Agosto é um mês fora da curva para a bolsa brasileira. O Ibovespa recuperou perdas e com suporte de capital externo no pregão. O índice valoriza 9,39% no mês, até o dia 23 de agosto, e 7,66% no ano.
Mais de R$ 17 bilhões de estrangeiros aportaram na B3 em agosto até o dia 19 de agosto. No ano, R$ 70 bilhões engordam o pregão. Marca semelhante foi alcançada ao final do primeiro trimestre e perdida em abril e maio – período em que R$ 13,8 bilhões deixaram a bolsa.
O momento é positivo depois de junho e julho apáticos. Entretanto, o apetite dos estrangeiros não é resultado de aposta nos fundamentos da economia brasileira, mas basicamente reflexo do cenário global sobretudo quando os preços das commodities ganharam fôlego.
“No início do ano, o ingresso muito forte de capital estrangeiro ocorreu por força de investidores preocupados com a inflação no mundo e interessados em se proteger com ações ligadas a commodities”, afirma Jennie Li, estrategista de renda variável da XP.
Em agosto, a volta firme dos estrangeiros, acrescenta Li, é impulsionada por indicadores melhores de inflação nos EUA e no Brasil, somados à expectativa de que o Federal Reserve (Fed) será menos agressivo no ajuste da taxa de juro.
Para a estrategista da XP, a sustentação da atual oferta de capital depende fundamentalmente da conjuntura global, do ritmo de desaceleração das maiores economias e do arrefecimento da inflação.
“Nesse contexto, a eleição presidencial no Brasil é um evento secundário”, afirma Li, para quem vale ter no radar que o país terá mudança de governo e o risco político pode aumentar a volatilidade dos ativos nos próximos dois a três meses.
Ela avalia que há incerteza porque falta um catalisador, que é o próprio resultado da eleição. “Mas teremos uma eleição binária que o mercado vem precificando e os dois principais candidatos são conhecidos”, lembra.
A estrategista também levanta uma questão técnica relevante quanto às perspectivas para as ações e não só no Brasil. “Nos EUA estamos em ‘bear’ ou em ‘bull market’? Para nós, aqui da XP, estamos em ‘bear market rally’ porque faltam indicadores econômicos mais favoráveis para consolidar um mercado em alta. A inflação ainda pesa”.
Especificamente sobre o Brasil, Li entende que o interesse dos investidores por ações que estavam abandonadas nos últimos meses – ações de crescimento como e-commerce e tecnologia que sofrem com juros altos – contribuiu para o comportamento positivo do mercado.
“A percepção de que o fim do processo de aperto monetário já ocorreu ou está próximo alimenta os negócios. A inflação cadente também, além da injeção de dinheiro na economia, via benefícios recém-aprovados, que favorecem o varejo. Ainda que o efeito seja de curto prazo, o ambiente melhora”, diz Li.
Para Marcos Mollica, gestor macro do Opportunity, a entrada de dólar na bolsa não tem a ver com fundamentos do Brasil. “Temos sim um mercado com liquidez e empresas grandes e sólidas ligadas às commodities e com apelo internacional.”
Mollica concorda com Li que maior oferta de capital de risco na bolsa em agosto se deve a um movimento global resultante da interpretação de que o Fed, após o último aumento de juro no final de julho, tornou-se mais “dovish” quanto ao aperto monetário futuro.
Para ele, o momento é de um “entroncamento” de expectativas. “De um lado, há quem acredite que o processo inflacionário no mundo, e sobretudo nos EUA, se resolve fácil e será favorável ao capital de risco. De outro, há quem acredite que reduzir a inflação será difícil, que o juro permanecerá alto por um bom tempo para desacelerar fortemente a atividade. A questão é até onde o Fed precisa levar a alta de juro para trazer a inflação americana à meta de 2%.”
O gestor do Opportunity não é otimista. “Creio que o mercado está flertando com a solução mais fácil, mas talvez o processo de desinflação exija mais sofrimento. E, nesse caso, o capital de risco pode se assustar.”
Também pesa, no momento, o cenário na China cujo crescimento afeta diretamente o comportamento das commodities, diz Mollica.
“No Brasil, a incerteza é grande com a eleição, não temos ideia de qual será o arcabouço fiscal ou quem serão os novos atores na política econômica, mas o cenário externo é preponderante para os rumos do mercado acionário. Não há divórcio do ambiente internacional.”