No último – e histórico – leilão de rodovia federal do ano, a Motiva (antiga CCR) arrematou na quinta-feira, 11 de dezembro, a concessão da Rodovia Fernão Dias (BR-381), entre São Paulo e Belo Horizonte (MG), oferecendo deságio de 17,05% na tarifa de pedágio.
A empresa superou a atual concessionária Arteris (que ofereceu 0% de deságio) e a EPR, composta pelo grupo de infraestrutura Equipav e o fundo de investimentos Perfin, com uma proposta de deságio de 11,5%. O novo contrato prevê investimentos de R$ 14,8 bilhões até 2040.
A disputa, na sede da B3, foi marcada pelo novo modelo de leilão de concessões rodoviárias desenhado pelo Ministério dos Transportes em parceria com a câmara de consenso do Tribunal de Contas da União (TCU).
O novo formato se diferencia dos certames tradicionais por permitir que contratos já existentes e em vias de repactuação sejam reestruturados, mas com concorrência entre empresas – obrigando o atual concessionário a oferecer maior desconto nas tarifas de pedágio e mais investimentos para seguir na concessão.
O contrato atual da Arteris, firmado em 2008 e válido até 2033, será substituído pelo novo acordo, que se estende até 2040. Com a vitória, a Motiva assume o compromisso de pagar uma indenização à Arteris de um montante mínimo de R$ 295 milhões previsto em edital - o valor poderá sofrer ajustes a depender dos saldos de dívida e caixa da concessionária no momento do desembolso.
Já haviam sido realizados outros três processos competitivos de concessões repactuadas sob o novo modelo — o da MSVia, da Motiva; o da Eco101, da Ecorodovias; e o da Autopista Fluminense, da Arteris. Esses três leilões, porém, não atraíram empresas interessadas, assegurando a manutenção da concessão com o atual operador.
Dessa vez, o peso do ativo em disputa acirrou a concorrência. Segunda rodovia brasileira em volume de tráfego, a Fernão Dias atende cerca de 250 mil veículos por dia e aproximadamente 16,6 milhões de habitantes em 33 municípios ao longo de 569 km.
"É um ativo grande, complexo e totalmente aderente à estratégia da Motiva”, afirma Eduardo Camargo, CEO da Motiva Rodovias. Ele também agradeceu à Arteris pela gestão anterior: “Vamos cuidar muito bem da rodovia que vocês cuidaram até hoje.”
A disputa pela Fernão Dias marca a retomada da Motiva nos leilões de concessões rodoviárias, após passar em branco no primeiro semestre. Camargo afirma que Minas Gerais é um estado onde a empresa esteva presente até 2024, por meio da concessão dos aeroportos de Confins e Pampulha. "Mas, como todos sabem, estamos em processo de venda da divisão aérea e chegando agora a Minas por meio da BR-381.”
Segundo o executivo, os certames do começo do ano não estavam com o perfil do investimento que a Motiva tinha na carteira de ativos - a estratégia da empresa é buscar ativos maiores, como o da BR-381, que gerem alto volume de faturamento.
Até setembro, entre os certames federais, a Motiva participou apenas do leilão simplificado da BR-163, no Mato Grosso do Sul, o primeiro deste tipo realizado pelo governo federal - rodovia que já operava e não enfrentou concorrência.
A nova Fernão Dias entregará um conjunto expressivo de melhorias, como 108 km de faixas adicionais, 14 km de vias marginais, 29 novas passarelas, 62 melhorias de acesso, correções de traçado, novos túneis, passagens de fauna, dispositivos especiais e soluções ambientais e operacionais modernas.
Todas as dez praças de pedágio existentes serão mantidas, com a adoção do Desconto ao Usuário Frequente (DUF) e a possibilidade de pagamento automático por tags — uma medida que beneficia a todos que utilizam o corredor diariamente.
Assim como tem ocorrido em outras relicitações, as tarifas de pedágio – atualmente em R$ 3,00 (carros de passeio) – vão sofrer aumento. O índice ainda não foi divulgado. O reajuste anual desta concessão ocorre sempre em 19 de dezembro.
Nova concorrência
O novo modelo de disputa foi mais comentado na B3 do que o leilão em si. Viviane Esse, secretária nacional de Transporte Rodoviário, afirma que a iniciativa da pasta busca melhorar e reorganizar os contratos e oferecer ao mercado um modelo já repactuado previamente com a atual concessionária da rodovia.
O governo federal chegou a avaliar a prorrogação do contrato da Arteris, mas decidiu abrir uma nova concorrência pública.
“Constatamos que 14 rodovias — praticamente mais da metade das concedidas — estavam com baixa performance, com obras paralisadas ou sem investimentos para continuar”, diz Esse. No caso da Fernão Dias, haverá correções de traçado, pelo fato de a rodovia cruzar uma região sinuosa, causando um número elevado de tombamentos de carretas.
“Para se ter uma ideia, no ano passado a rodovia ficou 52 dias interditada, somando todas as paralisações causadas por acidentes, por isso renegociamos esses contratos, modernizando-os e incluindo novas obras”, acrescenta.
Paulo Dantas, sócio do escritório Castro Barros Advogados e especialista em concessões, afirma que a adoção do modelo simplificado pelo Ministério dos Transportes mostrou-se adequada para destravar os investimentos necessários. Ele ressaltou a participação do TCU na estruturação do novo leilão.
“O resultado reforça o papel do TCU na construção de segurança jurídica e demonstra que, em condições adequadas, o procedimento simplificador pode gerar concorrência, tarifas mais competitivas e melhores perspectivas de investimento para os usuários das rodovias”, reforça Dantas.
Para Daniela Poli Vlavianos, do escritório Arman Advocacia, a grande inovação do novo modelo está em tratar um contrato em execução não como um vínculo imutável, mas como um ativo sujeito a reestruturação por meio de concorrência pública.
“O mecanismo rompe com a lógica tradicional de renegociações bilaterais — muitas vezes assimétricas e pouco transparentes — e aproxima o setor de infraestrutura de práticas internacionais de ‘rebidding’, permitindo que outros operadores disputem as condições de reequilíbrio”, diz. “Essa abertura à competição reduz risco regulatório, gera sinalização econômica mais eficiente e, como se viu no caso concreto, pressiona a modicidade tarifária.”
A concessão da BR-381 integra o ciclo de 13 leilões de rodovias promovidos pelo Ministério dos Transportes, uma carteira de ativos que supera 10 mil km de rodovias concedidas. A expectativa da pasta é de que o número se repita em 2026.