Nem o samba escapou do esforço do economista israelense-americano Oded Galor para explicar, com sua Teoria Unificada do Crescimento, o que provocou a enorme prosperidade mundial após a Revolução Industrial, acompanhada pelo aumento da desigualdade entre pessoas e povos no planeta.

O ritmo brasileiro é mencionado, de passagem, no livro “A Jornada da Humanidade”, recém-lançado pela Intrínseca, com tradução de Antenor Savoldi Jr., no colorido e variado retrato feito pelo economista para explicar o “mistério do crescimento” e retratar as muitas causas “profundas” do desenvolvimento global.

A fusão de tradições musicais europeias e africanas, que resultou também no rock popularizado universalmente, é um dos muitos exemplos usados pelo professor da Universidade de Brown para mostrar a atuação da diversidade humana como um dos principais fatores a fazer avançar a cultura e a tecnologia.

Em tempos de descrença no progresso econômico e tecnológico e crescimento do misticismo e do fanatismo até nos países mais desenvolvidos, Galor reafirma, com ousadia, a fé em valores iluministas de racionalidade e confiança no poder da ciência para superar os desafios.

Ele formula hipóteses otimistas sobre o futuro a partir de estudos e pesquisas sobre a evolução da humanidade desde as primeiras aglomerações de caçadores-coletores e a revolução agrícola do Neolítico, até a atual ameaça de catástrofe climática com o aquecimento global.

Do ponto de vista da História, defende Galor, o destino da humanidade mudou, de repente, há muito pouco tempo. “As condições de vida de um fazendeiro inglês na virada do século XVI eram semelhantes às de um servo chinês do século XI, de um camponês maia há 1.500 anos, de um pastor grego do século IV a.C., um fazendeiro egípcio há cinco mil anos ou um pastor em Jericó onze mil anos atrás”, ressalta, ao iniciar sua “Jornada”.

Durante centenas de milhares de anos oscilações na riqueza e na quantidade da população alternaram épocas de penúria e alta mortalidade com momentos de fartura e aumento populacional, mantendo, na prática, o padrão de vida e renda dos habitantes do planeta. Até que, nos últimos duzentos anos, a qualidade de vida das pessoas deu um salto gigantesco.

Desde o começo do século XIX foi duplicada a expectativa de vida da população na Terra e a renda per capita aumentou vinte vezes nas regiões mais desenvolvidas - quatorze vezes, em média, no planeta. A tecnologia revolucionou as sociedades. E nem guerras, catástrofes ou pandemias brecaram essa caminhada para menores taxas de fecundidade, maior avanço da educação e das técnicas, e maiores ganhos, em média, da população.

Desde o começo do século XIX, foi duplicada a expectativa de vida da população na Terra, e a renda per capita aumentou vinte vezes nas regiões mais desenvolvidas - quatorze vezes, em média, no planeta. A tecnologia revolucionou as sociedades.

Galor não hesita em criticar as teorias de pensadores como Platão, Hegel e Marx, na tentativa de buscar princípios universais a guiar a História. As “leis universais” inevitáveis apontadas por esses filósofos deixariam pouca margem para as sociedades mudarem seus destinos, acusa.

A Marx, por exemplo, critica por não conceber a possibilidade de que a exploração capitalista de mão de obra poderia dar lugar a sistemas públicos de educação estimulados pelos próprios capitalistas, que estariam por trás da melhoria de condição de vida de milhões de trabalhadores no século XX.

Galor reconhece, porém, que diferenças entre sociedades e instituições “inclusivas” e “extrativistas” levaram a profundas desigualdades e disfunções que comprometem a distribuição de riqueza e oportunidades entre e dentro das nações contemporâneas.

Para explicar a relativa estabilidade da qualidade de vida durante milênios, recorre a Thomas Malthus, o clérigo que apontou o crescimento das populações, em comunidades com recursos limitados, como uma “armadilha da pobreza”, obstáculo ao progresso econômico.

Mas a teoria de Malthus nasceu velha, numa época em que a evolução gradativa da tecnologia e do conhecimento alterava fundamentalmente as condições de vida e subsistência das sociedades, a começar pela Europa, desmontando a armadilha populacional, que provocava esgotamento de recursos, argumenta Galor.

Fatores históricos, culturais e geográficos exercem forte influência sobre os destinos dos povos, demonstra o economista, com profusão de exemplos, dissecando desde a diferença de desenvolvimento entre as Coreias do Norte e do Sul aos efeitos deletérios do colonialismo sobre os países africanos, com estruturas excludentes, alimentadoras de privilégios e contrárias à inovação, que sobreviveram à onda de independências no continente.

Ao falar da América Latina, descreve como a exploração da agricultura extensiva, favorecida por circunstâncias geográficas, climáticas e populacionais, também levou à constituição de estruturas resistentes a inovações e à distribuição de riqueza, que desaconselham a mera aplicação de receitas bem-sucedidas nos países desenvolvidos.

Ao falar da América Latina, descreve como a exploração da agricultura extensiva, favorecida por circunstâncias geográficas, climáticas e populacionais, também levou à constituição de estruturas resistentes a inovações e à distribuição de riqueza

Citando casos como o da China, uma potência geradora de invenções que, no entanto, ficou para trás e perdeu poder para a Europa na Revolução Industrial, ou a bem sucedida colonização comandada por protestantes na América do Norte e Oceania, Galor discorre sobre como as instituições e práticas culturais podem acelerar ou retardar a adaptação das sociedades à transformação que ganhou velocidade exponencial nos últimos séculos - com tecnologias que exigiram maior conhecimento e educação da população e valorizaram a capacidade de promover rápidas mudanças de atitudes e processos.

Galor é severo ao criticar a desatenção para os movimentos profundos que moldaram as diversas comunidades contemporâneas, e para as causas históricas que levaram certos países a se desenvolverem bem mais que outros.

Ele condena a aplicação automática de receitas como as do chamado Consenso de Washington, que promoveu políticas de liberalização do comércio, privatização de empresas estatais, maiores proteções para direitos de propriedade, desregulamentação, ampliação da base tributária e redução das taxas de impostos como receita universal para o crescimento sustentável.

“Nenhuma reforma, por mais eficiente que seja, vai transformar nações empobrecidas em economias avançadas da noite para o dia, porque grande parte do abismo entre as economias desenvolvidas e as em desenvolvimento está enraizado em processos que duram milênios”, defende o autor, ao propor que políticas de desenvolvimento deem maior atenção ao contexto cultural e social dos países onde são aplicadas, e enfrentem explicitamente empecilhos como a corrupção arraigada e a baixa coesão social.

O autor propõe que políticas de desenvolvimento deem maior atenção ao contexto cultural e social dos países onde são aplicadas, e enfrentem explicitamente empecilhos como a corrupção arraigada e a baixa coesão social

Para Galor, qualquer projeto de desenvolvimento deve incorporar certos fatores essenciais para estimular a capacidade adaptativa da humanidade e seu poder de invenção e produção: o incentivo  educação; a igualdade de gênero, que agrega maior parcela da população ao esforço criativo e produtivo (de quebra, reduzindo a fecundidade e a tendência malthusiana de esgotamento de recursos); e a diversidade, com sua fusão de experiências e culturas e aprendizado da tolerância.

A falta de diversidade produz maior coesão e estabilidade nas sociedades – o que foi fundamental, por exemplo, para a sobrevivência e poder da China pré-Revolução Industrial; mas também leva à xenofobia e à aversão a novidades. Combinar maior diversidade com políticas de tolerância e coesão social é um dos desafios da sociedade moderna, defende o economista.

A longa história de progresso humano, a partir de mudanças tecnológicas, educacionais e culturais que se deram gradualmente, alimenta o otimismo de Galor em relação ao aquecimento global. Ele crê que a disseminação da educação, o avanço tecnológico e a redução da taxa de fecundidade, que diminui a pressão sobre recursos naturais, dão à humanidade condições de brecar o aquecimento global e a degradação das condições de vida do planeta.

A longa história de progresso humano, a partir de mudanças tecnológicas, educacionais e culturais que se deram gradualmente, alimenta o otimismo de Gabor em relação ao aquecimento global

Ele argumenta que esse otimismo não exclui a necessidade de investir na ampliação de acesso ao conhecimento e às tecnologias, reduzindo a vergonhosa desigualdade que impede largas parcelas da população de se beneficiar e contribuir com o aumento de renda mundial e do avanço tecnológico.

Ou, em outras palavras, é preciso se inspirar na capacidade adaptativa de fenômenos multiculturais - como o samba - para absorver boas lições da técnica e da prática de culturas diversas, com um gingado próprio que motive as pessoas e multiplique a ala dos inventores.

Serviço
A Jornada da Humanidade
Oded Galor
336 páginas
Livro impresso: R$ 69,90
E-BOOK: R$ 46,90
Editora Intrínseca