O governo federal criou, no início de janeiro deste ano, as debêntures de infraestrutura e atualizou as normas das debêntures incentivadas para simplificar a emissão de títulos, melhorar o mercado secundário e facilitar a captação dos projetos. O mercado financeiro, a princípio, se animou.

O problema é que a grande expectativa por esses papéis se transformou em frustração. Segundo a Associação Brasileira das Entidades dos Mercados Financeiro e de Capitais (Anbima), de janeiro a abril as debêntures de infraestrutura captaram um recorde de R$ 32,5 bilhões.

Elas são as últimas com as regras antigas. A partir daí, o portal da Comissão de Valores Mobiliários mostra que não houve ainda nenhum registro de debênture incentivada baseada na nova legislação. E ainda não houve registro de nenhuma debênture de infraestrutura.

Se há um cenário de restrição de lastros para outros títulos isentos de impostos, e os emissores enxergaram uma oportunidade única de ir ao mercado, o que explica a “seca” nos registros?

Simplesmente o que deveria destravar as novas ofertas se transformou na principal barreira. Anteriormente, era preciso uma análise de cada ministério para cada emissão. Um projeto de energia, por exemplo, necessitava de uma portaria específica do Ministério de Minas e Energia. Era uma aprovação individualizada, que exigia conhecimento dos técnicos de cada pasta do mercado de dívida.

Teoricamente, a nova lei, que teve seu decreto complementar em março, acaba com essa “individualização” e permite a criação de uma portaria mais abrangente para as emissões de basearem. O decreto afirmou que cada Ministério fará uma portaria para estabelecer subsetores prioritários e critérios e condições complementares, mas nada saiu ainda. E é justamente essa a incerteza sobre os procedimentos para as novas emissões que estão travando novas ofertas.

“O decreto veio aquém do que foi esperado pelo mercado. Praticamente só diz que os ministérios irão regular a posteriori”, diz Marcelo Ikeziri, da banca BVA - Barreto Veiga Advogados, coordenador da prática de bancos, serviços financeiros, DCM e ativos digitais. “Mas ninguém diz se há prazos, quais são os ministérios responsáveis. Está nebuloso. E isso se agrava pela expectativa de alguns emissores de aproveitarem as janelas do mercado.”

O NeoFeed consultou quatro escritórios de advocacia e com eles estão, ao menos, 12 projetos parados. Eles estimam que esse número seja de dezenas, pois são 15 os setores contemplados no decreto (energia, transporte e logística, mobilidade, telecomunicações, saneamento, saúde e educação são os prioritários). De acordo com a CVM, foram 27 debêntures incentivadas registradas desde abril que ainda seguem a legislação antiga, já que foi permitido 90 dias para as emissões saírem.

O NeoFeed procurou os ministérios dos Transportes, de Minas e Energia e o da Integração e do Desenvolvimento Regional (MIDR) para saber se há previsão de sair as portarias. Segundo o Ministério dos Transportes, "todos os normativos que forem editados sobre o tema terão a divulgação de praxe no momento oportuno". Já o MDIR afirma que "considerando as nuances de cada setor, o Decreto também determina que cada ministério emita uma portaria com exigências adicionais específicas. Atualmente, os ministérios estão em processo de elaboração dessas portarias".

Para o Ministério de Minas e Energia, "conforme determina o Decreto nº 11.964/2024, o setor de energia é considerado prioritário. Deste modo, fica dispensada a exigência de aprovação ministerial quanto ao projeto de infraestrutura, tirando a necessidade de emissão de certificação por parte do MME. Importante destacar que, ao emissor e ao titular do projeto, cabe assegurar o enquadramento, a destinação dos recursos e a implementação do projeto de acordo com o disposto no mencionado Decreto".

O mercado, no entanto, não enxerga essa clareza e por isso alguns projetos estão no limbo. Os escritórios de advocacia têm tentado contato com os ministérios. Alguns relataram ao NeoFeed que ligam três vezes ao dia para buscar uma resposta. Outro relata que deslocou um profissional para Brasília para ter maiores esclarecimentos, mas ficou na antessala sem resposta. Não importa o tipo de consulta, ninguém consegue um retorno.

“Não se consegue um pronunciamento oficial, com um guidance e calendário. O que se diz genericamente é que os ritos seguem em análise”, afirma Mariana Guenka, sócia de Souto Correa na área de mercado de capitais. “Ou seja, precisamos esperar.”

Guenka reforça que está claro que não haverá uma análise prévia do projeto para ver se ele está enquadrado ou não como havia antes, e isso é bom porque traz celeridade. Mas entende que ao mesmo tempo isso pode trazer questionamentos futuros se o projeto era ou não prioritário. E o risco são as penalidades aos emissores.

“Hoje a multa é de 20% em cima do valor que não foi destinado ao seu propósito. Mas caso o projeto seja invalidado na origem, ainda se discute se teria a multa ou se apenas perderia o benefício. Nesse caso, a companhia teria de arcar com o custo do imposto”, diz a especialista Souto Correa.

Todos os advogados que conversaram com o NeoFeed disseram que “estão pisando em ovos” porque o governo tem aumentado o cerco para aumentar a arrecadação e a emissão dos títulos incentivados não está de fora.

Pipeline congelado

Desde que o Conselho Monetário Nacional restringiu, neste ano, os lastros para LCI/LCA e para CRI/CRA, além da taxação dos fundos exclusivos, a demanda pelas debêntures incentivadas estourou, assim como os spreads caíram.

As debêntures incentivadas dão um benefício fiscal para os investidores (em sua maioria pessoa física) enquanto que nas debêntures de infraestrutura a isenção é para a empresa emissora. Esses novos títulos visam a grandes investidores, como fundos de pensão e institucionais.

O banco BNP Paribas, um dos maiores players de emissões de dívida ligados à infraestrutura, está otimista com um mercado pujante neste ano, com aumento de 20% a 30% das emissões em relação ao ano passado, quando levantou-se R$ 68 bilhões em debêntures incentivadas. Os motivos são desde um ano anterior fraco por abalos do mercado com o caso Americanas e Light até a maior procura por esses títulos isentos após come-cotas em fundos exclusivos.

“Estamos muito otimistas com o mercado. A norma vem para descomplicar e acertou ao trazer questões de sustentabilidade para a contemplação do benefício. Mas esse imbróglio com os ministérios precisa ser resolvido para saírem novas emissões”, afirma Enrico Castro, responsável pelas área de emissão de dívida do BNP Paribas Brasil.

O BNP segue otimista com uma resolução em breve, mas admite que alguns projetos estão presos em um funil. Algumas empresas estão com demandas mais urgentes de captação e, neste caso, estão sendo estudadas alternativas.

“Temos clientes querendo fazer refinanciamento de dívida que estão vencendo neste mês e estão em dúvidas se enquadram ou não. Estamos pensando em planos B e até mesmo C caso as portarias não saiam neste semestre”, diz Castro.

Período de teste

Diante da nova possibilidade de emitir debêntures de infraestrutura, o BNP Paribas está analisando com os seus clientes qual seria a melhor opção. E, no momento, está estudando a demanda frente aos fundos de pensão, principal novo alvo do título.

Os fundos de pensão se mostram interessados, apesar de ainda precisarem enquadrar suas políticas de investimento para esse novo título. Mas indicam que sua atratividade depende do prêmio frente às NTN-Bs.

Há papéis que poderiam vir tanto por debêntures incentivadas como por infraestrutura. E, neste caso, está sendo avaliada a possibilidade jurídica de se emitir uma debênture com uma série incentivada e outra de infraestrutura.

“Se conseguíssemos fazer as duas ao mesmo tempo, poderíamos testar a demanda do novo título dando um parâmetro da incentivada, já consolidada. Isso seria interessante porque os emissores têm mais pressa que os fundos de pensão, que são morosos, por natureza. Mas gestores de crédito também poderiam se beneficiar desse título”, diz Fabio Jacob, diretor da área de estruturação de crédito do BNP Paribas Brasil.

Mas, na visão dele, não há dúvida de que quando essas dúvidas ficarem esclarecidas, o mercado de debêntures incentivadas, e mesmo o de infraestrutura, decolarão, com mais opções para os emissores e para os investidores.

“Existe uma demanda enorme no Brasil por infraestrutura. E temos um mercado em busca de títulos atraentes. Estamos em período de ajustes. É preciso ver qual será a oferta, a demanda e o preço nesse novo mercado que passou por diversas mudanças. Mas, esclarecendo esses pontos, o pipeline de debêntures incentivadas vai crescer uns 30%”, afirma Jacob.