A arquiteta paulistana Patricia Anastassiadis é taxativa: “Mudou a definição de hotelaria de luxo”. E ela fala com a autoridade de quem tem, entre seus clientes, bandeiras como Fairmont, Four Seasons, Hilton, Hyatt, Kempinski, Marriott, Oetker Collection e Ritz-Carlton.
“A estética ostensiva que as grandes redes costumavam adotar em suas unidades pelo mundo dá espaço a projetos que aproveitam a oportunidade para se conectar à essência e ao significado dos lugares”, diz ela, emendando uma provocação: “Qual é o sentido de estar, por exemplo, em Barcelona, e se hospedar num hotel inspirado na cultura asiática?"
Com essa filosofia, Patricia se dedica atualmente à remodelação dos interiores do Patmos Aktis, no Dodecaneso, região das ilhas gregas no extremo leste do Mar Egeu.
Com inauguração prevista para o verão europeu deste ano, o resort foi incorporado à Luxury Collection, da Marriott, em novembro de 2023.
“Ainda que seja uma construção relativamente pequena e já existente, o impacto da chegada de um Marriott em uma localidade tão remota é gigante”, analisa a arquiteta. Só não é maior do que o risco de pasteurização.
Por esse motivo, grande parte do desenvolvimento de suas propostas consiste em mapear as referências locais. Das cores, materiais, tecidos, texturas, produções de artesãos e artistas aos sons e cheiros do lugar. E essa profusão de referências é incluída nos ambientes, sempre em diálogo com uma pegada contemporânea.
“Existe um poder transformador nesse princípio. Tanto que, quando fiz o retrofit do antigo Sofitel, no Rio de Janeiro, atual Fairmont Copacabana, o trabalho com design e arte reposicionou o produto”, conta. Reaberto em 2019, o hotel é, hoje, um dos mais rentáveis da Accor.
"Sense of place"
Não é de hoje que Patricia adota esse método. No início dos anos 2000, quando estreou na hotelaria, com os interiores do Club Med Trancoso, ela se preocupou com o impacto do empreendimento de 250 quartos na pequena vila baiana.
“Sem que isso constasse do briefing, atuei para engajar a comunidade na produção de objetos e acessórios”, lembra. Essa abordagem cria o que Patricia chama de "sense of place" nos hotéis. “Agora, num momento em que a hotelaria valoriza a experiência, essa ideia ressoa ainda mais”, completa.
Que o diga a Oetker Collection, que já contratou Patricia três vezes como designer de interiores: para o Palácio Tangará, em São Paulo, o Jumby Bay Island, em Antígua, e o Hotel du Cap-Eden-Roc, em Cap d’Antibes, todos inaugurados entre 2017 e 2022.
Para o trabalho na Côte-d’Azur, a arquiteta teve de participar de um concurso fechado, junto com outros quatro escritórios internacionais. “O Eden-Roc tem 150 anos.
"Em tempos de Airbnb, não é brincadeira seguir fazendo hotelaria de excelência, isso tem um valor, pode se tornar um marco daquele destino de viagem", afirma. "Nosso princípio de respeitar a história e a memória foi o que nos fez ganhar a concorrência.”
O metro quadrado mais caro do Brasil
Outro grande projeto de interiores em andamento é o Kempinski Residences Laje de Pedra, em Canela, no Rio Grande do Sul.
Com conclusão estimada para meados de 2026, o retrofit do hotel modernista, capitaneado pelo escritório global de arquitetura Perkins & Will, terá 351 apartamentos, um spa de 1,2 mil metros quadrados e dez bares e restaurantes, além de centro de convenções.
Boa parte dessas áreas estão sob os cuidados de Patricia, que mergulhou no imaginário gaúcho para definir o design em elementos como fogo, metal, lã, couro e pedras basálticas.
“Mesmo os hotéis mais sofisticados da região tentam parecer europeus. Nós queríamos enaltecer a riqueza da cultura e da tradição da Serra Gaúcha de uma forma elegante”, explica José Ernesto Marino Neto, sócio-diretor da Stonecliff, empresa gestora do empreendimento, e um dos acionistas do Kempinski Laje de Pedra. “Por isso convidei a Patricia.”
Com investimento total calculado em R$ 1,7 bilhão e valor geral de venda esperado de R$ 2,3 bilhões, a incorporação, cujo modelo prevê a venda de todas as unidades, responde pelo metro quadrado mais caro do Brasil. Em dezembro, bateu o recorde de R$ 92 mil.
“Em 2024 prevemos ultrapassar os R$ 100 mil por metro quadrado”, revela Marino Neto. “A rede vai operar os apartamentos que os proprietários disponibilizarem para hospedagem, e eles poderão usufruir de toda a estrutura e serviços do hotel”, explica.
Baudelaire como inspiração
Mais um exemplo de residence vem de Miami, onde estão em obras as duas torres ovais do St. Regis, em Sunny Isles Beach, também operado pelo grupo Marriott. São 336 unidades à venda, a partir de US$ 3,5 milhões, e finalização planejada para 2026.
No desenho dos interiores, Patricia saiu-se com uma leitura dos aspectos comportamentais high-profile do balneário americano, a partir de um texto do escritor francês Charles Baudelaire, sobre o fascínio exercido pelo mar na descoberta de novos mundos.
Daí a linguagem náutica adotada no mobiliário, sempre com elementos arredondados, que remetem à fluidez da água. “Esse trabalho é fundamental para as vendas nesse mercado”, afirma Patricia, “Ninguém quer comprar apenas uma casca.”