O cenário externo é o desafio que se impõe ao investidor que se depara com economias em forte desaceleração, com o combate à inflação pelos maiores bancos centrais, com o aumento sincronizado de juro no mundo e com uma mudança estrutural do modelo econômico na China.

A esse desafio soma-se a polarizada campanha eleitoral no Brasil, em que os “dois lados” estão numa batalha populista para puxar voto.

O alerta é de Marcos Mollica, gestor macro do Opportunity, tradicional casa de investimentos local e global que administra cerca de R$ 82 bilhões, segundo a Anbima.

“A coisa fica séria quando tivermos concretamente quem compõe a equipe econômica e quais são os planos do próximo governo”, afirma Mollica, em entrevista ao NeoFeed. “O mercado vai reagir até porque não há cheque em branco.”

Com PhD pela Universidade de Chicago e passagens pela BlackRock em Nova York, Linear Investimentos, Rosenberg Investimentos e BTG Pactual, onde atuou na gestão global e tesouraria, Mollica avalia que um dos desafios na gestão de recursos atualmente é saber como o Brasil vai se inserir no contexto global em grande transformação.

“É um desafio encarar as taxas de juros mais altas no mundo e que estão mudando estruturalmente de patamar”, pontua o gestor, que alerta também para a desaceleração importante da economia chinesa, que busca novas alavancas de crescimento para substituir o setor imobiliário – uma mudança que terá impacto nos preços das commodities.

Há dois meses, o fundo macro do Opportunity praticamente zerou sua posição em ações de commodities na bolsa brasileira, ante a perspectiva de desaceleração da economia global, mas já voltou cautelosamente ao mercado “com posições bem pequenas”, relata Mollica.

Ante a perspectiva de encerramento do ciclo de aperto monetário no Brasil, o fundo macro do Opportunity mantém aplicações em juro nominal e na parte curta da curva que Mollica vê como “defensivas e suficientes para atravessar um período de maior volatilidade”.

Mollica vê a política fiscal como o grande desafio que o novo governo e o mercado têm a encarar em 2023, até porque “estamos transferindo uma parte do efeito da alta de preço das commodities para o fiscal” e, no ano que vem, a inflação em queda não vai ajudar a melhorar as contas.

Marcos Mollica, gestor macro do Opportunity

Acompanhe os principais trechos da entrevista ao NeoFeed:

A economia brasileira deve desacelerar fortemente de 2022 para 2023. O investidor deve ficar preocupado?
Para este ano, trabalhamos com expansão de cerca de 2,9%. Em 2023, teremos desaceleração acentuada principalmente por conta da política monetária. O juro em patamar bastante restritivo ainda não está completamente sentido na economia. Mas 2023 é um ano pós-eleição. Portanto, é difícil fazer um prognóstico sem saber quais são as diretrizes econômicas do novo governo. Supondo que o arcabouço fiscal não vai mudar e que será feito um arranjo para manter a credibilidade fiscal, devemos ver uma desaceleração da atividade, mas talvez menos do que a sinalizada pelo mercado [0,47% segundo a Focus]. Mas a dificuldade para o investidor virá é do cenário externo.

E qual é o cenário que se desenha no horizonte?
Estamos vendo um aperto de juro sincronizado no mundo desenvolvido e em mercados emergentes. E também observamos uma desaceleração pronunciada de atividade na China. Do ponto de vista de gestão, o desafio que se impõe é como encarar as taxas de juros mais altas no mundo e que estão mudando estruturalmente de patamar. Estamos saindo de um mundo de juro zero e de alta liquidez para um mundo de taxas positivas que não devem recuar tão cedo e com menor liquidez. E vamos ver a economia global desacelerando bastante em meio a uma crise energética que será muito sentida na Europa. A questão é saber como o Brasil vai se inserir neste contexto global. Se o problema fosse apenas o juro doméstico elevado seria simples e fácil de entender.

Qual é o cenário do Opportunity para a taxa de juro nos EUA?
Entre 3,75% e 4,25%. Mas resta saber a persistência deste patamar. Acho que o mercado está muito otimista, embora menos depois das falas de dirigentes do Federal Reserve (Fed), sinalizando mais aperto. Acredito que o juro deve permanecer neste nível provavelmente o ano que vem inteiro para que a inflação volte à meta de 2%.

Haverá recessão nos EUA e na Europa?
Eu brinco que a Europa daqui a pouco entra num buraco negro e não se sabe o que tem do outro lado. Tem um problema energético exacerbando a inflação, colocando maior pressão nos juros. Na Europa, é inevitável uma recessão. Nos EUA, podemos até discutir se haverá recessão técnica, conceitualmente caracterizada por dois trimestres consecutivos de resultado negativos. Mas, se olharmos indicadores mais amplos, como nível de emprego, atividade no setor imobiliário, vendas no varejo, penso que teremos forte desaceleração. Se vai ser mesmo uma recessão, veremos.

"Eu brinco que a Europa daqui a pouco entra num buraco negro e não se sabe o que tem do outro lado"

E a China que continua com aquela meta de crescimento de 5,5%?
A China tem uma questão conjuntural e outra estrutural a administrar. A conjuntural é a política de Covid zero que está provocando fechamentos periódicos em cidades importantes, o que está trazendo o crescimento para baixo. Mas vejo o governo chinês muito resoluto e com muita dificuldade de recuar nesta política. E isso, por si só, já é um choque negativo para o crescimento de curto prazo. A questão estrutural é que a principal alavanca de crescimento do país sempre foi o setor imobiliário. Quando a economia desacelerava, o governo chinês afrouxava o crédito nas províncias, os bancos repassavam recursos e o setor crescia se reafirmando como o principal motor de crescimento.  Mas o setor é superendividado e o governo está empenhado na desalavancagem.

É uma mudança importante?
É uma mudança importante no modelo de crescimento chinês que precisará criar outras alavancas de expansão. Talvez o consumo das famílias. Mas esse processo é longo e vai envolver possivelmente taxas de crescimento estruturalmente menores. Se a alavanca do setor imobiliário for novamente acionada, o risco é de uma crise financeira que levaria a China a um problema muito maior do que alcançar taxa menor crescimento.

Alavancas alternativas de expansão na China não estão claras?
Não estão e, sejam quais forem, elas devem contratar crescimento menor. A economia chinesa já saiu da infância, atingiu um estoque de capital grande e é muito mais difícil crescer por acúmulo de capital. O país terá de crescer impulsionado por outros fatores, a exemplo do que acontece com os países desenvolvidos, onde o PIB avança por aumento de produtividade e da oferta de mão de obra qualificada. Já vimos esse processo em outros países e sabemos que o desenvolvimento econômico entra em uma fase bem mais difícil. A China está entrando na maturidade, terá taxas de crescimento menores e isso vai afetar a demanda por commodities.

Em julho, o Opportunity zerou a posição no Brasil em ações de commodities ante a perspectiva de desaceleração global. Como está a posição agora?
Quanto a essa zeragem de posição, eu me refiro ao fundo macro que faz posicionamento estratégico local e global quanto ao ambiente macroeconômico. Naquele momento, a decisão foi acertada. Inclusive, a bolsa caiu bastante em seguida. Depois voltamos a colocar o pé no mercado, mas de forma cautelosa pelo ciclo de aperto monetário lá fora e pelo cenário de inflação no Brasil que se junta à incerteza eleitoral. Não estamos zerados em bolsa Brasil, mas estamos com posições bem pequenas.

Estamos no fim do ciclo de aperto monetário ou a Selic vai a 14%?
Na minha avaliação, o ciclo acabou com Selic a 13,75%. Mas se a Selic for a 14% não muda praticamente nada. A inflação requer cuidados e creio que vai demorar um pouco para o Copom cortar a taxa de juro. E, obviamente, muito depende do arcabouço fiscal que teremos na virada do governo. Supondo que nenhuma besteira será feita, a inflação deve exigir juro alto ainda no primeiro semestre inteiro de 2023. Mas aqui entra um pouco da dinâmica do mercado. Quando o BC para de subir o juro, a assimetria muda para o outro lado. O mercado entende que depois que o BC parou é mais difícil voltar a subir o juro e, portanto, ele vai cair.

"Na minha avaliação, o ciclo acabou com Selic a 13,75%. Mas se a Selic for a 14% não muda praticamente nada"

E a inflação está caindo...
Também podem acontecer surpresas positivas de inflação com uma desaceleração global mais forte. Hoje, nossa projeção de IPCA para este ano é de 5,80% e ela já foi de 10%. Teve canetada no meio do caminho? Teve, mas já estamos convivendo com inflação mais palatável especialmente se comparar com a inflação global. A partir do momento em que o BC para de aumentar o juro, o mercado começa a calcular quando o juro cairá. O mercado tem sua própria dinâmica.

E como isso se reflete na gestão das carteiras?
Desde antes da última reunião do Copom, quando o juro foi a 13,75%, nós já avaliávamos que o BC iria parar de elevar a taxa. E, desde então, estamos com posições mais aplicadas em juro nominal e na parte curta da curva (em prazos mais curtos). Acreditamos que o ciclo de alta acabou, também pela dinâmica do mercado, mas a posição é pequena porque o cenário depende de condições fiscais sobre as quais não tenho segurança nenhuma. Seria irresponsável da minha parte fazer grandes apostas. Mas aplicações mais curtas são defensivas, dá para atravessar este período de maior volatilidade e ficamos de olho nas mensagens que virão do lado político.

É correto tratar a inflação menor de 2022 como algo camuflado? Afinal, ela é menor por uma investida importante do governo.
Na prática, estamos tomando decisões como gestores de política econômica de transferir uma parte da alta das commodities para um efeito fiscal. Estamos absorvendo no fiscal pressões que vinham de commodities para a inflação, especialmente da gasolina e derivados de petróleo, via redução de tributos. Mas no ambiente global, onde o Opportunity opera, estamos vendo isso acontecer em todos os países. Na Zona do Euro, Reino Unido e em várias economias emergentes, porque o choque de energia foi brutal. Os governos acabaram absorvendo parte deste choque. A questão é que isso deve ser feito com responsabilidade fiscal para garantir a estabilidade da dívida pública. Absorver choque tem um argumento que é o bem-estar social, mas não podemos expandir o gasto. É preciso encontrar algo que pague esta conta.

"Absorver choque tem um argumento que é o bem-estar social, mas não podemos expandir o gasto. É preciso encontrar algo que pague esta conta"

Mas até agora não sabemos de onde virá o dinheiro...
De todas as medidas anunciadas, o governo conseguiu garantir parcela grande desses gastos. Mas parte dessa cobertura ocorreu pela alta da inflação. Ocorreu um aumento do PIB nominal e isso ajuda como denominador da relação dívida/PIB. O governo tem um mérito: sentou-se em cima de uma série de reajustes do setor público. Mas isso é sustentável? O governo vai continuar sentado sobre reajustes de servidores? Além disso, a inflação também vai cair e o governo já não terá essa ajuda. Portanto, é necessário discutir um arcabouço fiscal. Não vejo inflação escondida, mas foi criado um problema que passou da inflação para a área fiscal.

Estamos na boca da eleição. O Opportunity trabalha com cenários alternativos para um governo Bolsonaro ou um governo Lula?
Não trabalhamos com cenários alternativos até porque não sabemos o que é um e o que é outro. Somos agnósticos quanto ao governo. Na gestão de recursos, não podemos ter time de futebol preferido, religião ou partido político. Temos que ganhar dinheiro em todos os cenários. Estamos atentos às mensagens, mas, infelizmente, a campanha política é polarizada e os dois lados estão numa batalha populista para puxar voto. O mercado está tendo a frieza de atravessar este momento de maneira isenta e entendendo que parte da retórica que estamos ouvindo dos dois lados tem a ver com a dinâmica de campanha. A coisa fica série entre o primeiro e o segundo turno ou, se bobear, até depois do segundo turno, quando tivermos concretamente quem compõe a equipe econômica e quais são os planos de governo.

Há esperança com o teto de gastos na gestão da política fiscal?
Sou um defensor do teto de gastos até porque ele é simples. Ele colocou uma amarra muito simples nas despesas do setor público. É só pegar a inflação e calcular quanto será possível gastar no ano seguinte. É transparente, fácil de calcular e, observe, que sempre que se mexe nele há um desconforto porque há custo para o governo gerar medidas fora do teto. Portanto, o teto é uma referência. Se o teto não existisse, nosso fiscal estaria muito pior.

Temos que reconhecer que o mercado vem reagindo bem às vésperas da eleição...
Até porque os dois principais candidatos são conhecidos, um ex-presidente e o atual presidente da República. Mas na fase inicial do próximo governo, o mercado vai reagir até porque não há cheque em branco.