MADRI - Dois diferentes brasis foram destaque no calendário artístico de Madri na primeira semana de fevereiro. Um país onírico com matas e florestas exuberantes pintado pelo artista Lucas Arruda e o Brasil negro e da exclusão social, retratado em folhas de papel pardo de grandes dimensões de Maxwell Alexandre.

Arruda, 39 anos, vive na zona oeste de São Paulo, um dos endereços que concentra parcela significativa do PIB nacional, já Alexandre, 32 anos, é da Rocinha, uma das maiores favelas do Rio de Janeiro, símbolo de violência e descaso.

Igualmente festejados no circuito internacional, os dois jovens artistas desfrutam de sucesso tanto institucional como comercial e fazem parte do acervo da Bourse de Commerce, que abriga a coleção da família Pinault, uma das ricas da França.

A exposição de Arruda “Assum Preto” acontece na Biblioteca do Ateneo, instituição tradicional da capital espanhola, e é a primeira mostra individual do artista na Espanha. Ao comentar as várias mostras de seu trabalho que estão acontecendo na Europa no início deste ano, Arruda disse ao NeoFeed que na Bélgica participou de uma coletiva, e em seguida irá a Paris também para integrar uma mostra com outros artistas. “Na verdade, esta é a única individual. Não chega a ser um surto de exposições internacionais, mas esta visibilidade é muito bem vinda”.

“Assum Preto" tem curadoria do suíço Hans Ulrich Obrist, diretor da Serpentine Gallery, em Londres, e um dos nomes mais influentes da arte contemporânea. É uma exposição delicada, de pequenas pinturas de florestas, colocadas em mesas de leitura cobertas por caixas acrílico, num lugar que não costuma abrigar exposições de arte. Ao lado e nas estantes, apenas livros. Não há obras à venda, todas são empréstimos de colecionadores particulares.

As paisagens de Arruda são instantes poéticos, frutos da imaginação, imagens que se situam entre a abstração e a figuração num jogo de luz onde dominam diversos tons de verde. O artista é representado pela galeria Mendes Wood DM e suas obras já integram as coleções de alguns dos principais museus do mundo: Tate Modern, em Londres, Centro Georges Pompidou, em Paris, Stedelijk, em Amsterdã, Pinacoteca do Estado de São Paulo e, recentemente, Museu Reina Sofia, em Madri.

Lucas Arruda exposição assum preto
Uma das paisagens de Lucas Arruda que está na exposição Assum Preto, em Madri

"Gosto de celebrar a beleza e não vejo problema nisso. Falo de questões atemporais”, diz o artista que situa a atualidade de seu trabalho nos sentimentos e na melancolia. Suas obras hoje são disputadas por colecionadores, mas o máximo que Felipe Dmad, um dos fundadores do escritório da Mendes Wood, em São Paulo, adianta é que o preço de Arruda se inicia em US$ 2.500 para gravuras. No entanto, há referências de trabalhos seus que foram leiloados recentemente na faixa de US$ 858 mil.

Brasil que protesta

Lucas Arruda artista
O artista paulista Lucas Arruda (Foto: Cobogó/divulgação)

Um Brasil que protesta e retrata figuras das comunidades cariocas está na exposição “Novo Poder”, que ocupa duas salas da Casa Encendida, instituição de Madri que tem como missão apresentar a arte emergente. A série de pinturas em imensas folhas de papel pardo pendurado é continuação da mostra anterior “Pardo é Papel”.

A curadoria é do francês Matthieu Lelièvre, que organizou a primeira mostra internacional de Alexandre no Museu de Arte Contemporânea de Lyon e que resume o trabalho do artista apresentado nesta exposição em duas palavras: “força e potência”.

Para entender melhor as obras apresentadas, ele cita a referência que a música, especialmente o rap, têm no discurso social e político do artista, que retrata o mundo dos negros da comunidade carioca onde cresceu, vestidos com roupas com dizeres escritos, cabelos pintados de loiro e uma estética muito própria.

Com isso, ele questiona a ausência negra ou o lugar que os negros ocupam nos museus e no mundo internacional da arte contemporânea. Essa visibilidade internacional que ele ganhou se deve muito à ação de Frances Reynolds, CEO e fundadora do Instituto Inclusartiz, mecenas e embaixadora da arte brasileira no mundo, que apoia Alexandre desde 2018.

Maxwell Alexandre artista
O artista carioca Maxwell Alexandre (Foto: divulgação)

Para ela, é gratificante ver a trajetória e o desenvolvimento da produção dele nos últimos anos depois de apostar “na força sociopolítica e estética de sua obra e no seu potencial para se converter num dos nomes mais importantes da arte contemporânea internacional”.

Vivemos um momento em que o mundo da arte olha para a produção de negros e indígenas como nunca olhou, mas não deixa de ser instigante ver alguém que vive numa comunidade conseguir furar a bolha da exclusão. E chegar tão jovem ao patamar alcançado por Alexandre que já possui obras espalhadas pelo mundo.

A exposição, que agora chega a Madri, foi inaugurada em Paris no Palais de Tokyo e depois foi para Nova York. Suas obras custam atualmente a partir de US$ 15 mil e estão nos acervos de museus como o MASP, o Museu de Arte Moderna do Rio e no Pérez Museum, em Miami.

SERVIÇO:
Assum Preto, de Lucas Arruda: La Biblioteca del Ateneo de Madrid, de 1 de fevereiro a 8 de março de 2023

Nuevo Poder, de Maxwell Alexandre: La Casa Encendida, de 3 de fevereiro a 23 de abril de 2023