Numa mostra das dificuldades do que vêm pela frente, o governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva mal teve tempo de comemorar nesta quarta-feira, 23 de agosto, a aprovação do arcabouço fiscal na Câmara dos Deputados, na noite anterior, com 379 votos favoráveis e 64 votos contrários, após intensa negociação política.

Enquanto prepara a sanção presidencial para a regra fiscal entrar em vigor, a equipe econômica começou a analisar todas as opções para obter uma receita extra. Para fechar as contas do ano que vem e terminar 2024 com déficit primário zerado - promessa que ancora o próprio arcabouço recém-aprovado - será preciso, por baixo, de R$ 120 bilhões. Isso sem aumentar impostos.

As opções na mesa incluem medidas que vão gerar negociações políticas - como aprovação de projetos de lei que tragam dinheiro para o caixa do governo - ou desgastes com setores da economia que perderiam benefícios.

“O arcabouço é uma sinalização positiva, que mostra o governo responsável, mas ao mesmo tempo deixa uma dúvida de onde virão essas receitas”, afirma Roberto Padovani, economista-chefe do Banco BV.

“Estimamos que o governo vai precisar de R$ 250 bilhões adicionais ao que já foi anunciado até 2026 para cumprir as metas, isso num cenário positivo, com a economia crescendo 2,5% ao ano, em média”, acrescenta o especialista.

Segundo ele, a equipe econômica tem sinalizado três fontes principais para obter arrecadação extra: achar furos no sistema tributário, travar disputas judiciais que gerem recursos a favor do governo e reexame de renúncias fiscais. “O problema é que essas três saídas não são antecipáveis, ou seja, não dá para saber o que vem nem quando vem”, afirma Padovani.

As dificuldades cresceram após a votação do texto final do arcabouço. Isso porque uma emenda incluída no Senado pelo líder do governo no Congresso, senador Randolfe Rodrigues (Sem partido-AP), que garantiria a entrada de R$ 32 bilhões nos cofres do governo, foi retirada do texto pelo relator do arcabouço na Câmara, deputado Claudio Cajado (PP-BA).

A emenda dava permissão para que o governo pudesse prever as chamadas despesas condicionadas no Orçamento de 2024. O limite para essas despesas seria a diferença entre a inflação acumulada nos 12 meses até junho e a efetivamente realizada até dezembro deste ano.

A medida deve ser incluída no Projeto de Lei de Diretrizes Orçamentárias (PLDO), o que vai exigir novo esforço político no Congresso.

Negociações difíceis

Outras três opções também vão exigir articulações políticas complexas para gerar receitas para o governo. Uma delas é a tributação de fundos exclusivos, também chamados de fundos dos “super ricos”, que deve ser editada por meio de medida provisória (MP) pelo governo.

Os recursos a serem obtidos com a MP (alíquota de 10% dos recursos aportados nos fundos) serviriam como compensação para a perda de receitas com o aumento da faixa de isenção da tabela do Imposto de Renda (IR) da Pessoa Física, anunciada pelo presidente em maio.

O governo poderá arrecadar no total R$ 10 bilhões, apesar da esperança da equipe econômica de que a arrecadação extra possa chegar a R$ 26 bilhões. Apenas 2,5 mil brasileiros aplicam nesses fundos, que acumulam patrimônio de R$ 756,8 bilhões e respondem por 12,3% da indústria de fundos no país.

Inicialmente, a ideia era que a compensação do IR fosse feita por meio da taxação de investimentos no exterior, os chamados fundos offshore. Diante da rejeição na Câmara, a mudança da tributação dos fundos offshore será transferido para um projeto de lei -- que, de novo, vai obrigar o governo a negociar votos para aprovar.

Essa segunda fonte alternativa de recursos tem potencial de gerar arrecadação de R$ 3,25 bilhões em 2023.

“Está claro que não há clima no Congresso, pelo menos por enquanto, para aprovar a tributação de investimentos de brasileiros no exterior”, adverte Gino Olivares, economista-chefe da Azimut Brasil Wealth Management.

Cerco a “empresas muito rentáveis”

A terceira opção é polêmica: a remoção ou revisão dos Juros sobre o Capital Próprio (JCP), espécie de pagamento de dividendos que gera um benefício fiscal para a empresa. A ideia seria acabar com o JCP sem reduzir a alíquota do imposto de renda corporativo.

O governo quer propor o fim do JCP por meio de um projeto de lei como forma de agilizar a votação do Orçamento do ano que vem e aumentar a arrecadação do Tesouro a partir de 2024.

A justificativa, segundo o ministro da Economia, Fernando Haddad, é que “empresas muito rentáveis” abusariam do JCP para pagar menos impostos.

O BTG Pactual estimou que o fim do JCP pode aumentar a receita do governo entre R$ 15 bilhões e R$ 20 bilhões em 2024.

Analistas do BTG afirmam que os lucros consolidados de empresas cairiam 8%, mas as que pagam muito JCP - como bancos e empresas de telecomunicações -, teriam uma queda ainda maior, de 17% dos lucros consolidados.

Além dessas fontes, a equipe econômica está fazendo uma operação pente-fino dentro do governo para obter mais recursos sem aumentar impostos.

A ministra Simone Tebet, do Planejamento, espera reduzir entre R$ 10 bilhões e R$ 20 bilhões os gastos na Previdência eliminando benefícios fraudulentos.

Em outra frente, a revisão de beneficiários irregulares do Bolsa Família pode evitar um desperdício de R$ 20 bilhões por ano, com a redução de 5 milhões para 2,5 milhões do número de famílias monoparentais que recebem R$ 600 ou mais.

“A leitura é que os recursos que forem alcançados aqui e ali não vão ser suficientes para  preencher esse gap de R$ 250 bilhões que o governo precisa para atingir o equilíbrio fiscal até 2026”, afirma Padovani, do Banco BV. “Trata-se de um desafio fiscal gigante para os próximos anos.”