Ele fez parte do time que viu da cozinha o aclamado restaurante novaiorquino Eleven Madison Park saltar da primeira para as desejadas três estrelas do Guia Michelin, em 2011. E, no ano seguinte, já estava na Riviera Francesa com equipe que comemorou a segunda estrela do restaurante Mirazur, do chef argentino Mauro Colagreco. De quem se tornaria chef-executivo na brasserie Grandcoeur, em Paris, alguns anos depois.

Olhando assim, conquistar anos depois o primeiro lugar na terceira edição do MasterChef Profissionais (Band) e as notas mais altas na temporada de estreia do IronChef (Netflix), ambos versão Brasil, mais do que se justifica. Assim como explicam o burburinho criado em torno de seu mais recente restaurante, o Tiara, primeira casa autoral do chef Rafael Gomes, no shopping Rio Design Leblon.

“Quero mostrar o que sei fazer, com ingredientes que nem são mais tão comerciais, mas com os quais me identifico, como o pato, a galinha d’angola, o coelho”, explica o cozinheiro ao NeoFeed.

A carreira internacional ia tão bem que decidiu abrir sua própria casa em Paris, o Itacoa, em 2018. E foi com essa bagagem que encarou e gabaritou os campeonatos nacionais. Graças à fama abriu no Rio de Janeiro, em 2019, uma filial de seu parisiense Itacoa. (Os nomes de suas casas são uma homenagem à praia de Itacoatiara, em Niterói, onde o chef nasceu.)

Atualmente, os três Itacoas (Village Mall, Rio Design Leblon e Paris) respondem por 60% do faturamento do chef. As casas brasileiras fazem parte da holding BFW, à qual ainda estão ancorados o Tiara e a rede de fast food Porquinho (que caminha para sua quinta loja de hambúrgueres suínos e reponde por 10% do negócio).

O Tiara no Rio Design Leblon: a menina dos olhos do chef e onde pratica sua cozinha autoral

Criada em 2013 por Paulo, Pedro e Ana Paula Pacheco a holding BFW também é responsável pela operação de outros restaurantes no Rio, como o D.O.C Mercato, Heaven, D’Heaven, Nonna, Kiva Café, O Fado, Olivo Cucina e Pizzeria.

O menu do Tiara, a menina dos olhos do chef, não por acaso, inclui alguns dos pratos servidos aos jurados de ambos os programas. Caso do pato laqueado com mel e especiarias, que leva 14 dias no preparo e que com o sucesso o projetou para ser embaixador da produtora catarinense Vila Germânia.

As outras criações são a galinha d’angola com cevadinha tostada, cogumelos e milho; o peixe com purê de mandioquinha, limão cravo, gastrique (molho agridoce) e cebola; e a sobremesa de tangerina, com mousseline de açafrão, bolo de castanha e espuma de mel de cacau. “Tem muita gente que ainda vem por causa dos programas”, conta ele.

O chef na linha de produção dos patos laqueados

Com 58 lugares e tíquete médio de R$ 150 no almoço e R$ 320 no jantar, o Tiara é onde ele pretende dar seu melhor para chegar ao olimpo dos restaurantes cariocas. “Odeio perder até no par ou ímpar, mas não vou deixar nunca de fazer da maneira que faço só para ter estrela Michelin. Ela é um reconhecimento do trabalho feito e não o motivo dele.”

Na esteira da sofisticação, o Tiara vai passar a ter, além do serviço à la carte, um menu degustação que será servido só no jantar, com cerca de oito etapas a preço em torno dos R$ 290. “Quero fazer uma coisa mais curta, com pratos servidos ao mesmo tempo, alguns para compartilhar”, adianta.

Mas mesmo após o recente anúncio de fechamento do Noma (restaurante dinamarquês mais premiado do mundo) ainda vale investir em alta gastronomia? “Pergunta isso para o Daniel (Boulud, chef de Nova York), que mesmo com uma estrela a menos segue fazendo 300 couverts toda noite”, rebate.

Ainda assim ele garante que não tem vontade de, no dia a dia, reviver o nível de exigência e atenção que um restaurante de altíssimo nível e estrelado requer. “Quero ter uma gastronomia muito boa e que agrade as pessoas, mas não necessariamente nesse nível de serviço.”

O Itacoa, em Paris: 60 % de turistas brasileiros

Diferente do Tiara, a proposta no Itacoa segue a linha de um bistrô gourmand, com pratos como polvo grelhado com batatas e molho romesco, paleta de cordeiro com risoto e canelone de pato confit. O tíquete médio varia de R$ 110 no almoço a R$ 200 no jantar e, ao contrário da casa em Paris, o menu não é alterado a cada três semanas de acordo com o que há de mais fresco na temporada.

“É difícil pensar dessa forma no Brasil porque a gente tem verão o ano inteiro. Mas a cadeia de fornecimento evoluiu muito nos últimos anos. Já se encontra um bom tomate, frutas orgânicas, botarga ou trufa nacional”, aponta Rafael.

Gomes também não descarta a abertura de um restaurante na capital paulista. “Agora que já me firmei no Rio começo a pensar em ir para São Paulo, mas no momento me falta energia. Tem que planejar bem para não se sacrificar tanto.”

Foi justamente a clareza da necessidade de suporte que fez com que ele se unisse ao grupo carioca após receber inúmeras propostas para voltar ao Brasil depois de vencer o MasterChef, em 2018. O movimento não estava nos planos. Tudo que queria era ficar conhecido para atrair mais clientes brasileiros ao restaurante recém-aberto no 2º arrondissement.

O objetivo foi atingido. E de 10% da clientela, os turistas brasileiros “para quem todo dia é fim de semana” e por isso garantem casa sempre cheia, passaram a ser 60% em pouco tempo. Mas a perspectiva de estar perto da família depois de 18 anos no exterior fez o coração balançar.

O pato laqueado, um dos destaques do Tiara

Em 2019, entendeu-se com os sócios da BFW para focar o trabalho na criação e no desenvolvimento das equipes brasileiras, sem ter de lidar com planilhas financeiras ou folha salarial. No ano seguinte abriu espaço na França para um segundo sócio, que ficou responsável pelo operacional, lhe permitindo voltar a Paris só a cada três meses.

A perspectiva é que, no futuro, o Tiara represente seu negócio com maior faturamento, muito apoiado, novamente, nos turistas. Só que desta vez, estrangeiros, cujo poder de compra é maior dada a diferença cambial.

Para atingir esse público, parcerias com agências e turismo e hotéis já estão sendo traçadas reforçando um pensamento constante do chef para definir a carreira de sucesso. “Nunca foi sorte. Foi a trajetória que tinha que ter sido.”