Na última Copa do Mundo, observamos um espetáculo à parte: da indústria de apostas esportivas. Também conhecidos como “bets”, esses sites e aplicativos atraíram muitos usuários interessados em faturar com palpites dos jogos e, em poucos anos, se tornou um negócio multibilionário.
Por aqui, vemos um grande movimento de marketing com o chamado mercado bet, que envolve patrocínio das empresas de apostas em times de futebol e outros esportes, e o uso de personalidades e influenciadores como garotos propaganda das “bets”.
Segundo estimativas, apostas esportivas eletrônicas movimentam R$ 100 bilhões por ano no Brasil. Para expandir sua atuação, as “bets” compram anúncios nas plataformas digitais e redes sociais e patrocinam clubes de futebol. Em uma partida de futebol, podemos visualizar propagandas de vários sites de apostas ao mesmo tempo: no uniforme dos clubes que estão jogando, nos banners em volta da delimitação do campo, nas chamadas comerciais do canal de transmissão.
Mas essa é uma atividade legal no País? Em 2018, houve a criação da Lei nº 13.756, onde uma nova modalidade de loteria foi criada, alterando a classificação das apostas de quota fixa. Ou seja, as apostas esportivas passaram a ser enquadradas como loteria e consideradas um serviço público. No entanto, apesar de prever a sua exploração, ficou pendente a regulamentação, que acabou por não ocorrer, dando margem a algumas situações de irregularidades que hoje acometem o mercado nacional.
Estas mudanças na legislação brasileira diferenciaram os jogos de azar das apostas online, mas ainda há brechas que necessitam de regras específicas. A legislação brasileira considera jogos de azar aqueles em que o ganho ou a perda dependem da sorte, como na da Lei de Contravenções Penais, que previu no artigo 50 que fazer apostas é uma contravenção penal, punível com prisão simples de 15 dias a 3 meses, ou multa.
De acordo com a lei brasileira, jogo de azar se enquadra em: a) o jogo em que o ganho e a perda dependem exclusiva ou principalmente da sorte; b) as apostas sobre corrida de cavalos fora de hipódromo ou de local onde sejam autorizadas; c) as apostas sobre qualquer outra competição esportiva.
Em termos de Direito Concorrencial, o poder econômico demonstrado por empresas internacionais de apostas pode desequilibrar a garantia e a competitividade justa e saudável necessárias ao bom funcionamento do mercado para o estabelecimento e manutenção de políticas de concorrência leal.
Com o atrativo financeiro desse mercado, surgiu também a oportunidade de atividades ilícitas e de fraude. Enquanto não houver a regulamentação adequada da prática que estabeleça mecanismos de controle de integridade e efetiva fiscalização, vamos assistir o crescimento dos escândalos envolvendo a manipulação de resultados, vazamentos de informações internas, exploração de atletas e outros desvios.
Em meio às últimas descobertas pelas autoridades investigativas de indícios de que haveria direcionamento de resultados, o noticiário trouxe correlações entre apostas incomuns e possíveis anomalias nas ações de atletas, dirigentes ou árbitros, em uma rede de manipulação com promessa de altos ganhos.
Hoje os sites de apostas que existem têm sede no exterior, geralmente em paraísos fiscais, ficando alheios à legislação brasileira, dificultando a tributação, fiscalização e até garantia de direitos dos usuários. Nesse ponto, os sites não respeitam também a Lei Geral de Proteção de Dados Pessoais (Lei nº 13.709/2018) e permanecem sem seguir as disposições da legislação quanto à sua adequação.
Hoje os sites de apostas que existem têm sede no exterior, ficando alheios à legislação brasileira, dificultando a tributação, fiscalização e até garantia de direitos dos usuários
Ao consultar a política de privacidade de algumas “bets”, vemos que fazem menção às leis internacionais, e não dispõem da versão do documento em português e condizente com a LGPD. Além disso, observa-se que muitos dos sites não possuem qualquer informação ou referência de contato do Encarregado de Dados (DPO), não há disposição sobre o tratamento de dados pessoais de crianças, adolescentes ou idosos, considerados de alto risco pelas Resoluções 02/2022 e 04/2023 da Autoridade Nacional de Proteção de Dados (ANPD).
Outro ponto no tocante ao desrespeito às leis brasileiras é sobre o superendividamento. A Lei nº 14.181/2021 trouxe disposições sobre a prevenção do superendividamento da pessoa natural, sobre o crédito responsável e sobre a educação financeira do consumidor, que pode ser entendido como a “impossibilidade manifesta de o consumidor, pessoa natural, de boa-fé, pagar a totalidade de suas dívidas de consumo, exigíveis e vincendas, sem comprometer seu mínimo existencial”.
Assim, com as facilidades e a propagação das apostas online, que incluem uso de cupons de desconto, links de indicação para receber desconto, investimentos via PIX, dentre outros métodos de pagamento, os apostadores podem se endividar com a promessa de altos ganhos que esse mercado (bilionário) oferece por aposta. Sem contar os distúrbios causados pelo vício em apostas em jogos de azar, que se estende ao vício em apostas online.
Fato é que após o escândalo da manipulação de jogos visando obter ganhos em apostas online, é necessária a regulamentação apropriada do mercado e a promoção da integridade do esporte no Brasil. A perda de credibilidade atinge as empresas de apostas, o esporte, a arbitragem, a imagem pessoal de profissionais e dos patrocinadores. É preciso inovar e estimular novos mercados emergentes, mas com responsabilidade, ética e sustentabilidade.
* Patricia Peck é CEO e sócia-fundadora do Peck Advogados, Conselheira Titular do Conselho Nacional de Proteção de Dados (CNPD) e Professora de Direito Digital da ESPM
Este artigo foi escrito em conjunto com Camila Nascimento, advogada de Direito Digital do Peck Advogados.