Homenagear e celebrar a trajetória do pai, Sebastião Salgado, um dos mais importantes e premiados fotógrafos brasileiros, sempre esteve entre as missões do cineasta Juliano Salgado, de 50 anos. Em 2014, o filme O Sal da Terra, coproduzido por Juliano e que retrata parte da carreira do artista das lentes, foi indicado ao Oscar de melhor documentário.
Mas foi sua entrada no Instituto Terra, criado em 1998 pelo casal Sebastião e Lélia Wanick Salgado, que possivelmente seja a maior forma de reconhecimento ao legado de sua família. A principal ação de Juliano foi conseguir buscar a atenção de financiadores internacionais para contribuir na preservação da região do Vale do Rio Doce, em Minas Gerais.
O filho de Sebastião e Lélia nasceu em 1974, em Paris, período em que seus pais viviam no exílio, durante o regime militar. No período em que permaneceu na Europa, Juliano acompanhou, à distância, o desenvolvimento da organização social que buscava resgatar a vegetação em parte da Mata Atlântica. Em 2017, retornou ao Brasil e mergulhou de vez nas ações de recuperação ambiental naquele local, que é uma área de escassez hídrica.
“Quando cheguei, o instituto estava em um momento em que precisava se reencontrar. A gente já sabia recuperar nascentes de águas em propriedades perto de nossa sede, mas tínhamos perdido o foco sobre grandes projetos”, diz Juliano, em entrevista ao NeoFeed. “E nós encontramos um modelo de desenvolvimento alternativo, baseado na integração da agricultura com a ecologia.”
Em dezembro de 2023, ele assumiu a presidência do Instituto Terra e assegurou recursos para o desenvolvimento ambiental da região. A principal iniciativa foi o aporte de € 13 milhões do banco de desenvolvimento alemão KfW para recuperar 4,2 mil nascentes e garantir renda para 2 mil famílias por meio da implementação de programas agroflorestais em, inicialmente, quatro municípios do entorno do Rio Doce.
“Durante cinco anos teremos recursos para realizar esse trabalho que vai dar uma nova perspectiva de vida para essas pessoas”, afirma Juliano. “Queremos fazer essa transformação agroecológica e regenerar esse vale, que está totalmente devastado, social e economicamente.”
O raciocínio do presidente da organização é de que, quando há a volta da água nesses locais, o desenvolvimento acontece por ali. “É como se a terra aumentasse. De um casal que mal se sustentava, por exemplo, a gente começa a ver uma mudança de renda, com várias culturas sendo plantadas”, explica. “Isso muda a mentalidade dessas pessoas, que entendem a importância de adotar novas tecnologias.”
Uma das etapas do trabalho é justamente apresentar in loco aos financiadores o resultado das ações implementadas. “É muito importante mostrar a quem está financiando quem é a pessoa beneficiada com essa transformação, a partir da água que voltou. Esses fazendeiros, que tiveram suas rendas ampliadas em 30%, têm muito orgulho de contar suas histórias”, diz ele.
Um desses passeios na região foi com executivos da Asiatan, uma empresa chinesa fabricante de couro, que, desde a pandemia, têm aplicado US$ 120 mil por ano no projeto. Além do desenvolvimento da região, o instituto tem trabalhado para aumentar o reflorestamento em sua própria área, em Aimorés (MG).
A maior parte dos 2,5 mil hectares da sede da ONG é destinada à Reserva Particular de Patrimônio Cultural (RPPN) e, por ali, já foram plantadas mais de 3 milhões de árvores de 330 espécies. Com apoio da seguradora suíça Zurich, recentemente o instituto adquiriu uma área de plantio de 1,7 mil hectares para ampliar o trabalho. Entre as companhias que têm contribuído para financiar esse trabalho estão a XP Investimentos e a dona do TikTok no Brasil.
Educação ambiental
Em 2025, Juliano trabalhará para concluir a captação de US$ 120 milhões, que vai garantir a revitalização de mais 1 mil nascentes, chegando a 5,2 mil. São esperados novos recursos do KfW e da Zurich, além de outros financiadores.
Parte desse valor também vai ser usada na educação ambiental dos moradores locais. As ações educacionais serão feitas em parceria com a Fundação Dom Cabral (FDC). “A gente vai restaurar água, recuperar nascentes, implementar educação ambiental para crianças e formar jovens como ativistas ambientais”, diz o presidente do Instituto Terra.
Juliano também conta que há conversas com empresas brasileiras para financiar o projeto, principalmente da indústria alimentar. “Eles estão interessados em resgatar uma cadeia de produção de carne oriunda do reflorestamento. É uma mudança de paradigma.”
A ideia é transformar 6 mil hectares de agroflorestas e ainda convencer fazendeiros a buscar apoio para mudar mais 12 mil hectares. Com essas ações, o instituto pretende impactar diretamente 25 mil pessoas, incluindo sete mil crianças, daquela região mineira. A expectativa é de que o novo programa já esteja em operação durante a realização da COP30, que será em novembro deste ano, em Belém (PA), quando Juliano pretende apresentar dados sobre o trabalho na região.
Com as nascentes recuperadas e os pastos desenvolvidos, é possível desenvolver programas de criação de gado, cultivo de cacau, café, outras culturas, além de silvicultura (manejo de florestas e produção de madeira). “Por isso é importante recuperar as reservas legais, aumentar suas biodiversidades e fazer ali grandes corredores ecológicos”, explica Juliano.
“Quando a gente conseguir transformar o Rio Doce, e os vizinhos começarem a transformar suas fazendas, a exportar seus produtos certificados, vamos levar esse modelo para outros lugares do Brasil. E a gente vai provar que essa transformação funciona. Vamos ter orgulho do Vale da transformação”, afirma.
O mérito de Sebastião e Lélia, na visão de Juliano, foi dar visibilidade a essa questão ambiental quando o tema não era pauta das grandes corporações nem estava presente nas conversas nos corredores da Faria Lima.
“Eles são inspiradores. Além de serem grandes artistas reconhecidos no mundo, também são visionários. Os dois sempre defenderam que natureza e humanidade precisam estar integradas.”