Nova York — “Nunca vou deixar louça suja na pia”, promete um anúncio postado em dezenas de vagões de metrô de Nova York. Quem lê imagina um amigo de fé que lava pratos, copos, panelas e travessas após um jantar festivo na sua casa.
Não há, porém, louça suja, porque não há jantar. Seu “amigo”, na verdade, é um colar, cujo pingente é um círculo branco que guarda um microfone acoplado a um sistema de inteligência artificial.
O usuário dá um nome ao pingente, fala com ele e, ao apertá-lo, recebe uma resposta por mensagem de texto no telefone, dando a falsa sensação de que não está sozinho. O produto, que custa US$ 129, é criação da Friend.com, empresa operando desde julho de 2024 no Vale do Silício.
A empresa injetou, um ano atrás, US$ 1 milhão para espalhar 11 mil pôsteres com frases “de amizade” pelas estações do metrô, corredores, plataformas e vagões, incluindo os famosos corredores da estação West 4th, perto da Universidade de Nova York.
Na cor branca, com o texto em preto, os outdoors não dizem para o que o produto serve ou como funciona, mas fazem grandes promessas: “Vou maratonar a série ao seu lado”, “Nunca vou cancelar nossos planos de jantar”, “Sempre te acompanharei no metrô” ou “Alguém que te escuta, responde e te apoia”.
O alcance das mensagens é enorme. Em 2024, passaram diariamente pelo metrô de Nova York 3,8 milhões de passageiros. Aos sábados e domingos, foram 4,4 milhões, segundo dados da Metropolitan Transportation Authority.
Revoltados com a ideia, os nova-iorquinos começaram a rabiscar e pichar os cartazes: “Não temos de aceitar esse futuro”, “Seja voluntário em um jardim comunitário”, “IA não é o seu amigo” ou “Ligue para um idoso em vez de conversar com um chatbox”.
A raiva é tanta que quem não está em Nova York, mas quer se expressar, pode pichar os cartazes online via vandalizefriend.com, um site em que o usuário até escolhe a cor do spray da mensagem.
A reação veio à tona em meio a um debate na mídia nacional sobre solidão crônica, casos crescentes de “relacionamentos amorosos” com inteligência artificial e até o suicídio incentivado por diálogos que simulam atenção.
Em abril passado, Maria e Matt Raine, pais de Adam, um adolescente de 16 anos que tirou a própria vida, entraram com uma ação contra o OpenAI, alegando que sua plataforma, o ChatGPT, age como “coach de suicídio”.
O caso ganhou as principais manchetes dos Estados Unidos, fazendo com que uma novidade como Friend.com seja vista como um instrumento que abusa da onda de isolamento, com um aparelho pendurado no pescoço, em vez de buscar uma solução saudável.
Por trás da empresa está o francês Avi Schiffmann, um jovem de 22 anos, que levantou US$ 7 milhões em venture capital para a ideia, sendo que US$ 1,8 milhão foi usado para comprar o domínio do site. Apesar de esta ser sua primeira aventura em IA, ele coleciona alguns sucessos no mundo digital.
Durante a pandemia, quando ele cursava o último ano do ensino médio, Schiffmann criou um site (nCoV2019.live) para rastrear casos globais de covid-19, no qual o Brasil figura como quinto na lista. A iniciativa foi elogiada pelo então médico do governo americano, Anthony Fauci.
Em 2021, Schiffmann ingressou em Harvard, onde ficou um ano. Em seu perfil no LinkedIn, consta orgulhosamente a palavra “dropped out”.
Pouco depois, em resposta à invasão da Rússia à Ucrânia, ele criou o Ukraine Take Shelter, uma plataforma para conectar famílias americanas a refugiados ucranianos.
Há algumas semanas, Schiffmann pegou um avião para ver de perto os cartazes, acreditando que o rebuliço faz parte do sucesso.
Chegou a afirmar no X que esta é a maior campanha da história do metrô da cidade, com 25 milhões de visualizações. Em Los Angeles, ele espalhou a mesma campanha em 500 pontos de ônibus.
Talvez os números de venda contem outra história: até o final de setembro, a Friend.com contabilizava 3 mil unidades vendidas, mil delas entregues e um faturamento de quase US$ 350 mil, revertidos em produção, ações de marketing e um bocado a mais de solidão.