Dumpling, Da Crazy Hawaiian, The Bell, Wolverine, The Destroyer, The King of the Kings, Zuluzinho… que ninguém de engane. Os apelidos podem até soar divertidos, mas eles não estão de brincadeira. Enormes, como blocos maciços de carne e músculos, eles vivem de dar (e levar) tapa na cara.

Comum no Leste Europeu, a competição de sopapos começou a se tornar popular no Ocidente, quando, Dana White, presidente do Ultimate Fighting Championship (UFC), fundou, em 2023, a liga americana de Power Slap.

White e os adeptos e fãs das bofetadas definem a prática como luta e esporte. Médicos e sensatos, em geral, tendem a discordar. E é fácil entender o porquê. Separados por uma espécie de mesa alta, os adversários ficam de pé, defronte um para o outro, a uma distância entre 60 e 70 centímetros. O juiz tira cara ou coroa para definir quem começa.

Cada competidor tem direito a dar cinco tapões, de mão aberta, contra a bochecha outro. Um leva e um dá, alternadamente. A “partida” só termina quando alguém cai e não consegue voltar em até 30 segundos ou comete falta.

Vamos à definição de infração no Power Slap. A bofetada não pode acertar o nariz, os olhos ou as orelhas — se os “lutadores” estiverem usando proteção auricular, até é permitido o toque leve. O alvo tem de ser sempre a região carnuda da bochecha.

Os dois pés devem também estar o tempo inteiro colados ao chão. Por isso, os safanões são acompanhados por dois árbitros.

Se depois de cinco tapas, ninguém foi nocauteado ou cometeu falta, os juízes proclamam vencedor o autor dos melhores safanões — aqueles com mais potência e que se encaixam bem no rosto do adversário.

Antes do início da disputa, os competidores passam pó de magnésio nas mãos e medem o golpe que pretendem dar, aproximando e afastando a mão da bochecha do oponente. Essa simulação do tapa é tão aflitiva quanto os tapas de verdade.

Uma bofetada e um sorriso

“Quando me convidaram para participar do campeonato mundial da Rússia, em 2020, fui com a cara e com a coragem. Não tinha experiência nesse esporte, mas já havia assistido algumas competições. Só sabia que teria que dar e levar uns tapas”, conta o maranhense Wagner da Conceição Martins, o Zuluzinho, ao NeoFeed.

Veterano lutador de esportes de combate, em especial o MMA, ele não fazia a menor ideia contra quem lutaria e que quando foi informado que seu adversário seria Vasily "Dumpling" Kamotsky, campeão do mundo, ficou bem preocupado.

“Quase arreguei, porque ele derruba todo mundo. Ele treina para nocautear de mão aberta e eu sempre treinei para nocautear de mão fechada”, lembra Zuluzinho. “Pensei que iria levar um tapão e cair duro. Mas já estava ali…fazer o quê, né?”

Filho do lendário Rei Zulu, ícone do Vale-Tudo no Brasil, Zuluzinho foi sorteado para o segundo tapa. Assim que Dumpling desferiu o primeiro golpe, brasileiro sorriu: ele aguentaria as bofetadas.

“Ao final, minha tradutora disse que eu havia vencido. Mas deram empate porque não queriam que o russo perdesse para um brasileiro, porque ficaria feio para o campeão mundial. Mas depois, me declararam campeão”, conta orgulhoso.

Zuluzinho voltou para casa com a vitória e R$ 10 mil no bolso. Ficou animado para continuar a carreira no Power Slap. Hoje, além competir, também faz parte da comissão de árbitros e se dedica a difundir a competição.

Aqui, a prática ainda é incipiente e a modalidade ainda está engatinhando. Mas a Federação Brasileira de Tapa na Cara tem organizado torneios nacionais, em parceria com uma marca de suplementos.

Se fosse só afta

Por ser ainda uma novidade, os prêmios do Power Slap ainda são baixos. Aqui, o competidor ganha, em média, R$ 1 mil por etapa vencida. “Ganhei R$ 4 mil na primeira competição brasileira. Em 2021, fiquei em segundo lugar na Polônia e recebi R$ 10 mil. Um árbitro da federação ganha um salário mínimo por mês, como apoio”, explica Zuluzinho.

Nos Estados Unidos, a liga de Dana White paga de US$ 2 mil a US$ 10 mil, por evento.

Presidente do UFC, Dana White conheceu o tapa na cara por vídeos no YouTube, em 2017 (Crédito: Reprodução Instagram @danawhite)

Ex-criador de porcos, o siberiano Dumpling é o trocador de bofetadas mais famoso no universo do power slap (Crédito: Reprodução topology.com)

"Claro que não me sinto feliz tomando tapa na cara, queria só bater. Mas para competir também é preciso apanhar. Então fazer o quê?", diz Zuluzinho (Crédito: Reprodução Instagram @zulizinho.martins)

Pelas regras da liga americana de Power Slap, o tapa tem de ser dado com a mão aberta (Crédito: Reprodução powerslap.com)

Se, depois de cair, um competidor não voltar em 30 segundos, ele é desclassificado (Crédito: reprodução powerslap.com)

Mas vale a pena levar safanões por tão pouco? “É bom para quem é forte. Muitos competidores choram e desmaiam durante as competições. Claro que não me sinto feliz tomando tapa na cara, queria só bater”, afirma Zuluzinho. “Mas para competir também é preciso apanhar. Então fazer o quê?”

Ele conta  que os tapas machucam a boca por dentro — "a gente fica cheio de aftas, sente náusea”. Se fosse só afta...

Em 2023, um evento na Romênia mostrou o estrago que uma sucessão de bofetadas por causar. Em um embate do RXF (Real Xtreme Fighting), a liga de artes marciais mistas do país, o lutador romeno Sorin Comsa ficou com o rosto desfigurado, embora tenha vencido a luta e embolsado € 5 mil.

Diferente do boxe e do MMA

Do momento em que Dana White conseguiu aprovação do estado de Nevada para promover embates de Power Slap, em Las Vegas, a Brain Injury Association se posicionou veementemente contra a prática. O fundador da liga americana garante a segurança da atividade, citando o MMA, como exemplo. Nunca nenhum lutador morreu. Afinal, o que é um tapa na cara?.

Não é bem assim. Os danos cerebrais graves, em geral, não dão sinais no momento da pancada. Ex-lutador de luta greco-romana e diretor-executivo da Concussion Legacy Foundation, o médico americano Chris Nowinski tem sido um dos maiores críticos do tapa na cara. Ele alerta sobre os riscos de encefalopatia traumática crônica (CTE), lesão cerebral degenerativa, causada, entre outros fatores, por golpes repetidos na cabeça.

Há uma diferença básica entre o Power Slap e esportes de luta, como o boxe e até o MMA. Nesses embates, os atletas estão em movimento, podem se defender, desviar dos socos. No tapa na cara, o sujeito fica parado, proibido de se mexer. Dá para chamar de esporte? Há quem o defina como a síntese da imbecilidade humana.

Eventos lotados

Muito antes do Power Slap ser lançado pelo empresário americano, as competições de tapa na cara estavam concentradas na Rússia e alguns países do Leste Europeu. E, se houvesse o título de embaixador do tapa na cara, a honraria caberia ao ex-criador de porcos Dumpling, de 34 anos. Seus vídeos no YouTube atraem milhares de pessoas. Em 2017, uma delas foi White.

O presidente do UFC ouviu o tintilar do dinheiro que poderia ganhar se criasse um campeonato próprio de tapa na cara. Para isso, associou-se a Lorenzo Ferttita, presidente da Ferttita Capital e ex-CEO do UFC, e a Craig Piligian, presidente e CEO da Pilgrim Films & Television e produtor executivo das séries The Ultimate Fighter , do Discovery Channel.

White conseguiu que o tapa na cara  fosse sancionado pela Comissão Atlética do Estado de Nevada (NSAC) e voilá! O Power Slap já atingiu a marca de 4,5 milhões de seguidores no Instagram, as competições têm lotado os cassinos de Las Vegas e atraído a atenção da mídia — mesmo que seja para falar mal.

Recentemente, Dumpling fez sua estreia na liga americana. A troca de sopapos foi com Kamil Marusarz, jovem de 26 anos, de Orland Park, Illinois.

Em cerca de 30 segundos, o americano não resistiu à mão pesada do siberiano. Com seus 163 quilos, Dumpling  derrubou o adversário no palco do Cobalt Ballroom, do Fontainebleau Hotel and Casino, em Las Vegas.

Uma multidão de 3,5 mil pessoas foi à loucura. Pois é, tem muita gente que gosta de ver dois brutamontes trocando tapas.