Já estamos vivendo a corrida robótica e estamos prestes a iniciar uma nova etapa com a entrada do 5G em operação, quando haverá mais de 20 bilhões de dispositivos conectados à internet. Também são previstas inúmeras mudanças graças às disrupções com a Inteligência Artificial e as redes neurais profundas, sem falar no potencial a ser explorado com Internet das Coisas (IoT), Cloud e Blockchain.

As vantagens com sistemas para automatizar tarefas ou otimizar processos cada vez mais são pensados e entendidos como meios de aumentar o valor de negócios, não só pelos ganhos financeiros, mas também pelo fator da inovação como diferencial competitivo no mercado. Mas além do proveito econômico, o que mais tem gerado longos debates acerca das novas produções digitais é como estabelecer normas que garantam ética e transparência, sem interromper o desenvolvimento ou dificultar a inserção das criações.

Qual a melhor fórmula para avançar em uma Economia Digital aberta, confiável e segura? Essa discussão vem mobilizando gestores, analistas, estudiosos e pesquisadores, que buscam soluções para estabelecer relações harmônicas e sustentáveis numa realidade ágil, mutável, interconectada e desafiadora da transformação cibernética. Como acompanhar as tendências regulatórias e como alinhar princípios para uma conduta responsável no ambiente digital?

Há uma preocupação muito grande com os riscos de ataques tecnológicos, o vazamento de informações sensíveis, vulnerabilidades digitais e como manter uma gestão eficaz de respostas a esses possíveis incidentes. Não é para menos, somente no ano passado sete em cada dez negócios online do Brasil registraram aumento de prejuízos devido ao avanço de fraudes digitais em suas operações.

No ano passado, sete em cada dez negócios online do Brasil registraram aumento de prejuízos devido ao avanço de fraudes digitais em suas operações

Investir na segurança cibernética passou a ser medida de blindagem do negócio, do patrimônio e da reputação da empresa. As corporações que souberem tirar proveito das exigências das leis de proteção e privacidade vão se diferenciar do ponto de vista reputacional junto aos usuários, aumentar o grau de transparência no mercado e contribuir com a cibersegurança, que deve ser prioridade na gestão de toda e qualquer instituição.

O desafio está justamente em equilibrar a evolução tecnológica, regulamentar novas regras e não prejudicar a inovação. É um movimento em curso para estabelecer padrões éticos mínimos e garantir a sustentabilidade dessas relações. Alguns países já perceberam o valoroso papel de protagonistas que podem ter nesse contexto e estão investindo para se manterem à frente de áreas que devem ser decisivas na Transformação Digital.

Inteligência Artificial

As aplicações da IA serão muitas, mas há algumas questões que precisam ser resolvidas em nível regulatório, se possível, com abrangência internacional:

1. Como equilibrar interesse público da transparência do algoritmo com o interesse privado da proteção da propriedade intelectual ("trade secret")?

2. Como evitar riscos de "sistematic failure" que pode resultar da tomada de decisão equivocada da IA e alcançar uma amplitude muito grande?

3. Como construir um modelo de correção para desvios de "ethical behavior" de algoritmos aprendizes?

As respostas para estas questões não são simples. Isso vem sendo trabalhado no âmbito contratual, sejam nível de MVP (Minimum Viable Product), POC (Proof of Concept) ou mais avançados. Por certo será necessário estabelecer uma regra acordada entre países e o Reino Unido quer liderar este debate.

O Brasil já tem proposta de Projeto de Lei andando em nível nacional, mas precisamos participar do diálogo internacional e sermos mais protagonistas na região América Latina.

Cloud

A agenda estratégica de cibersegurança do Departamento de Estado dos EUA coloca a segurança em cloud como uma das suas prioridades. Não por acaso, já que empresas de todos os tipos aceleram adoção da tecnologia como elemento central de sua estratégia de TI.

As entregas mais recentes que tenho participado envolvem a melhoria dos contratos relacionados aos serviços de cloud, na conformidade da Resolução 4658 do BACEN e na compreensão dos impactos do Cloud Act dos EUA.

São esperadas intensas mudanças por conta de plataformas de nuvem pública (e seus ecossistemas) e pela crescente capacidade de executar recursos em uma topologia de nuvem amplamente distribuída.

Mas tem havido preocupação entre as empresas com novas leis que tragam exigências sobre localização de dados (onde para fins de compliance os dados tenham que ficar limitados fisicamente a um território com limitações de circular em cloud).

Internet das Coisas (IoT)

A internet das coisas (IoT) é uma das tecnologias que prometem aumentar o crescimento das empresas, ao oferecer mobilidade e acessibilidade, facilitando a vida das pessoas ao mesmo tempo em que otimiza a produtividade. Somente no Brasil, é esperada uma geração de receita de US$ 200 bilhões por ano.

Somente no Brasil, a internet das coisas deve gerar uma de receita de US$ 200 bilhões por ano

Os fatores que precisam ser observados com relação à segurança cibernética destes aparelhos são informações apresentadas na sua configuração, interações, tráfego ou outros arquivos que podem ser úteis para entender melhor sua operação, o ambiente onde estão conectados ou até mesmo informações pessoais do usuário.

Por certo precisa haver uma camada de conformidade legal e proteção do consumidor, mas sempre estimulando a evolução e adoção da inovação, e garantindo segurança jurídica aos fornecedores.

Ética e desenvolvimento digital

Até 2022, a economia digital deve representar mais de 50% do PIB da América Latina, com crescimento impulsionado por ofertas, operações e relacionamentos aprimorados. De 2019 a 2022, quase US$ 380 bilhões serão revertidos em gastos com TI.

O Brasil precisa participar desse processo e ter uma agenda política muito mais proativa na elaboração de regulamentações voltadas à tecnologia. Não podemos ficar a reboque e depois acabar sendo quem segue o líder.

Os “tech policy makers”, especialistas na elaboração de políticas públicas voltadas a assuntos relacionados à tecnologia, são vistos em números cada vez maiores e desempenham um papel prioritário nos governos nos Estados Unidos e da Europa. A preocupação dos países está em definir e desenvolver conjunto de valores e princípios para reger a conduta responsável do Estado frente ao avanço tecnológico.

O país que ditar regras sobre ética em tecnologia, segurança digital e proteção de dados, pode ser também o que vai definir o rumo que a própria indústria vai tomar nos próximos 20 anos. No Brasil, não chegamos a ter esta expertise, uma vocação bem desenvolvida com grupos de trabalho voltados a isso. Há uma falta de priorização desta pauta.

Até 2022, a economia digital deve representar mais de 50% do PIB da América Latina

Pelo seu porte econômico, o Brasil pode protagonizar políticas públicas em tecnologia e tomar proveito de sua posição política na região da América Latina. O propósito é estimular a inovação, a partir de regras claras e controles mínimos de segurança, para facilitar a atração de investimentos e contribuir com o crescimento econômico do país.

Será necessário fazer um trabalho de criação de cultura junto a clientes, mas principalmente junto às autoridades, para que entendam como atua a nova tecnologia de modo a evitar barreiras de interpretação jurídica equivocada que podem gerar atrasos desnecessários.

Um dos pontos cruciais para o desenvolvimento sustentável de tudo isso é equacionar a inovação tecnológica com a necessidade de novas regulamentações que possam determinar padrões mínimos de conduta e de requisitos técnicos, principalmente visando a definição clara dos limites de responsabilidade.

A transformação digital deve ser abraçada principalmente pelos agentes reguladores para que o Brasil seja protagonista e fomente desenvolvimento econômico tão necessário para darmos o próximo salto para a Sociedade 5.0.

*Patricia Peck Pinheiro é sócia e sócia e Head de Direito Digital do escritório PG Advogados. Advogada especialista em Direito Digital, doutora pela Universidade de São Paulo, com PhD em Propriedade Intelectual e Direito Internacional, pesquisadora convidada pelo Instituto Max Planck e pela Universidade de Columbia, professora convidada pela Universidade de Coimbra e pela Universidade Central do Chile. Árbitra do Conselho Arbitral do Estado de São Paulo – CAESP, Vice-Presidente Jurídica da ASEGI, Conselheira de Ética da ABED, Presidente do Instituto iStart de Ética Digital. Autora de 22 livros de Direito Digital.