Editado trimestralmente desde 1999, quando o Brasil adotou o regime de metas de inflação, o Relatório de Inflação (RI), agora rebatizado como Relatório de Política Monetária (RPM), tornou-se referência na prestação de contas do BC ao apresentar as diretrizes das políticas adotadas pelo Copom, a evolução da economia e projeções para a inflação em mais de um cenário, além de estimativas para o PIB – orientação que deve ser mantida no novo documento.

Com divulgação dois dias após a Ata do Copom, que cumpriu o previsto para março e subiu a Selic a 14,25%, o RPM aterrissa com um aprimoramento do regime de metas: a vigência, a partir de 1º de janeiro, da “meta contínua de inflação”. Crucial para ampliar a previsibilidade do cenário econômico, a “meta contínua” mantém, por três anos, o alvo perseguido pelo BC. Hoje, de 3% com intervalo de tolerância de 1,5 ponto para mais e para menos.

O novo critério altera, porém, o prazo e a aferição de resultados, o que torna o regime mais flexível e que poderá, no tempo, aliviar a política de juros que o Copom executa. Ainda que atenuada por alta menor da Selic em maio, no atual ciclo de aperto monetário o juro real continuará rondando exorbitantes 9%.

Até dezembro passado, a aferição do cumprimento da meta considerava a variação do IPCA de janeiro a dezembro. E o descumprimento exigia o envio de uma carta aberta do presidente do BC ao ministro da Fazenda, detalhando as razões da frustração do objetivo. E as providências a serem tomadas para reorientar a trajetória da inflação.

A “meta contínua” implica em semelhante prestação de contas, que não passa de uma formalidade e está longe de punição. Entretanto, o resultado da busca da meta é contabilizado mês a mês, tendo como referência a inflação acumulada em 12 meses. E o descumprimento estará caracterizado somente se o IPCA estourar a meta por seis meses seguidos. Portanto, dando mais tempo para que o BC ajuste sua política para controlar a inflação.

Demonstração do compromisso da autoridade monetária com o regime vigente, na Ata do Copom de janeiro, o colegiado informou que, em junho – seis meses após a adoção da “meta contínua” – o IPCA estará acima do teto, 4,50%. Alerta que, talvez, seja reprisado na Ata que sairá na terça-feira, 25 de março.

Essa transparência de informação é inédita e, até por essa razão, a estreia do RPM é oportuna para que o BC renove seu compromisso com a meta de 3%, bem inferior à inflação corrente e às expectativas, e esclareça ao máximo as condições do cenário econômico, local e global, que respaldam suas decisões.

Apesar das incertezas, vento sopra a favor

Nesse sentido, a expectativa é de que a opção pela transparência demonstrada diversas vezes por Gabriel Galípolo, em quase dois anos no BC, prevaleça durante a apresentação do RPM em entrevista por ele liderada pela primeira vez ao lado Diogo Guillen, diretor de Política Econômica, na quinta-feira, 27.

Com os presidentes da Câmara Hugo Motta e do Senado Davi Alcolumbre na comitiva da viagem oficial do presidente Lula ao Japão e Vietnã, entre 24 e 29 de março, o evento no BC poderá ter maior repercussão do que a observada em dezembro, quando o detalhamento da última edição do Relatório de Inflação – capitaneado por Roberto Campos Neto – foi ofuscado por votações no Congresso Nacional às vésperas do recesso parlamentar de fim de ano.

Concorreram com o RI, naquele momento, a aprovação do pacote de contenção de gastos; a Lei de Diretrizes Orçamentárias de 2025, peça que fixa regras para a elaboração e execução do Orçamento anual; a regulamentação da Reforma Tributária; e a renegociação da dívida dos Estados com a União.

Em sua primeira edição, o RPM deverá confirmar desancoragem adicional das expectativas de inflação ainda que em velocidade menor. No cenário de referência apresentado no último RI, que constatou um superaquecimento da economia, as projeções estavam em 4,5% para 2025; 3,6% para 2026; e 3,2% para 2027. Na Focus mais recente as estimativas cravaram 5,66% para 2025; 4,48% para 2026; 4% para 2027 e 3,78% para 2028. A meta de 3% é miragem que juro a quase 15% não tornou realidade.

Neste final de primeiro trimestre, porém, a pressão inflacionária está inserida em um contexto, ainda a ser confirmado, que poderá ser objeto de análise no RPM: a atividade abranda, ainda que com sinais “incipientes” como destacou o Copom, e sinaliza desaceleração do PIB como prevê o mercado, a despeito da puxada do crescimento a ser patrocinada pelo agronegócio. O RPM poderá trazer nova projeção para o PIB ou reprisar 2,1% do RI de dezembro.

Nesse cenário mutante do primeiro trimestre, o dólar passou por importante correção. Em março caiu 4% e, no ano, mais de 8% com a volta de capital externo às aplicações no Brasil, graças ao diferencial entre juro local e externo e, adicionalmente, pela decepção de investidores com as políticas de Trump.

Apesar das muitas incertezas, derivadas da expectativa de que o governo continuará adotando medidas populistas para bombar o consumo, não dá para ignorar que, neste momento, o vento sopra a favor. Críticas massivas à política fiscal cederam e o envio da proposta de isenção de IR para quem ganha até R$ 5 mil com a compensação da renúncia fiscal transfere preocupações para 2026, quando a iniciativa, se chancelada pelo Congresso, terá efeito prático.

Crescem também as apostas na safra agrícola recorde que tende a ampliar a oferta de produtos e poderá mitigar a alta dos preços dos alimentos, além de fomentar as exportações que – a depender da disposição das empresas exportadoras em internalizar os recursos – poderão trazer mais dólares ao País e amansar, ainda mais, a taxa de câmbio. E, com sorte, a inflação. A ver.