O mercado financeiro fez da defesa do teto de gastos sua bandeira, mas já se conforma com a adoção de um arranjo substituto que a campanha eleitoral apontou ser inevitável vença Luiz Inácio Lula da Silva ou Jair Bolsonaro no 2º turno de votação no domingo, 30 de outubro.

A preocupação com a política fiscal é justa, mas programas e promessas de campanha não cabem no Orçamento. E o saldo da eleição é um inventário de indefinições que exigirá do vencedor arregaçar as mangas a toque de caixa.

Favorito nas pesquisas de intenção de voto, Lula, se eleito, em menos de duas semanas poderá dar início ao governo de transição. Em 2018, 11 dias após o 2º turno – em 8 de novembro – a Portaria nº2 disciplinou a organização e o funcionamento do Gabinete de Transição do presidente Bolsonaro.

Neste cenário, a formação do Gabinete de Transição será importante referencial sobre a política econômica que resultará da troca de governo, a partir de 1º de janeiro. Se Bolsonaro vencer a eleição, é governo que segue. Mas, nem por isso, os desafios impostos serão menos relevantes.

Medidas de caráter provisório, caso da desoneração dos combustíveis que expira em 31 de dezembro, têm sua continuidade prevista no Orçamento de 2023.

Considerada eleitoreira, a medida produziu a desinflação reconhecida pelo Copom que, na quarta-feira, 26 de outubro, manteve a Selic em 13,75% por unanimidade. E renovou seu compromisso de vigilância com a inflação.

A ampliação do Auxílio Brasil para R$ 600, combinada à perspectiva de concessão de cifras adicionais para mulheres e crianças, tem seu futuro garantido no discurso de Lula e Bolsonaro.

Entretanto, essas despesas não estão contempladas no Orçamento que deverá ser alterado como já indicou o candidato petista – se eleito. E sofrer ajustes se Bolsonaro for vitorioso.

Programas de governo e promessas de campanha também agendam decisões que podem ter impactos financeiros bilionários nas contas públicas.

Entre elas estão o reajuste do salário mínimo, das aposentadorias e da remuneração de servidores públicos; a correção da tabela do Imposto de Renda da Pessoa Física; a reforma tributária; e uma possível revisão das reformas trabalhista e previdenciária.

Não à toa, a política fiscal brasileira é ponto sensível na avaliação de investidores, sobretudo globais, mas cujo olhar vai além.

A política fiscal brasileira é ponto sensível na avaliação de investidores, sobretudo globais

As perspectivas para o processo de privatização no país – com foco em Petrobras e Banco do Brasil – muito interessam. E particularmente neste momento em que os investidores estão atentos a eventos políticos e econômicos na China e nos EUA.

A China preocupa pelo risco de substituição do pragmatismo por ideologia política na condução da economia, possibilidade levantada ante a recondução do presidente Xi Jinping ao terceiro mandato.

Os EUA preocupam pela escalada do juro em meio à inflação resistente e também pela proximidade das eleições legislativas.

Em 8 de novembro, as eleições de meio de mandato do presidente americano poderão quebrar a hegemonia do Partido Democrata, de Joe Biden, nas duas casas do Congresso.

O fortalecimento do Partido Republicano poderá impor dificuldades na gestão da economia, onde a inflação – vista por um bom tempo como temporária pelo Federal Reserve (Fed) – foi longe demais e abate a popularidade de Biden.

Na quarta-feira, 2 de novembro, de feriado de Finados no Brasil, o Fed deverá elevar sua taxa básica em mais 0,75 ponto percentual, mas poderá apontar para dezembro uma desaceleração no ritmo do ajuste para dezembro.

Boa notícia, a leitura preliminar do PIB dos EUA, divulgada na quinta-feira, 27 de outubro, indicou crescimento anualizado de 2,6% no terceiro trimestre, após dois trimestres de retração.

No Brasil, a semana mais curta pelo feriado, pode conter repercussões do resultado das urnas. É prematuro, porém, descartar maior volatilidade nos mercados, ante as incertezas que rondam a política fiscal.

Caixa apertado dispara alertas e um deles mira a taxação de lucros e dividendos defendida por Lula e Bolsonaro, que vê, na medida, a fonte de financiamento do Auxílio Brasil em 2023.

Em conversa com a coluna, o economista Samuel Pessôa, pesquisador do Instituto Brasileiro de Economia da Fundação Getulio Vargas (FGV Ibre) e sócio da Julius Baer Family Office, vai ao ponto.

Ele afirma que a discussão travada sobre o teto de gastos não tem importância. “A discussão que se impõe é sobre o aumento da carga tributária”, avalia.

Pessôa estima que a taxação de dividendos e grandes fortunas pode render algo em torno de 2% do PIB e lembra que os gastos pretendidos por alguns setores, como a bancada da Educação no Congresso, demandam 10% do PIB.

“Não há receita para ampliar gastos pretendidos com Educação, Saúde, Segurança e Assistência Social”, observa o economista para quem “a esquerda deverá enfrentar uma briga política”.

Pessôa pondera que a esquerda deverá, inclusive, romper seus próprios limites, dada “a sua incapacidade de lidar com aumento de eficiência do setor público por ser contra a privatização e ter a tendência de proteger os servidores”.

Fora da conta, mas não das intenções, vale lembrar que os dois candidatos que se enfrentam no domingo também desejam remontar o gabinete.

Lula quer relançar os ministérios da Segurança Pública, da Previdência e do Desenvolvimento Agrário e criar as pastas de Pequenas e Médias Empresas e dos Povos Originários. Bolsonaro quer recriar a Segurança Pública, da Indústria e Comércio e da Pesca. Haja orçamento.