O Carnaval impõe um descompasso entre o mercado doméstico e o internacional nos próximos dias, mas não deve contratar prejuízo aos investidores que podem brincar em paz. Com meta de inflação temporariamente fora de pauta, trégua no debate sobre juros e governo com discurso afinado a folia está liberada.

As operações na bolsa brasileira – B3 – estarão suspensas na segunda e na terça-feira, 20 e 21 de fevereiro. Os negócios serão retomados na Quarta-feira de Cinzas, 22 de fevereiro, a partir das 12h30, e no embalo de uma agenda local de peso fortalecida por avanços alcançados nesta semana de menor divergência no discurso do governo.

Saíram do campo das intenções, a confirmação de reajuste adicional do salário mínimo; a correção da tabela do IRPF; o programa de renegociação de dívidas “Desenrola”; o relançamento do Minha Casa Minha Vida; e o entendimento de que contribuintes que perderem para o governo julgamentos no CARF (Conselho de Administração de Recursos Fiscais) estarão livres do pagamento de multas.

O Carnaval dá uma pausa na agenda institucional, mas ela será retomada logo em seguida e não vai se esgotar em uma semana dada a relevância das decisões para a imagem do governo e a formação de expectativas.

Estão no pipeline o relançamento oficial do Bolsa Família com o início do pagamento de R$ 150 adicionais para famílias com crianças de até seis anos e a indicação, pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva, de candidatos para preencher diretorias no Banco Central (BC).

Ainda na seara do BC, deverá partir da Comissão de Assuntos Econômicos (CAE) do Senado o convite para que o presidente Roberto Campos Neto explique aos parlamentares a política de juros. Embora esse seja o clamor de deputados e senadores sobretudo do PT, a Lei de Autonomia do BC já prevê prestação semestral de contas ao parlamento pelo chefe da instituição.

Na agenda em desenvolvimento, o Ministério da Fazenda deve concluir negociações com os governadores para compensação de perdas dos Estados com a redução do ICMS no ano passado. E a perspectiva é de que um acordo seja firmado para conciliação de valores, uma vez que o governo gostaria de fechar a conta em R$ 22 bilhões e os governadores querem o dobro.

É esperada também uma definição sobre o reajuste salarial de servidores, como pretende o Ministério da Gestão e da Inovação em Serviços Públicos. O Orçamento de 2023 dispõe de R$ 11,2 bilhões para esse fim e a ministra Esther Dweck defende que sejam contemplados, até abril, os funcionários que estão há mais tempo com salários congelados.

A peça mais aguardada pelo mercado financeiro está engatilhada, mas fica para as próximas semanas, quando Fazenda e Planejamento devem amarrar a proposta do novo arcabouço fiscal que substituirá o teto de gastos.

Na quarta-feira, 15 de fevereiro, o ministro da Fazenda, Fernando Haddad, informou, durante o evento CEO Conference BTG Pactual, que a minuta da nova âncora fiscal será apresentada em março e não mais em abril como ele mesmo havia previsto.

Investidores reagiram imediatamente à perspectiva de antecipação da nova âncora e deram suporte à valorização do Ibovespa e à queda dos juros. O dólar segue firme sob influência externa. A moeda avança contra as demais, ante a expectativa renovada de mais elevações de juro pelo Federal Reserve (Fed) porque a inflação ao produtor em janeiro superou em muito o esperado.

Investidores reagiram imediatamente à perspectiva de antecipação da nova âncora e deram suporte à valorização do Ibovespa e à queda dos juros

Por aqui, a apresentação do novo marco fiscal em março abre um relevante espaço temporal para o debate qualificado sobre a política fiscal e possível mudança na meta de inflação que norteia a política monetária. Formalmente, o governo tem até agosto para enviar sua proposta fiscal ao Congresso.

Os primeiros 50 dias do governo Lula devem ser coroados, portanto, por uma agenda robusta e, possivelmente, menor ruído em torno dos juros que sacudiu os ativos nas últimas semanas e consumiu energia e tempo do governo.

O país tinha tudo para embarcar no Carnaval com sinais de concertação na retórica oficial, mas o presidente Luiz Inácio Lula da Silva retomou as críticas a Campos Neto em entrevista à CNN Brasil, na quinta-feira, 16 de fevereiro.

Passo importante no sentido da pacificação das relações entre governo e BC foi dado por Campos Neto que se arriscou em uma superexposição pública, mas conteve danos ao levantar a bandeira branca para o presidente Lula – o maior crítico da política de juros.

Em dois eventos seguidos – entrevista ao programa “Roda Viva” da TV Cultura na segunda-feira, 13 de fevereiro, e participação no CEO Conference BTG Pactual na terça, 14 de fevereiro – o presidente do BC assumiu um tom conciliador ao reconhecer o esforço fiscal empreendido pelo governo.

Campos Neto mostrou-se disposto a explicar a política de juros quantas vezes for necessário ao Congresso e ao presidente da República

Campos Neto mostrou-se disposto a explicar a política de juros quantas vezes for necessário ao Congresso e ao presidente da República. Não exibiu resistência à mudança da meta de inflação, mas alertou que mudança, “neste momento”, poderia adicionar pressão sobre as expectativas inflacionárias.

Também conciliatório, Haddad participou do CEO Conference, na quarta-feira, 15 de fevereiro, e não criticou o BC. O ministro até pediu desculpas à plateia ao falar de juro, mas não deixou de dizer que com taxa real de 8% “é difícil navegar” e trazer investimentos para o país.

Para surpresa de analistas, o governo ganhou um aliado de peso para a elevação da meta de inflação que, se confirmada, poderá aliviar o juro.

O trio de alto prestígio formado por Rogério Xavier (SPX Capital), Luiz Stuhlberger (Verde Asset) e André Jakurski (JGP) – oradores de destaque no evento do BTG – defendeu a revisão da meta de inflação. Eles indicaram que as metas estabelecidas são, por óbvio, ambiciosas e condenam o BC a praticar uma taxa que terá consequências para além do custo fiscal. Afetará o crédito.

A semana foi recheada de declarações, mas a quarta-feira, 15 de fevereiro, foi o ponto alto da comunicação do governo por indicar distensão no front contra o BC e foco ampliado em investimentos e crescimento. Lula contrariou essa indicação no dia seguinte.

Em discurso proferido no Nordeste, na quarta-feira, o presidente deixou de lado críticas à instituição. E garantiu que “a roda gigante da economia vai girar com a retomada das obras paradas”.

No Itamaraty, também na quarta-feira, em reunião preparatória para a visita de Lula à China em março, o vice-presidente Geraldo Alckmin não se estendeu em críticas. Defendeu a queda do juro para atrair investimentos e promover a criação de empregos.

Campos Neto, dirigindo-se a parlamentares em sessão solene do Congresso Nacional pelos 130 anos do Tribunal de Contas da União (TCU), pregou a necessidade de o país ter disciplina fiscal, “mas com um olhar para o social”.

A paz, que poderia estar selada ao menos até a próxima reunião do Copom marcada para 21 e 22 de março, subiu no telhado com ataques renovados de Lula ao presidente do BC que, segundo Lula, precisa entender que o governo atende aos mais necessitados.

É possível, entretanto, que o empenho da Fazenda e do Planejamento, já acenado por Haddad, para formatar e apresentar a nova âncora fiscal poderá arrefecer a animosidade, patrocinar um consenso para novas metas de inflação e abrir caminho para a queda do juro. É torcer e aguardar.