No ritmo de palavra data, palavra cumprida o Banco Central (BC) deverá aumentar sua taxa básica em mais 1 ponto percentual na quarta-feira, 19 de março, para 14,25% ao ano. Ao elevar a Selic ao maior nível desde agosto de 2016, o Comitê de Política Monetária (Copom) vira uma página – para o colegiado e para o presidente Gabriel Galípolo.

No Copom de março termina a “blindagem” de Galípolo garantida pela sinalização dada em dezembro – com o BC ainda sob o comando de Roberto Campos Neto – de que o aperto monetário em curso desde setembro se estenderia ao primeiro trimestre de 2025, com alta “pré-fixada” da Selic, como parte do esforço para conduzir a inflação e as expectativas à meta de 3%.

Concluído o vigoroso “miniciclo” de três pontos percentuais na Selic entre dezembro e março – e que muito contribuiu para a credibilidade do BC – daqui para frente o domínio de campo estará com Galípolo.

Tomando como referência suas declarações e as dos diretores de Política Econômica Diogo Guillen e Política Monetária Nilton David, perseguir a meta de inflação é compromisso irreversível. Mas é inegável que a busca da meta, se intensificada e estendida, poderá arranhar a cordial relação estabelecida publicamente entre o presidente Lula e o chefe do BC por ele escolhido.

O mercado deposita suas fichas em Galípolo e está de olho porque, mesmo com a Selic a caminho de 15%, nem a inflação corrente ou as projeções para o IPCA aproximam-se da marca de 3%. Ao contrário, embora esperado, o salto da inflação em janeiro, 1,31%, elevou o indicador em 12 meses a 5,06%. Para este ano, a Focus aponta 5,68%; para 2026, 4,40%; para 2027, 4%; e, para 2028, 3,75%. É fato, porém, que a mais recente pesquisa trouxe boa notícia.

Os ajustes nas estimativas para inflação em prazos mais longos, dólar, Selic e até para a relação Dívida/PIB miram a estabilização, mas sem obra do acaso. A desaceleração embutida no PIB de 2024 deu uma mãozinha para esse resultado. O crescimento de 3,4% era aguardado, mas a desaceleração no quarto trimestre surpreendeu pela velocidade.

O avanço de 0,2%, metade do previsto pelo mercado e pelo governo, alertou para a queda firme no consumo das famílias e renovou a preocupação de analistas com ações do Executivo para estimular o consumo e o crescimento e evitar maior erosão na popularidade de Lula rumo às eleições de 2026.

Não para de crescer o inventário de medidas já anunciadas e em vigor, a serem encaminhadas ao Congresso ou em prospecção: maior oferta de crédito por bancos públicos, consignado privado, Pé-de-Meia, gratuidade total do Farmácia Popular, liberação extra do FGTS, Vale Gás convertido para um ampliado Gás para Todos, isenção de IR para quem ganha até R$ 5 mil por mês e até eventual redução nas contas de luz, caso o ministro de Minas e Energia, Alexandre Silveira, consiga mobilizar recursos públicos para esse fim.

A despeito de ajustes no Orçamento para comportar as decisões, esse conjunto de medidas poderá ser reforçado para evitar um tombo maior da economia. O desempenho do último trimestre, informou a o Ministério da Fazenda, gera uma herança estatística para 2025 de 0,5%. Portanto, se a economia tiver avanço zero até o fim do ano, o PIB crescerá 0,5% ante 2024. Porém, essa projeção arrepiante para o Lula 3 é improvável. A Focus prevê crescimento de 2,01%; o BC, 2,1%; e a Fazenda, 2,3%.

O alerta de Simone Tebet

Mas não há céu de brigadeiro adiante. Economistas apontam para um cenário desafiador do segundo para o terceiro trimestre. Período em que a escalada do juro já empreendida pelo BC baterá (para valer) na atividade. Também ofusca o horizonte o imprevisível impacto da política protecionista de Donald Trump.

Contudo, já há um efeito presente e perturbador no mercado internacional desde a vitória de Trump à Casa Branca em novembro: a intensa volatilidade dos ativos que sucumbem às suas decisões e ao contorcionismo tarifário – dobradinha que compromete o crescimento dos EUA e da economia global.

O temor de recessão na economia americana – combinada à pressão inflacionária derivada da guerra comercial – foi ruidosamente instalado, como indicou a queda livre das bolsas de valores especialmente na segunda-feira, 10 de março, responsável por perda trilionária de valor de mercado das empresas.

Nesse ambiente minado há mais de três meses, recuaram o preço do petróleo, a remuneração dos títulos do Tesouro americano e o dólar ante as principais moedas. Mas incertezas potencializam a contagem regressiva para a definição da taxa básica pelo Federal Reserve, o BC dos EUA, na quarta, 19, a exemplo do Copom. O juro deve permanecer entre 4,25% e 4,50%.

Quanto às decisões seguintes, a ver. A inflação resiste, mas embica para a meta de 2% e até poderá ceder mais rápido a depender do ritmo de enfraquecimento da atividade ainda forte, mas que não está imune à insegurança que já domina os círculos empresariais. Nesse sentido, projeções de indicadores a serem apresentadas pelo Fed poderão alterar o cenário.

O Copom não divulga projeções abrangentes como seu par americano. No entanto, com o fim do “miniciclo” de alta da Selic – útil por evitar que Galípolo chegasse em janeiro à presidência do BC se indispondo com o chefe – o Comitê poderá se posicionar mais claramente sobre os desafios impostos pela política fiscal do governo que vai na contramão do combate à inflação. Mas é preciso a coragem que não faltou à ministra do Planejamento, Simone Tebet.

A silente integrante da equipe econômica abriu caminho ao BC ao declarar à GloboNews na quarta-feira, 12 de março, que em 2027, “seja quem for o próximo presidente da República, não governa com esse arcabouço fiscal, com essas regras fiscais, sem gerar inflação, dívida pública e detonar a economia”. Diagnóstico que o mercado financeiro aplica ao Lula 3.

A ministra vê uma “janela de oportunidade” ao final de 2026 para o presidente – Lula reeleito ou outro candidato – “fazer o fiscal, cortar o supérfluo, fazer uma política num arcabouço mais rigoroso que não mate o paciente, obviamente”.
Em tempos de reforma ministerial, Tebet sobreviverá?