“Aqui na região nunca faltou escola, mas eu ia lá mesmo para comer”, explicou Neto, um morador de Pentencoste (CE) que assim se identificou para Rony Meisler, fundador da marca Reserva e hoje CEO do grupo AR&CO. “Aquela frase mudou tudo. Foi uma surra moral”, disse ele ao NeoFeed.
Meisler estava na região em 2014 para desenvolver um projeto, promovendo material didático para uma escola de empreendedorismo agrícola. E foi perguntar a um jovem que criava galinhas o que ele achava da iniciativa. Foi quando foi surpreendido pela tal resposta.
“Vi naquele momento que nossa prioridade deveria ser outra porque a fome tem pressa. E aí ajudar as pessoas a saírem da insegurança alimentar se tornou o nosso propósito.”
No fim de agosto, a companhia bateu a marca de 100 milhões de pratos “reforçados” por meio do projeto social “1P5P”, criado em 2016, dois anos depois da visita a Pentecoste. “Fomos estudar a questão da fome até entender que não falta comida, mas sim ela chegar aonde precisa. Há 35% de desperdício de alimentos no Brasil.”
O 1P5P funciona assim: a cada peça vendida das marcas Reserva, Reserva Go e Reserva Mini (as que têm o pica-pau como logo), um percentual do valor (não revelado) é destinado à inclusão de ingredientes em cinco pratos de comida.
Esse processo é feito em parceria com instituições como Banco de Alimentos, em São Paulo, Mesa Brasil/Sesc, em Alagoas, e agora a Connect Food, no Rio de Janeiro. Todas elas têm como prioridade evitar o desperdício alimentar.
As instituições fazem o que é chamado de “colheita urbana”. Recolhem nas fábricas e mercados alimentos que estão próximos do fim da data de validade ou que apresentam defeitos de aparência, e distribuem com sua frota para ONGs cadastradas.
Isso significa que um dia pode ser carne, no outro iogurte ou hortaliças que chegam para as pessoas. Em 2022, só o Banco de Alimentos distribuiu mais de mil toneladas de alimentos para 25 mil pessoas.
“Essas instituições parceiras fazem uma logística social e nos colaboramos com recursos para viabilizar essa distribuição”, diz Jayme Nigri Moszkowicz, COO da Reserva à frente dos projetos de sustentabilidade.
O 1P5P beneficia mais gente à medida que as vendas crescem. No ano passado, quando as vendas das marcas Reserva “aumentaram 50%, contribuímos em 23 milhões de pratos”, diz Nigri.
“Como a empresa praticamente quadruplicou nos últimos anos as contribuições por meio do 1P5P aceleraram”, diz Meisler. Em sete anos, desde a criação do projeto, a três marcas da Reserva venderam 20 milhões de peças.
Os vendedores têm sinalizado no seu “contracheque”, por exemplo, o que significou em pratos o seu desempenho no mês. Na boca do caixa, o consumidor também é informado da equivalência de sua compra no projeto “1P5P”.
“Isso está incorporado a nossa cultura corporativa e é um engajamento muito grande de toda a equipe e dos consumidores”, diz Nigri. Meisler acrescenta: "Os consumidores passam a ser seguidores. Hoje recebo mensagens assim, ‘deixei 15 pratos na sua loja.'”
A cada um milhão de pratos alcançados, um sino é tocado na sede da empresa, no Rio de Janeiro. Na última semana foram muitos badalos pelos 100 milhões alcançados.
Na próxima semana, quando a Reserva completa 17 anos, o projeto vai ganhar um incentivo. Cada camisa polo vendida vai complementar 17 pratos. A marca está lançando uma nova coleção e quer criar mais atrativos para a categoria que representa sozinha 12% do resultado.
Descalços na Califórnia, com pratos no Brasil
O projeto 1P5P é um desdobramento de uma antiga iniciativa da Reserva chamada de “Rebeldes com Causa”, em que, desde o início da marca, a cada ano eles escolhiam uma instituição a ser apoiada.
Mas a forma de como fazer, “nos princípios do capitalismo consciente”, se consolidou com uma visita que Meisler e Nigri fizeram à Toms, marca de alpargatas, na Califórnia. “Lá, a cada sapato vendido um outro é doado para pessoas carentes”, conta Meisler.
Foram recebidos pelo fundador Blake Mycoskie justamente no dia em que promoviam “um dia sem sapatos”, quando todos trabalham descalços para entender o propósito da companhia. Meisler e Nigri também percorreram a Toms com os pés no chão.
Foi daí que, com a ajuda do Banco de Alimentos, formataram uma equação vinculada em vendas que impactasse realmente a questão da insegurança alimentar, a 1P5P.
As marcas Reserva, Reserva Go e Reserva Mini cresceram 25% em vendas nos dois últimos trimestres, diz Nigri, o que “certamente” vai significar mais pratos este ano.
Meisler gosta de repetir uma máxima da economista Luciana Quintão, fundadora do Banco de Alimentos, em que eles "trabalham para que um dia o Banco não precise mais existir".
Para ele, quando esse dia chegar "vamos escolher outra causa”. Reforça, contudo, que o 1P5P não vai resolver o problema da fome porque "essa é uma questão que envolve políticas públicas.”
No ano passado, a Rede de Pesquisadores em Soberania e Segurança Alimentar e Nutricional revelou que 33 milhões de pessoas viviam em insegurança alimentar grave e o Brasil voltou a ser incluído no mapa da fome da ONU.
Na quinta-feira, 31 de agosto, o governo federal lançou a estratégia nacional de combate à fome para reverter esse quadro e uma das 100 metas anunciada é a redução a menos de 5% dos lares nestas condições.