meio ou é possível alongar o horizonte relevante para a política monetária?

O Banco Central do Brasil fez isso...
Clini - O Fed ainda não deu essa sinalização. Nesse sentido, o nosso BC está mais adiantado porque indicou claramente a extensão do horizonte relevante de política monetária para 2024. O Fed ainda continua batalhando com a comunicação porque precisa passar essa mensagem de maneira clara. E isso importa, porque se não é necessário trazer a inflação de 8% para 2% em um ano ou um ano e meio e se aceita que a convergência será mais longa, o juro de 3,5% faz o trabalho da desinflação. O que talvez não seja razoável são os cortes agressivos que o mercado já projeta para 2023. Talvez esses cortes não se materializem ou, ao menos, na intensidade esperada e precificada nos mercados.

Como os mercados reagiriam a um horizonte mais longo se o Fed fizer a sinalização?
Clini - A reação seria positiva para ativos de risco, desde que o período para convergência fosse razoável. Se for para 2026, não é possível. O Fed passaria a imagem conivente ou leniente com a inflação alta. Se a mensagem for crível, terá resultado. E é possível passar a mensagem de que não é conivente e precisa de mais tempo para a desinflação. Nossa leitura é de que a mensagem seria muito bem recebida pelos investidores e poderia ser um gatilho para que eles observassem os ativos de risco com outros olhos. E não se trata só de bolsa, mas de moedas, países emergentes e crédito “high yield”. Os ativos de risco seriam beneficiados.

O Fed não está se ajudando?
Clini - O Fed está muito oscilante nas mensagens. Não é muito diferente do que aconteceu com o nosso BC no início do ciclo de aperto monetário. O Fed, no início, dizia que estava vendo algumas pressões inflacionárias, mas que a economia estava reabrindo e que, então, tiraria estímulos. A mensagem inicial do nosso BC também era nessa linha. Em seguida, o Fed veio com o discurso de que teria que elevar o juro para neutro porque a inflação estava mais resiliente e vamos de ajuste ao ritmo de 0,50 ponto percentual. De repente, sai um resultado de inflação e o 0,50 ponto vira 0,75 ponto. Isso tem assustado o mercado. Causa estranheza e quando não há consistência na mensagem, cria-se volatilidade desnecessária.

É arriscado o conflito de mensagens entre dirigentes do Fed?
Clini - Quando isso acontece, a ideia é de que não há consenso e cada agente escolhe a posição que mais lhe apetece. Os agentes acabam encontrando argumentos para justificar sua própria opinião. Quem acha que o juro vai para 4%, por exemplo, olha o setor de serviços que está mais forte; quem acha que vai a 3% olha o setor imobiliário, que está mais fraco. Por isso, a comunicação do Fed (ou de qualquer outro BC) é fundamental para coordenar as expectativas. E, neste momento, a do Fed está errática.

Um discurso consistente pode reorientar os mercados?
Clini - O discurso é importante porque a taxa de juro americana é o custo de oportunidade do mundo. Os ativos são precificados a partir daí ou a partir da comparação com o ativo que é livre de risco no mundo. E qual é o ativo livre de risco? É a taxa de juro dos EUA. É a partir daí que se calcula o valor de um crédito “high yield”, quanto vale o risco em um país emergente “investment grade” ou não “investment grade”, ou quanto vale cada índice do mercado acionário. Veja que a mudança de discurso do Fed fez o S&P 500 cair 20% no primeiro semestre.

Olhando para o Brasil, o que temos?
Clini - Olhando para dentro de casa, o nosso BC está adiantado em relação aos demais Bancos Centrais. Foi o primeiro a identificar a inflação como um fenômeno persistente e não temporário. A visão inicial era de que a inflação estava subindo só por choque de oferta. E, inúmeras vezes, o Roberto Campos Neto [presidente do BC] alertou que havia na inflação um componente de demanda. Na verdade, houve uma transferência de recursos do setor público para as famílias. O poder de compra cresceu na pandemia, apesar do desemprego. E o BC reagiu e elevou o juro para um nível restritivo.

Uma ajuda na inflação de fora para dentro ajuda?
Clini - Havendo uma melhora na inflação lá fora é muito razoável acreditar que a política monetária atual [Selic de 13,75%] mantida por algum tempo vai arrefecer a demanda doméstica. Os componentes da inflação mais sensíveis à demanda vão começar a ceder. É óbvio que temos um problema que o mundo não tem que é a indexação que torno o processo de desinflação mais lento. Hoje, a indexação é menor do que no passado, mas para padrões internacionais é alta. E isso exige que o nosso BC seja mais restritivo do que a média.

"A comunicação do Fed (ou de qualquer outro BC) é fundamental para coordenar as expectativas. E, neste momento, a do Fed está errática"

A caminho de 2023 vemos revisões para o PIB. A Western prevê desaceleração importante deste ano para o próximo?
Clini - Redução de expectativa para o PIB de 2 e pouquinho para 1 e pouquinho não é desaceleração grande. Tudo depende das expectativas. Se a expectativa era zero e a economia crescer 2%, parece um bom aumento. E se cai à metade no ano seguinte, parece redução importante, mas na verdade não é. O fato é que a desaceleração está contratada em função da política monetária.

A mudança de governo torna as expectativas menos otimistas para 2023?
Clini - A questão relevante é a política fiscal. É consenso que o juro está em patamar restritivo e vai trazer a inflação para baixo. Mas a velocidade com que o BC vai conseguir tirar o juro desse patamar restritivo está condicionada ao futuro arcabouço fiscal.

E qual é a expectativa da Western para o arcabouço fiscal?
Clini - O que podemos dizer é que não se sabe muita coisa, infelizmente. O Lula é muito vocal em dizer que o teto de gastos, que é o principal pilar da política fiscal, não funciona e vai cair. Então, o que vai no lugar? Nada. Não aparece nada. Aí a gente conversa com um interlocutor do PT que diz uma coisa e com outro interlocutor que fala outra coisa.

Vocês têm conversado com as equipes dos candidatos?
Clini - Bastante, mas não tem um interlocutor. Quem é o interlocutor para a pauta econômica do Lula? Não tem. O Lula fez de propósito, deixou sem interlocutor e deixou um monte de gente falando em nome do PT e sobre políticas que não estão alinhadas. E isso mostra que não há um consenso. Então, o investidor olha para o Brasil e diz ‘deste mato não sai coelho’. Algumas propostas nem cabem. Dizer que vai pedir uma licença para gastar em 2023 e discutir com a sociedade um novo pilar fiscal não dá certo. A sociedade vai optar por mais gasto e menos âncora fiscal.

E como está o principal oponente, Bolsonaro?
Clini - Bolsonaro é menos vocal em dizer que o teto de gastos não serve. Portanto, não é explícito e diz que vamos manter a disciplina fiscal. Paulo Guedes afirma que o teto de gastos está preservado. Mas, do ponto de vista concreto, o que se percebeu é que, quando virou uma restrição, o teto de gastos foi superado. Se encontrou um arranjo político para criar uma nova regra que passava por cima do teto de gastos. Os agentes econômicos não são bobos. Olham para isso e percebem que, quando necessário, (o atual governo) não é fã de carteirinha desta regra fiscal. E o que vai ficar no lugar? Deste lado também não se tem resposta.

Nas eleições anteriores havia essa inquietação com as perspectivas para o País?
Clini - Não havia essa inquietação porque as plataformas eram muito claras. Os candidatos oponentes sempre tinham contraponto em suas propostas de política fiscal, que eram mais ortodoxas ou mais heterodoxas.

O que temos hoje?
Clini - Em termos de agenda macroeconômica, as questões estão em aberto para os dois principais candidatos à presidência. E não temos respostas muito claras nem de A ou de B. E isso deixa em aberto outras questões como a perspectiva para a própria política monetária. Quanto de juro o BC conseguirá cortar em 2023? Depende do que será o novo arcabouço fiscal. Se a gente consegue ancorar a percepção de risco-país, o espaço para o corte de juro é um. Se a percepção de risco-país piora, o espaço para juro menor será outro, isso se houver espaço para corte.

"Em termos de agenda macroeconômica, as questões estão em aberto para os dois principais candidatos à presidência. E não temos respostas muito claras nem de A ou de B"

A campanha vai trazer respostas a essas questões?
Clini - É improvável porque política fiscal é um tema duro, o interesse de ambas as campanhas endereçar esses assuntos durante o período eleitoral é baixíssimo ou nulo. Os candidatos podem ser provocados a falar por algum evento externo que force um posicionamento. Se o câmbio for a R$ 6,00 ou R$ 6,50 e a inflação explodir, talvez os candidatos sejam obrigados a se posicionar, mas esse não é o cenário hoje. Tratar de arcabouço fiscal é apontar o perdedor. É apontar quem vai pagar a conta de um gasto maior aqui ou ali. Se um deles apontar que a conta vai para o bolso do eleitor, talvez não receba votos.

Paulo Guedes, num futuro governo, se Bolsonaro ganhar a eleição, não é indicação de que haverá disciplina fiscal?
Clini - Não é uma garantia porque, às vezes, o arranjo político vai em outra direção. Na eleição de 2018, a figura do Paulo Guedes ajudou a ancorar a imagem do Bolsonaro como alguém que tinha alguma responsabilidade fiscal. Ele transmitiu credibilidade. Mas, quatro anos depois, o que se percebeu é que o arranjo político que o Bolsonaro criou levou a outro cenário. Passada a eleição, dependendo de como estiver o mercado, o vencedor fica livre das amarras de ter que apontar os perdedores. Acredito que até o PT, entendendo a necessidade de dar alguma sinalização para os agentes econômicos, afunile o discurso sobre suas propostas. As incertezas poderão ser endereçadas após a eleição, mas não resolvidas.