Tóquio — Nos anos 1960, eram poucas as mulheres que se atreviam a praticar alpinismo, um esporte até hoje predominantemente masculino. E a primeira mulher a alcançar o topo do Monte Everest ainda veio do Japão, atualmente o país do G7 com a maior disparidade de gênero.
“Naquela época, mesmo das mulheres que trabalhavam fora, era esperado que elas apenas servissem o chá na empresa. Era impensável promovê-las”, contou Junko Tabei (1939-2016) em seu livro de memórias My Mountain Life — Up and Down, publicado em 2008. A alpinista tinha 35 anos quando chegou ao cume da montanha mais alta do mundo em 16 de maio de 1975.
Em comemoração ao 50º aniversário da façanha, a obra foi adaptada para o cinema, batizada de Climbing for Life, e teve esta semana a sua première no Festival Internacional de Cinema de Tóquio (TIFF-JP).
Atualmente em sua 38ª edição, o evento japonês, sediado no distrito comercial e cultural de Hibiya, próximo ao Palácio Imperial, destaca o que há de mais recente na safra nacional de cinema, além de incluir produções internacionais.
Com uma abordagem tradicional de cinebiografia, Climbing for Life resgata toda a trajetória de Tabei, que figura no Guinness como a primeira mulher a escalar os 8.848 metros do Everest. Tabei também fez história no alpinismo feminino ao se tornar a primeira a subir os Sete Cumes, como são conhecidas as montanhas mais altas de cada continente.
São sete e não seis porque são contados aqui o Monte McKinley (Denali) pela América do Norte e o Aconcágua, na Cordilheira dos Andes, pela América do Sul. Ao todo, ela escalou cerca de 70 dos pontos mais elevados do planeta.
Embora Tabei se definisse como “uma dona de casa que escala montanhas”, o filme dirigido por Junji Sakamoto privilegia o seu pioneirismo no esporte. Principalmente a sua luta para ultrapassar as barreiras do sexismo tão culturalmente enraizado.
Formada em Literatura Inglesa na Showa Women’s University, de Tóquio, Tabei fundou em 1969 o Clube Feminino de Montanhismo. Em parte, ela abriu a associação para não precisar mais explicar os motivos que a levavam a praticar um esporte dominado por homens. A situação era recorrente nos outros clubes de montanhismo dos quais ela fazia parte.
As melhores cenas do filme reconstituem a expedição ao Everest, em que a equipe de 15 mulheres, liderada por Tabei, precisou driblar muitos desafios. A 6,3 mil metros de altitude, uma avalanche arrasou o acampamento, deixando Tabei soterrada inconsciente sob neve.
Após ser resgatada por um guia e passar dois dias se recuperando, a alpinista foi a única do grupo que conseguiu atingir o topo, 12 dias depois do deslizamento.
Rena Nōnen interpreta a versão mais jovem de Tabei, enquanto Sayuri Yoshinaga, uma das atrizes veteranas mais celebradas do Japão, assume a personagem na casa dos 70 anos.
Foi nesta fase da vida que a alpinista recebeu o diagnóstico de câncer de estômago terminal, o que não a impediu de continuar escalando ou promovendo o montanhismo.
Após o Grande Terremoto do Leste do Japão, ocorrido em 2011, Tabei passou a organizar excursões anuais para estudantes da região afetada. Para encorajá-los, ela levava os alunos do ensino médio para escalarem o Monte Fuji, o ponto mais alto do Japão, uma iniciativa que o filho mais velho da alpinista ainda mantém.
Tabei ainda fundou o Himalayan Adventure Trust of Japan, uma organização preocupada com o impacto ambiental das expedições ao Everest e outras montanhas. Todas essas atividades, além de vários livros publicados sobre montanhismo, fazem parte do legado de Tabei.
Para garantir uma boa representação da alpinista na pele de Sayuri Yoshinaga, atriz de 80 anos, Climbing for Life é estruturado como as memórias da protagonista.
O foco da produção, ainda sem data para estrear no Brasil, cai nos seus últimos anos de vida, com as suas conquistas da juventude relembradas em flashbacks.
“Este é o 124º filme de Sayuri Yoshinaga, que é um tesouro nacional no Japão. Eu a assisto na tela desde que era criança”, contou ao NeoFeed o diretor do filme, comentando a opção de abrir o filme com Yoshinaga. Esta é a segunda colaboração da dupla, depois de A Chorus of Angels (2012).
“No Japão, nós cultuamos a figura do ‘shokunin’. Ele é uma espécie de mestre, alguém que domina o seu ofício e se dedica durante a vida inteira ao aprimoramento e à busca pela excelência em seu trabalho”, disse o cineasta, que define tanto Tabei quanto Yoshinaga como “shokunins”. “São mulheres que transcendem a profissão, sendo capazes de viver ao máximo a sua vocação.”