Aos 26 anos, a mineira Isabela Milagre é dona hoje de uma badalada galeria de design. A Bossa Furniture, com base em Nova Jersey e São Paulo, é uma empresa de curadoria de móveis, que pesquisa, restaura, cria e exporta peças icônicas do país. Nas próximas semanas, ela se prepara para o lançamento da Nova, uma coleção própria de móveis contemporâneos, assinados pelos designers Daniel Jorge, Lucas Recchia e Rodrigo Almeida.
A pesquisa sobre os novos nomes da arquitetura corre em paralelo ao trabalho de “garimpo”. A cada mês, Isabela calcula que compra até 25 peças, em leilões, de colecionadores ou em galerias de móveis vintage, sobretudo em São Paulo, mas também em Minas Gerais e no Paraná.
No seu portfólio estão móveis originais de grandes nomes do design modernista nacional, como Jorge Zalszupin e Lina Bo Bardi, e também de lojas de peso das décadas de 1950 e 1960, como a Branco & Preto e a Celina Decorações.
Para se ter uma ideia de valores, ela comprou um par de poltronas da Celina, de 1960, por R$ 13 mil em 2021. Após a restauração, vendeu-as para a Maison Saint Laurent por US$ 12 mil, cerca de R$ 60 mil, e as peças foram para uma loja da marca em Los Angeles.
Seus clientes são, na maior parte, escritórios de arquitetura nova-iorquinos ou californianos, à frente de projetos nos EUA, na Europa e na Ásia. Isabela tem um galpão em Nova Jersey e, entre os profissionais com os quais trabalha no exterior, está o arquiteto Peter Marino, autor de diversos projetos para o grupo LVMH, como lojas da Louis Vuitton e Tiffany&Co.
A arquiteta e empresária acostumou-se com a exigência do mercado internacional. A Bossa Furniture, por exemplo, não trabalha com tecidos chineses e prefere franceses, como Pierre Frey, ou ingleses, como Larsen, entre outros.
O rigor de pesquisa é uma marca de seu trabalho e pode ser visto no site - apenas em inglês - da empresa por meio das exposições virtuais que realiza, com a biografia dos designers e das marcas, desenhos e fotos originais, além de registros das peças que restaurou. A mostra atual é dedicada à Branco & Preto.
A excelência de Isabel rendeu, no ano passado, um episódio curioso na edição nova-iorquina da Tefaf (The European Fine Art Foundation), uma feira de arte e antiguidades. No estande da galeria belga Axel Vervoordt, Isabela identificou uma poltrona erroneamente atribuída a Lina Bo Bardi.
Ela fez contato com o comitê de verificação de autenticidade da feira, que pediu a Isabela toda a sorte de informação que ela pudesse passar sobre o assunto. A arquiteta fez um laudo de dez páginas, com anúncios de jornais dos anos 1940 e 1950.
O documento sugere que a fabricante do tal móvel – na verdade uma poltrona-cama, algo que Lina nunca fizera – fora a Móveis Drago, uma grande cadeia de lojas de perfil mais popular, também daquele período.
Entre os profissionais que trabalha no Brasil está Arthur Casas. Para o arquiteto, ela já restaurou, por exemplo, uma cadeira Dinamarquesa, de Carlo Fongaro, original de 1960.
“Há escritórios de arquitetura no Brasil que têm um rigor altíssimo em seus projetos, sobretudo no exterior. É óbvio que tem uma questão de preço, que são tecidos mais caros, mas temos um know-how de importação e exportação que permite negociar bem com esses fornecedores”, contou Milagre ao NeoFeed.
E completa: “Embora esses clientes brasileiros nem estejam tão preocupados se o custo final vai aumentar porque eles primam pela qualidade”.
A qualidade da Bossa Furniture rendeu um convite da Federação das Indústrias do Estado do Rio de Janeiro (Firjan) para participar de uma licitação com o objetivo de restaurar 11 longarinas, com seis metros de comprimento cada uma – um total de 66 assentos.
A instituição pretende, posteriormente, instalar no auditório da Casa Firjan, seu hub de inovação, educação e tendências, em Botafogo. Isabela pretende realizar todo o trabalho entre agosto e outubro, ainda que amplie temporariamente sua equipe de restauro, hoje com 15 profissionais.
De seu trabalho com os designers contemporâneos surgiu a oportunidade de participar de um projeto para a Casacor São Paulo, aberta até 6 de agosto, no Conjunto Nacional. Isabela colaborou no desenvolvimento de uma instalação de Daniel Jorge, comissionada pela mostra de decoração.
O projeto inclui uma escultura com cerca de 4 metros de altura, de pedra sabão, criada junto a artesãos de Minas Gerais. Em seu entorno, haverá também bancos produzidos com o mesmo material, também em colaboração com a Bossa Furniture.
Trajetória acidental
A trajetória da arquiteta e empresária Isabela Milagre na restauração e exportação de móveis modernistas originais é um tanto acidental. Mineira de Divinópolis, Isabela pensava em estudar cinema em Nova York.
Seu pai, Murilo Milagre, sugeriu que, antes da decisão, ela trabalhasse um tempo na filial paulista de sua empresa de importação e exportação de mármore e granito, a Directa, que atende a arquitetos do primeiro time no Brasil e comercializa pedras brasileiras sobretudo no mercado norte-americano.
Em 2014, Isabela mudou-se para São Paulo e começou a trabalhar com o pai na Directa. O contato com a clientela acabou influenciando sua opção pelo curso de arquitetura no Centro Universitário Belas Artes.
Em 2017, um ano antes de ela se formar, abriu-se uma janela de oportunidade: Murilo tinha um espaço ocioso em seu galpão de 2 mil metros quadrados em Nova Jersey (EUA), perto de Teterboro, um aeroporto dedicado à aviação executiva.
O empresário investiu R$ 30 mil para que ele e Isabela começassem a comercializar ali móveis modernistas vintage do Brasil. De um lote inicial de 45 itens, o primeiro a ser vendido, por US$ 17 mil, foi um sofá do designer carioca Sergio Rodrigues.
Com a venda do móvel, Isabela pagou o investimento do pai e criou a sua própria empresa, a Bossa Furniture, que ao longo de seis anos vendeu 125 itens e hoje tem outros 900 em seus três galpões, no bairro paulistano da Bela Vista, em etapas distintas de tratamento, da análise de proveniência e autenticidade ao processo de restauração, de estruturas de madeira ou metal, assim como de estofamentos.
New York, New York
Apesar de todos os projetos feitos no Brasil, Isabela pensa em se estabelecer em Nova York. “Os negócios estão precisando de minha presença lá”, diz. “Preciso mostrar as peças do Lucas, do Daniel e do Rodrigo. É uma presença comercial urgente, como vitrine de nosso trabalho.”
Enquanto não se muda, a empresária planeja abrir galerias temporárias nos Hampton, na costa do estado de Nova York, e em Los Angeles, para apresentar tanto seus móveis vintage quanto promover os contemporâneos. Por ora, ela descarta aumentar sua operação no Brasil, apesar das novas frentes que abriu.
Recentemente, a Bossa Furniture reforçou o time de restauradores, um serviço que teve início no ano passado. Com o interesse dos clientes brasileiros, Milagre preferiu dar uma nova cara ao negócio, que passou a ser chamado de Bossa Workshop.
Os valores cobrados variam de acordo com o estado das peças. Recentemente, ela restaurou uma poltrona Mole (1959), de Sergio Rodrigues, e cobrou R$ 3,9 mil, pelos novos estofados, e R$ 2,1 mil, pela estrutura de madeira.