Com uma canetada, coube ao presidente Luiz Inácio Lula da Silva intervir, na terça-feira, 28 de março, para pôr fim ao impasse no governo federal e definir o teto de juros para o empréstimo consignado a aposentados e pensionistas do Instituto Nacional do Seguro Social (INSS).

Numa reunião no final da manhã no Palácio da Alvorada, que contou com a participação dos ministros da Fazenda, Fernando Haddad, e da Previdência Social, Carlos Lupi, Lula decidiu fixar o limite de juros do consignado em 1,97% -- acima do teto de 1,7% aprovado há duas semanas numa reunião do CNPS (Conselho Nacional da Previdência Social) e abaixo do limite estabelecido pelos bancos, que pediam taxa entre 2% e 2,01%, mas admitiam aceitar um índice de 1,99%.

Em nota, o Banco do Brasil colocou panos quentes na decisão: "O BB entende que as novas regras conciliam a remuneração adequada da linha com a oferta de crédito condizente com as necessidades financeiras de seus clientes".

No entanto, a Febraban, a federação dos bancos, disse que o novo teto de juros do consignado no INSS "ainda está abaixo dos custos vigentes para parte dos bancos que operam essa linha" e caberá a cada instituição financeira, diante de sua estratégia de negócio, avaliar a conveniência de concessão do consignado no novo teto de juros fixado.

O episódio expôs uma nova desavença entre a equipe econômica e demais áreas do governo, irritou os bancos e ainda passou uma péssima imagem, por mostrar o governo federal tentando baixar o juro na marra, sem combinar com o mercado financeiro.

Após a reunião no Alvorada, a proposta do presidente foi apresentada e aprovada numa nova reunião do CNPS. Além da nova taxa de 1,97% para empréstimos, o CNPS aprovou redução do teto da taxa do cartão consignado, de 3,06% ao mês para 2,62% O órgão vai reavaliar os novos índices num prazo de 30 dias.

O empréstimo consignado é um crédito que tem desconto direto na folha de pagamento dos trabalhadores. No consignado do INSS, o segurado pode comprometer até 45% do benefício com o crédito consignado. Desse total, 35% são para o empréstimo pessoal, 5% para o cartão de crédito e 5% para o cartão de benefício, criado no ano passado. O empréstimo pode ser pago em até sete anos (84 meses).

Dez bancos, entre públicos e privados, chegaram a suspender a concessão da linha de crédito a aposentados e pensionistas após a reunião do CNPS, no dia 13 de março, sob argumento de que, com um limite máximo de juros de 1,7% ao mês, a rentabilidade com esse tipo de operação ficaria negativa —o que inviabiliza os empréstimos.

Desde então, integrantes de várias pastas do governo realizaram reuniões para chegar a um consenso. Coube a Haddad coordenar o grupo de trabalho da Fazenda que negociou com a Febraban um teto de juros. O último encontro avançou a noite de segunda-feira.

Mal-estar

A confusão teve início no começo de março, quando Lupi levou a Lula a proposta do Ministério da Previdência Social de estabelecer um teto de juros de consignado para aposentados de 1,70% -- o índice de juros cobrado anteriormente era de 2,13% ao ano.

Lupi recebeu sinal verde, mas o presidente pediu que consultasse o Ministério da Fazenda.
Na semana seguinte, sem Lupi procurar Haddad, o índice foi aprovado na reunião do CNPS (que conta com 15 integrantes, sendo seis do governo) e divulgado. O mal-estar na equipe econômica foi evidente.

Ontem, na saída da reunião do Alvorada, Haddad deixou a entender que não foi fácil convencer o ministro da Previdência que a proposta inicial, teto de 1,70% de juros, era inviável – Lupi bateu pé e admitiu elevar no máximo a 1,85%.

“Levamos tabelas, longas explicações sobre o que aconteceu com o crédito consignado desde a última decisão”, disse Haddad. “Penso que o ministro Lupi está bem municiado de argumentos para recalibrar a taxa e permitir ao aposentado acesso a crédito e a garantia de que há crédito mais barato do que o praticado até agora.”

Segundo a Febraban, existem mais de 14 milhões de contratos de consignado para aposentados em andamento. Dados do Banco Central, porém, revelam que dos 39 bancos que oferecem empréstimos consignados a aposentados, 18 praticavam taxas abaixo de 1,97% ao ano na primeira semana de março.

Ou seja, Haddad ainda corre o risco de ser criticado pela ala política do governo por ceder às pressões da Febraban por uma taxa de juros mais elevada do que a sugerida inicialmente.

Para o economista Carlos Honorato, professor da FIA Business School, o governo federal acabou caindo num erro tentar ao impor uma taxa de juros ao mercado, recorrendo ao mesmo princípio de tabelamento de preços dos tempos de hiperinflação.

“O governo colocou um bode na sala, os juros nada mais são do que uma relação entre oferta e demanda de dinheiro”, diz Honorato.

Segundo ele, num momento de crise, os juros vão sempre estar mais elevados: “Não adianta definir juros em 1,97% ou 1,99% se os bancos tiverem outra opção de rentabilidade mais atraente, simplesmente vão deixar de oferecer essa modalidade de empréstimo consignado.”