Aos 55 anos, Alex Schiavo é um sujeito inquieto. Sempre em busca de novos desafios, adora a sensação de começar do zero. Chegar ao topo da carreira, alcançar sucesso, prestígio e dinheiro é importante, claro. Mas, se o trabalho perder a graça, cair na mesmice, ele não titubeia. Parte para outra.
Foi assim desde seu primeiro emprego, como estagiário do Citibank, em 1990. E foi assim em abril de 2015. Depois de 20 anos e oito meses na Sony Music, dos quais pouco mais de uma década como presidente da gravadora no Brasil, Schiavo pediu demissão.
“Me vi cansado do mercado, não da minha equipe, mas eu estava esgotado”, conta, em conversa com o NeoFeed. Ele pretendia fazer um detox, escrever um livro sobre a indústria fonográfica, correr na Lagoa Rodrigo de Freitas, no Rio de Janeiro, onde mora, e tirar um tempo para si próprio.
Não deu nem dois meses e lá estava Schiavo de novo, a mil. Empresariando a banda Scalene, inaugurando restaurante de comidas cruas e se viciando na plataforma de cursos online Coursera. “Melhor do que Netflix”, define.
Na volta do MBA para altos executivos, da Wharton School, a escola de negócios da Universidade da Pensilvânia, nos Estados Unidos, em setembro de 2017, foi convidado para integrar a equipe brasileira da distribuidora independente Altafonte – da qual, aliás, ele nunca ouvira falar.
Fundada em 2011, por Nando Luaces e Inma Grass, em Madri, a multinacional, presente em 13 países, acabara abrir seu primeiro escritório no Brasil – uma sala de nove metros quadrados, em um coworking, em Botafogo, e um time restrito a três pessoas. Isso sim era começar do zero.
Schiavo ficou responsável pela área de new business. Em junho de 2020, em sua segunda promoção, foi alçado a chief artistic office (CAO), para América Latina, Estados Unidos, Itália e Portugal.
Logo de imediato, levou Gilberto Gil e Marcelo D2, com quem trabalhara na Sony. E, desde então, ele vem transformando a indústria brasileira de música, com um modelo de distribuição personalizado com os artistas para os streamings.
Do momento em que Schiavo assumiu o cargo de CAO até agora, o crescimento acumulado da Altafonte é de 121,02%, ao ano. Em 2022, o aumento foi de 46%, contra os 15% do mercado. Hoje, o faturamento daqui superou o da empresa na Espanha, orgulha-se o executivo, sem revelar valores.
Atualmente, a distribuidora detém 3% do market share de música gravada no Brasil, incluindo não só as independentes como as grandes gravadoras, as chamadas majors. É muita coisa, para um setor tão grande – e tão disputado.
“O sonho do Nando [cofundador da Altafonte] era ter 1% do mercado de cada país”, lembra Schiavo. A salinha de Botafogo se desdobrou em dois grandes escritórios. Uma casa no Horto, no Rio, e outra no Jardim Paulista, em São Paulo, onde recentemente foi inaugurado um estúdio.
Artistas parceiros e contratos mais leves
A indústria fonográfica brasileira vive um bom momento. É o sexto ano consecutivo de crescimento, o que coloca o país na nona posição entre os maiores do mundo. No passado, o setor movimentou R$ 2,5 bilhões, nos cálculos da Pró-Música, a associação das principais gravadoras e produtoras do país. Desse total, 86% vieram do streaming.
Essa pujança sozinha, porém, não explica o sucesso da Altafonte por aqui. Com Schiavo, a distribuidora está invertendo a lógica dos negócios fonográficos. Para começar, os artistas ou selos são considerados parceiros.
“Os contratos são mais leves.... Contratos de licença, por tempo determinado”, explica o CAO. “Quando terminado esse trabalho de parceria, o master [matriz a partir da qual as cópias são gravadas] volta para o artista.”
Mesmo entre as distribuidoras digitais, a Altafonte “se faz diferente”. Schiavo defende um relacionamento mais personalizado, de modo a facilitar a vida dos artistas.
Para ele, não basta sair distribuindo as músicas para as mais de 200 lojas digitais e digital service providers (DSPs), como Sportify, Apple, Amazon e YouTube Music. Cada artista, cada obra, exige uma abordagem diferente, em cada plataforma.
No início, como eram apenas três pessoas, seria impossível tentar trazer uma grande número de artistas para a Altafonte. Então, todos da equipe passaram a decidir com quem gostariam de trabalhar – o que acontece até hoje, quando o time está perto de chegar a 16 funcionários.
Nas grandes gravadoras, conta, a palavra final cabe única e exclusivamente ao presidente ou, no máximo, a um vice-presidente. Quem está no dia a dia com os artistas, os label managers, não tem nenhum poder decisão. E, muitas vezes, conta o executivo, eles se veem obrigados a gerenciar a carreira de pessoas com as quais não têm afinidade.
A curadoria da Altafonte torna as operações da distribuidora mais customizadas. E isso tem atraído a atenção do mercado. De novo, há de se levar em conta a história de Schiavo na indústria da música.
“Mesmo tendo ficado fora do mercado por três anos, fiquei surpreso com o modo com quem fui acolhido em minha volta, com a Altafonte”, diz ele. “E isso graças às relações da vida inteira com artistas e empresários.”
Os telefonemas de Flora Gil e Marcelo D2
O telefonema de Flora Gil, empresária de Gilberto Gil, foi um marco. Eles haviam trabalhados juntos no álbum “Sambas”, um dos últimos projetos de Schiavo na Sony, em 2015. Quando ela soube que o executivo estava na Altafonte, ligou para dizer que estava feliz por ter alguém de confiança em uma distribuidora.
Outro episódio digno de nota aconteceu com o rapper Marcelo D2. Sem saber da ida de Schiavo para a Altafonte, ele procurou o executivo: “Preciso falar com você. Onde você está? O que está fazendo? Só espero que não esteja em uma major.” Assim, a distribuidora foi, como diz o executivo, brindada com Gil e Marcelo D2.
Aí, os outros foram chegando.... Liniker, Arnaldo Antunes, Armandinho, Lenine, Criolo, Baco Exu do Blues, Bala Desejo, Duda Beat, BaianaSystem, BK, Black Alien, Delacruz, Huff, Hamilton Buarque, Silvana Estrada, Gabriel do Borel e Alok com seu Controversia.
Duas centenas de artistas e selos: da MPB ao rap, da bossa nova ao sertanejo, do hip hop ao reggae. No ano passado, das 26 indicações ao Grammy Latino, os “parceiros” da Altafonte levaram oito prêmios.
E, pensar que o convite para ir para a Altafonte foi cheio de idas e vindas. A primeira conversa entre Schiavo e Nando Luaces foi por vídeo chamada. O brasileiro ficou animado com a proposta de ser consultor da empresa.
No dia seguinte, no entanto, o CEO voltou atrás: “Não é o momento. Você veio de um lugar muito grande e nós somos muito pequenos”. Ao que o Schiavo respondeu ter ficado triste – “mas a empresa é sua, você decide”.
Mais dois dias, um novo contato e Luaces chamou Schiavo para ir a Madri. “Fiquei com o pé atrás: ‘Esse espanhol é maluco. E se esse maluco me manda embora? Não vou manchar minha carreira”. Mas, sendo quem é, o homem dos desafios não poderia deixar passar. Fez as malas e foi.
Os dois conversaram e, no final da tarde, Luaces foi taxativo: consultoria era pouco, Schiavo deveria ter um cargo na Altafonte. O resto é história.