No sudoeste da Inglaterra, abaixo da escarpa ocidental de Cotswolds Hills, na pequena Stroud, os diamantes vêm do céu. A cidade é sede da Skydiamond. Criação do empreendedor ambiental Dale Vince, a empresa usa água da chuva e gás carbônico capturado da atmosfera para fabricar as pedras preciosas.
Desde o lançamento de sua primeira coleção, em dezembro de 2021, esgotada em poucas horas, a Skydiamond vem agitando o ecossistema dos diamantes de laboratório. E, com a delicadeza e a precisão dos melhores ourives, lapida parcerias com marcas de prestígio e conquista o mercado de luxo.
A mais recente delas é também a mais inusitada. Em Londres, o Shangri-la, at The Shard, tido como um dos melhores hotéis do mundo, oferece a “Skydiamond Celebration”.
Até 31 de março de 2024, por £ 1,2 mil a noite, o pacote inclui: hospedagem em quarto com vista panorâmica para o rio Tâmisa, uma garrafa de champanhe, jantar e café da manhã e um “desconto exclusivo” de 20% nas peças da startup de Stroud.
Entre as joias mais vendidas está o brinco Luna, diamante com ouro amarelo reciclado, 2,08 e 18 quilates, respectivamente, a cerca de £ 16,5 mil.
A quem estranha a colaboração entre uma startup de diamantes cultivados e um hotel, vale lembrar: o Shangri-la ocupa 18 andares, a partir do 34º pavimento, do prédio mais alto da Europa Ocidental, o Shard London Bridge.
Se os diamantes vêm do céu, a suíte DeLuxe leva o hóspede até bem perto deles – e por aí vai a jogada de marketing.
Antes do hotel, no início do ano, a empresa de Dale se juntou à joalheria londrina Bleue Burnham em uma edição limitada e exclusiva para a Vault, a plataforma conceito da grife italiana Gucci.
Com o tema Nuvem (lá vamos nós para o alto, de novo), são anéis, pingentes e pulseiras incrustrados com até 500 diamantes, com preços entre £ 875 e £ 37,5 mil.
E anterior a Gucci, no final de 2022, foi a vez do designer Stephen Webster, celebrado entre os fashionistas europeus. Batizada The Coalition Range, a coleção tem como estrela as argolas Orbital Piercer. Inspiradas nos detritos espaciais, são feitas com titânio azul, cravejadas de diamantes, de diferentes lapidações.
A £ 65 mil, aproximadamente, os brincos “dão a ilusão do rescaldo de uma chuva de meteoros”, define o joalheiro.
“Não consigo me lembrar de uma época em minha vida em que uma joia não tenha sido extraída do solo”, diz Webster, em comunicado. “É extraordinário que um diamante venha do céu, por meio de um processo de carbono negativo.”
Outro charme da Skydiamond é sua embaixadora, a moderninha Lily Cole, modelo, atriz e cantora inglesa de 35 anos.
Dale nunca havia pensado em fabricar diamantes. Por dez anos, ele estudou uma forma de capturar o CO², em “escala épica”, como define ao jornal americano The New York Times.
Mas a remoção só seria eficaz se o gás fosse armazenado de forma a nunca mais voltar para a atmosfera. Veio o insight do diamante, um mineral feito inteiramente de carbono.
O “industrial verde”
Em sua página no LinkedIn, o empreendedor se define como “industrial verde”. Além da Skydiamond e da Ecotricity, ele está à frente da Devil’s Kitchen, foodtech de hamburgueres e salsichas vegetais, e da Britwind, fabricante de hélices eólicas. Dale preside ainda o Forest Green Rovers, clube de futebol, reconhecido pela Organização das Nações Unidas, como neutro em carbono.
A diferença entre as gemas da Skydiamond e os diamantes sintéticos tradicionais está na primeira fase do cultivo das pedras em laboratório. O CO² é retirado do ar, liquefeito e purificado. Em outra frente, a água da chuva, coletada do telhado da fábrica de Stroud, passa por uma reação química para separar o hidrogênio do oxigênio.
Em seguida, o carbono do ar e o hidrogênio da chuva são combinados e transformados em metano. A partir desse momento, a fabricação das gemas da Skydiamond segue o roteiro das pedras sintéticas clássicas.
Em uma câmera, a cerca 1.000 graus Celsius, sob altíssima pressão, os gases passam então a cultivar “sementes” de diamantes –lascas de uma pedra sintética, a partir da qual a nova gema se formará. Quanto maior a fatia da gema original, maior o tamanho do produto final.
Como se tivessem vindo do fundo da Terra
As primeiras pedras de laboratório foram desenvolvidas em 1954, pelo físico-químico americano Howard Tracy Hall (1919-2008), para a General Electric. Ele buscava um composto com alto poder abrasivo – e o diamante é o material mais duro já criado pela natureza.
“No início, porém, as gemas não tinham qualidade e, por isso, elas só começaram a ser usadas na joalheira há cerca de 15 anos”, conta a empresária Julia Blini, em conversa com o NeoFeed. Em 2021, ela e Luna Nigro fundaram a GAEM, a única marca brasileira a trabalhar exclusivamente com diamantes cultivados. A empresa importa todas as gemas, pois a tecnologia ainda não chegou por aqui.
Graças às inovações mais recentes, hoje os diamantes sintéticos são química e fisicamente idênticos aos diamantes forjados no miolo da Terra, a cerca de 160 quilômetros de profundidade da superfície.
Os avanços permitiram aos laboratórios acelerar e baratear a produção. Atualmente, um quilate saído da bancada custa 50% menos do que a mesma quantidade minerada.
Ainda falta a muitos fabricantes transparência nos dados sobre a pegada ecológica de sua produção, mas, é inegável: os impactos ambiental e social dos cultivados são menores do que dos naturais.
Para extrair um quilate, o equivalente a 0,2 grama de pedra, por exemplo, são deslocadas 250 toneladas de terra. Profundas e intensivas, as escavações formam buracos visíveis do espaço.
Além dos dados à natureza, frequentemente, a mineração está associada a trabalho escravo e ao financiamento da violência, sobretudo na África, de onde vêm dois terços das gemas em circulação no mundo.
Não à toa são chamados “diamantes de sangue”.
A chegada ao alto luxo
Ao que tudo indica, a lógica dos negócios está mudando. E esse movimento tem tudo a ver com a aceitação das gemas de laboratório pelas grifes mais sofisticadas.
Pertencente ao grupo de luxo LVHM, a casa parisiense FRED acaba de apresentar suas primeiras joias com diamantes sintéticos. Batizadas Audacious Blue, as pedras azuis são combinadas com gemas brancas naturais na coleção Haute Joaillerie Force 10 Duality –um colar gravata, uma pulseira, um anel e um brinco (não um par, um mesmo), ao preço de US$ 559 mil.
Dono de marcas como Louis Vuitton, Dior e Tiffany & Co., o LVHM flertara com os diamantes sintéticos pela primeira vez no ano passado, quando o braço de venture capital investiu em uma fábrica israelense.
A transformação dos negócios vem no rastro de uma mudança de comportamento dos consumidores. Julia e Luna, da GAEM, notam uma preocupação maior com a procedência das pedras. Há de se levar em conta ainda a influência dos millenials e da geração Z: 70% deles preferem as gemas cultivadas em laboratório, às quais se referem como “diamantes sem culpa”.
O amigo ético
Ainda que o valor do mercado global de gemas cultivadas seja inferior ao de pedras mineradas, seu avanço acontece em um ritmo duas vezes maior.
Nas estimativas da Fortune Business Insights, os naturais devem fechar 2023 em US$ 94,18 bilhões e evoluir a uma taxa de crescimento anual composta (CAGR) de 4,5%, nos próximos sete anos, chegando a US$ 127,84 bilhões.
No mesmo período, as gemas de laboratório estão previstas avançar a um CAGR de quase 10%. Vão de US$ 22,3 bilhões, em 2021, US$ 55,6 bilhões, em 2030.