"Ainda que eu tenha só 20 anos, olhar para o futuro me gera um medo genuíno. Eu tenho medo de já ter errado com a minha vida e estar só colhendo frutos de erros passados. E isso me desanima. Não importa acertar ou errar, o futuro está condenado."
O futuro sempre foi sinônimo de esperança — promessa de transformação, progresso e prosperidade. Não mais. Como ilustra a fala de um dos participantes do estudo Da Futurofobia à Futurotopia, o porvir é hoje interpretado pelas novas gerações como um grande fardo — fonte de angústia, frustração e exaustão.
Conduzida pelo movimento global Teach the Future Brasil (TTF) e apresentada no Rio2C 2025, o maior encontro de criatividade da América Latina, encerrado no domingo, 1º de junho, a pesquisa ouviu 689 brasileiros, entre 18 e 28 anos. Além do levantamento quantitativo, o trabalho traz entrevistas qualitativas. O material foi analisado por 12 especialistas, das áreas de educação, saúde, cultura digital e publicidade, entre outras.
Dos participantes do levantamento, apenas 31% sentem-se preparados para lidar com o amanhã. Na outra ponta, estão os 62% que dizem sentir medo do que pode vir a lhes acontecer. Do total, quase oito em cada dez mencionam a ansiedade como sentimento predominante em relação ao que está para acontecer.
Fenômeno mundial, a juventude está esgotada com aquilo que ainda nem foi vivido. “O futuro do século 20 era um campo aberto às possibilidades”, diz a futurista Rosa Alegria, codiretora do TTF e idealizadora do estudo, em conversa com o NeoFeed. “O século 21, porém, acabou fechando as possibilidades de criação de novos mundos.”
O conceito de futrofobia foi apresentado pelo espanhol Héctor García Barnés, no livro Futurofobia: Una generación atrapada entre la nostalgia y el apocalipsis.
"Futurofobia é uma profecia autorrealizável. Se presumirmos que os seres humanos são estúpidos por natureza, se acreditarmos que o apocalipse está chegando, se pararmos de acreditar em política, arte e amor, nos tornaremos cínicos", ele escreve. "Temos os futuros com os quais sonhamos: se nosso único horizonte for o fim do mundo, esse será o nosso presente."
O caos climático, as incertezas econômicas, políticas, sociais e tecnológicas, a vida confinada nas telas, a validação por curtidas nas redes sociais... as novas gerações acumulam a herança dos problemas criados por seus antepassados e se desenvolvem cercadas pela sensação de inadequação frente aos ideais de sucesso que lhes são impostos — inalcançáveis, na maioria das vezes.
Como defende Barnés, futurofobia é acreditar nas distopias e desconfiar das utopias. Não à toa, o mundo testemunha a escalada de doenças psiquiátricas entre os jovens.
No Brasil, ao longo da última década, os atendimentos no Sistema Único de Saúde (SUS) por ansiedade entre adolescentes de 15 a 19 anos aumentaram 3.300%. E isso só na rede pública, onde as consultas psiquiátricas tendem a ser menores do que nos consultórios privados.
Para Rosa, uma das futuristas mais influentes da América Latina, uma das consequências mais nefastas da desesperança é o esvaziamento da curiosidade e da criatividade — “imaginar é resistir”, argumentam os analistas em Da Futurofobia à Futurotopia.
E tal afirmação não é tão poética quanto pode soar. “A imaginação é muito prática: a matéria-prima da inovação”, diz a executiva. “Você não cria uma inovação, se você não imaginar.” Uma sociedade capaz de imaginar fornece espaço para o florescimento das respostas aos desafios que lhe são colocados.
"O agora absoluto do algoritmo"
Falta de linguagem simbólica, de tédio criativo e de silêncio estão entre os males do século 21. “O impacto da inteligência artificial sobre os jovens vai além da técnica, atinge o imaginário, o desejo e a autonomia. Quando o futuro é mediado por algoritmos, corremos o risco de trocar a construção de sentido pela reprodução automática”, informa o estudo.
A IA, embora potencialmente transformadora, é absorvida pelos jovens como um sistema que “valoriza a velocidade, o engajamento e a otimização em detrimento do pensamento, da pausa e da autoria. O futuro, quando mediado por dados e notificações, parece pré-definido. E isso bloqueia o desejo”.
Ou, como sintetiza o futurista Carlos Piazza, um dos especialistas consultados pelo TTF, “a juventude está aprisionada no agora absoluto do algoritmo”.
“É mais fácil prever o colapso do que imaginar alternativas de vida”, disse um dos entrevistados ouvidos pelos pesquisadores. A mente da juventude está "colonizada" por uma ideia de futuro que não é a sua, observa Rosa.
A boa notícia é que, para a imensa maioria dos jovens (87%), imaginar o futuro em seus próprios termos é algo que pode ser aprendido. Ou seja, eles não estão apáticos nem desinteressados.
"Aprender a imaginar o futuro não é um luxo criativo — é uma necessidade cognitiva, emocional e estratégica", defende Rosa.
Essa lição, porém, não se aprende na escola, pelo menos não no modelo de ensino predominante no Brasil, cujas bases remontam ao século 19. Um sistema ainda centrado no desempenho, no certo ou errado, na previsibilidade do que já se conhece ou pode ser provado.
Um primeiro passo é colocar os jovens em contato com a temporalidade: olhar para o passado com consciência histórica, imaginar o futuro com criatividade crítica, e assim ressignificar o presente, pontua a futurista: "Quando eles compreendem os riscos que precisam ser evitados ou até o que pode ser tirado das soluções do passado, e as possibilidades que podem ser criadas, o presente conturbado provoca menos ansiedade — torna-se um espaço de ação".
A transformação pode vir da conexão das crianças e adolescentes com seus avós e bisavós que viveram a história que eles desconhecem. O TTF trouxe ao Brasil a ideia de alfabetização sobre o futuro e, nas escolas onde a metodologia do movimento é aplicada, a reflexão sobre o amanhã acontece por meio de games, filmes, vídeos e podcasts, entre outras tantas atividades.
"Ensinar o futuro é tão importante quanto ensinar a história", completa Rosa.
O porvir pode ser ameaçador, mas não pode imobilizar. Não se espera das novas gerações um otimismo cego, mas que o futuro volte a ser um lugar desejável, como descrito em Da Futurofobia à Futurotopia.
Que a juventude se reconheça autora de seu tempo e que os descompassos, medos e aflições do presente sejam o ponto de partida para a transformação e a inovação.