O mercado financeiro global está sentindo o gosto amargo das correções à luz dos dados mais fracos que o esperado na economia americana.
E um culpado surgiu no horizonte: o Federal Reserve (Fed), o banco central dos EUA, que teria demorado demais para começar a cortar os juros.
Agora, com a economia americana dando sinais de que pode desacelerar rapidamente, o temor é de que uma recessão bata à porta do mundo.
Na visão de Luciano Telo, executivo-chefe de investimentos (CIO) para o Brasil no UBS Global Wealth Management, com mais de US$ 3 trilhões sob gestão, o Fed agiu de acordo com os dados que tinha. E, segundo ele, reduzir a atividade econômica era necessário para reduzir a inflação.
"Vamos avaliar o tamanho da realização do mercado acionário americano. Se a queda for expressiva, mas o cenário de recessão não se confirmar por lá, podemos avaliar como oportunidade de adicionar mais risco na bolsa global", afirma Telo, em entrevista ao NeoFeed.
Na análise, que você lê a seguir, Telo diz é preciso ficar atento ao impacto desse novo momento no Brasil, onde o câmbio parece ser o maior termômetro.
O que justifica o mau humor do mercado?
Dois dados mais fracos de atividade: criação de novas vagas de emprego abaixo do esperado e ISM industrial (indicação de atividade na indústria mais fraco que o esperado). O mercado entrou na narrativa de que o Fed está atrasado e que a atividade está desacelerando rapidamente, voltando a projetar risco de recessão. Ainda não é possível afirmar isso. A atividade econômica está em desaceleração, mas partindo de um patamar forte ainda. Também contribuiu para essa realização os múltiplos altos da bolsa americana que subiram quase sem volatilidade desde o início do ano e a mudança de política monetária no Japão. O Japão era usado como fonte de financiamento para operações de mais risco e agora começou a subir juros, trazendo redução das posições por desalavancagem.
"A atividade econômica está em desaceleração, mas partindo de um patamar forte ainda"
Você concorda com a análise de que o Fed demorou a reagir nos juros?
O Fed reagiu conforme os dados. Era necessário reduzir a atividade para diminuir pressão de preços e reduzir sobretudo a pressão excessiva sobre salários. O Fed tinha que fazer isso com o menor sacrifício possível de crescimento econômico dentro dos seus mandatos de controlar a inflação, promover crescimento e manter a estabilidade financeira. Até agora, a desaceleração foi suave e a inflação está em declínio, embora ainda não tenha atingido a meta. Com isso, era necessário reduzir a atividade para fazer uma convergência da inflação para a meta. Se descobrirmos mais a frente que a desaceleração econômica cumulativa foi grande demais ele sempre pode cortar juros.
Quais é a projeção para o corte de juros nos EUA? E qual seria a taxa de juros terminal?
A projeção é de corte de 1% nos juros básicos americanos até o fim do ano. Mudamos essa projeção na semana passada. Antes, o corte era mais modesto, de apenas 0,5% no ano. E acreditamos que a taxa terminal no fim de 2025 será de 3,5%.
Há quem diga que a alta recente das bolsas americanas não estava refletindo a realidade da economia. Essa pode ser uma correção?
Os resultados das empresas foram sempre crescentes, principalmente entre as grandes de tecnologia, trimestre após trimestre. A tese de investimento de, em um primeiro momento, mais investimento de capital no desenvolvimento de inteligência artificial (IA) e, mais a frente, de aumento de produtividade com IA, fizeram com que algumas ações crescessem os resultados e as projeções de resultados de forma muito robusta.
Há novos fatores sendo considerados?
Nesses últimos dias, a volatilidade aumentou e as bolsas sofreram quedas. O problema é que ninguém lembra mais que ações oscilam de preço, dado o movimento recente quase somente de altas nos mercados, principalmente nos EUA. Mas, correções na casa de 10% são comuns no mercado americano em qualquer ano-calendário. O importante é entender se estamos entrando em uma recessão. E, se estamos mesmo, a correção pode ser maior. Caso não ocorra recessão, mas o Fed ainda corte juros, que é o nosso cenário base ainda, acaba sendo ponto de entrada para investir na bolsa a preços melhores quando o mercado se estabilizar.
Estão revisando a alocação nas carteiras diante do fato?
Reduzimos recentemente a posição em prefixados por avaliarmos que a continuidade da desvalorização cambial poderia forçar o mercado a projetar mais juros no Brasil. Vamos avaliar o tamanho da realização do mercado acionário americano. Se a queda for expressiva, mas o cenário de recessão não se confirmar por lá, podemos avaliar como oportunidade de adicionar mais risco na bolsa global. Mas o movimento ainda está no começo, é bom aguardar até o mercado encontrar novo ponto de equilíbrio, mas aguardamos alocados, sem reduzir posição.
Qual é o impacto desse cenário para mercados emergentes como o Brasil?
O impacto vai ser sentido por juros menores nos Estados Unidos, que podem trazer algum alívio para os juros futuros no Brasil, embora hoje o principal direcionador para percepção de risco para o mercado de juros doméstico seja a situação fiscal. Com os temores de recessão, potencialmente o dólar pode ficar mais fraco frente suas alternativas de outros países desenvolvidos. Sem uma recessão clara nos EUA, a aversão a risco não deve ser profunda e os mercados podem ficar mais amigáveis após uma realização de preços mais limitada. No caso de confirmação de recessão nos EUA, haverá um movimento de aversão a risco, que deve ser prejudicial para todos os ativos brasileiros.
Qual seria o principal ativo impactado?
O impacto maior do Brasil se daria na moeda. Caso o real pare de se depreciar, em função de juros menores no mundo, o efeito seria benéfico. O próprio Banco Central do Brasil que endureceu o discurso, trazendo a discussão de eventualmente ter que subir juros por aqui caso a moeda brasileira siga perdendo valor, deve aguardar o que acontece com os juros nos Estados Unidos antes de eventualmente ter que tomar uma decisão de alta de juros no país. Assim, ele pode esperar setembro, verificar o que o Fed fara de corte de juros e observar o efeito no câmbio. Se o real parar sua desvalorização nesses patamares, o BCB pode aguardar mais para endurecer o discurso de alta de juros.
No caso de uma aversão a risco maior na bolsa americana, o câmbio do Brasil poderia desvalorizar-se mais, como estamos em um momento de expectativas de inflação maiores a frente isso poderia ser um gatilho para a necessidade de mais juros por aqui ainda nesse ano. Então, sim tem impacto e a moeda vai dizer o grau de contaminação.