O sobrenome de Juliano e Bruno Mendes bem que poderia ser Midas. Aos 50 e 47 anos, respectivamente, os irmãos têm o dom de transformar ideias em ouro puro.

A mais nova empreitada da dupla à frente da Pomerode Alimentos, que deve faturar R$ 20 milhões em 2025, é a primeira loja própria dos queijos Vermont — aberta no começo de maio, em uma das ruas mais turísticas de Blumenau, em Santa Catarina.

Para projetar a loja-balcão, com retaguarda de 3 metros quadrados, a dupla se inspirou em dois negócios de sucesso: a rede de cafeterias The Coffee e a padaria artesanal Na Janela, em São Paulo. Se der certo, promete Juliano, a ideia é replicar o modelo Brasil afora.

Cautela e ousadia, em doses equilibradas, formam a marca registrada dos dois irmãos, que começaram bem longe dos queijos. Em 2002, quando mal se falava em cervejas artesanais brasileiras, a dupla sacudiu o mercado lançando a Eisenbahn.

Seis anos depois, a empresa foi adquirida pela Schincariol — que depois viria a ser comprada pela Heineken. Os Mendes não divulgaram o valor do negócio, mas especulou-se, na época, que eles teriam embolsado R$ 100 milhões.

Os dois eram jovens, na casa dos 30, e poderiam ter decidido curtir a vida. Em vez disso, empreenderam de novo. Até ensaiaram explorar um ramo consolidado, o de restaurantes, e abriram três casas em Blumenau, onde nasceram e ainda vivem.

Mas estava fácil demais. Inquietos, queriam outro negócio tão estimulante quanto o anterior — e lembraram dos queijos.

“Meu irmão tinha visitado a Craft Brewers Conference, em Seattle, e lá conheceu a harmonização de queijos e cervejas. Ninguém falava disso por aqui e, em 2006, começamos a estudar o assunto e fazer degustações. Mas, até aí, a gente só sabia comer queijo”, conta Juliano ao NeoFeed.

Não era fácil conseguir uma grande variedade de produtos artesanais fora do comum, naquele Brasil da primeira década dos anos 2000, e os Mendes enxergaram uma oportunidade.

Aqui, vale uma pausa para explicar como trabalham os irmãos Mendes. Começar um negócio, para a dupla, equivale a fazer um mergulho profundo no assunto, escrutinar o mercado e contratar os melhores consultores, sem contar tostões. Já tinha sido assim na criação da Eisenbahn.

Norberto D’Oliveira, um dos fundadores do bar Frangó, em São Paulo, foi testemunha e palpiteiro oficial na época. “Eles traziam amostras, gostavam de saber o que achávamos das cervejas. A gente tinha conhecimento, mas acabamos aprendendo mais com eles”, conta ao NeoFeed.

Como não sabiam patavinas sobre produção de queijo, contrataram um consultor especializado em leite para garantir que havia matéria-prima suficiente em Blumenau e outro que os levou em expedição por queijarias de São Paulo e Minas Gerais. Em seguida, matricularam-se no curso The Artisan Cheese and Sensory Fundamentals Certificate, da Universidade de Vermont, nos Estados Unidos, com duas semanas de duração.

Era para ser do zero

Foram dois anos, entre 2011 e 2013, estudando, visitando, analisando planilhas. Até então, os Mendes planejavam erguer uma queijaria do zero, dia a dia, que registravam no blog Diário do Queijo. Aí apareceu a família Ziehlsdorf, querendo vender a Laticínios Pomerode.

Pequenina, dedicada a um único produto — o creme de parmesão Kraeuterkaese, receita de 1948 vendida em bisnagas —, a fábrica só funcionava um período por semana e dava pistas de que não resistiria por muito tempo. Juliano e Bruno viram vantagens ali.

“Eles fabricavam um produto com história, vendido para clientes importantes, como Casa Santa Luzia, redes Zaffari e Zona Sul, e tinha SIF [Selo de Inspeção Federal, que permite comercialização em todo o território nacional]”, justifica o irmão mais velho.

O "cremosão" Morro Azul foi considerado o melhor da América Latina no World Cheese Awards. No ano pasado, conquistou o primeiro lugar no Mundial do Queijo do Brasil (Foto: Divulgação)

Com retaguarda de apena 3 m², a loja em Blumenau pode ser a primeira de uma rede (Foto: Divulgação)

Quando os Mendes compraram a Laticínios Pomerode, a empresa só fabricava o creme de parmesão Kraeuterkaese (foto: Divulgação)

O queijo Brebis é produzido com leite de ovelha, cujos teores de proteína e gordura são bem mais altos do que o leite de vaca (Foto: Divulgação)

Por seu preço mais camarada, o queijo semiduro Dos Mendes ajudou a estimular as vendas durante a pandemia (Foto: Divulgação)

O queijo para raclette da Vermont foi desenvolvido para a chef Roberta Sudbrack, prima de Juliano e Bruno (Foto: Divulgação)

O O Vale do Testo passa por um processo de maturação de três, seis e doze meses, sendo lavado semanalmente com uma solução à base de água, sal e microorganismos, como a bactéria Brevibacterium linens, que intensifica seu sabor (Foto: Divulgação)

Por contrato de confidencialidade, os Mendes não podem revelar quanto pagaram pelo negócio — que acabou saindo mais caro do que o previsto. “As instalações estavam ok, mas os equipamentos eram obsoletos e o espaço, apertado. Resolvemos construir uma fábrica maior, o que atrasou o plano de negócios em quatro anos”, lembra Juliano.

O investimento total no empreendimento, segundo Bruno, chegou a R$ 10 milhões.

Rock n' roll

Naquele início, eles se limitaram a desenvolver produtos simples do ponto de vista técnico, como os cremosos de mofo branco, ao estilo do brie e do camembert. Arriscavam pouco. Foi só em 2019 que embarcaram no primeiro queijo autoral — e não deixaram barato.

Cremoso e potente, o Morro Azul leva uma cinta de lâmina de carvalho, que mantém sua forma. É feito para remover a tampa e comer às colheradas — a inspiração veio do suíço Vacherin Mont-d’Or.

“Fomos à Suíça para a pesquisa, mas fizemos uma receita nossa. O deles tem casca lavada, nós aplicamos mofo branco”, diferencia Juliano. “O leigo vê o queijo cremosão e acha que é gordura, mas é umidade.”

Em 2023, o Morro Azul foi considerado o melhor da América Latina no World Cheese Awards, um dos mais importantes concursos mundiais. No ano seguinte, faturou o primeiro lugar no Mundial do Queijo do Brasil.

Falco Bonfadini, proprietário da Galeria do Queijo, em São Paulo, e jurado do World Cheese Awards, lembra como o produto surpreendeu os especialistas. “Ninguém fazia nada parecido no mercado brasileiro. O Morro Azul não fica cremoso por ser recheado, é pura técnica, nada fácil de conseguir”, diz ele ao NeoFeed. Em sua loja, a unidade com 125 gramas custa R$ 37,95.

De lá para cá, o portfólio da marca Vermont cresceu na direção das criações autorais — a exceção é a raclette desenvolvida para a chef Roberta Sudbrack, que é prima dos dois. No mais, os Mendes gostam de desafios.

Durante a pandemia, por sugestão de Bonfadini, inventaram o Dos Mendes, queijo semiduro que, pelo preço mais camarada, ajudou a estimular as vendas durante o isolamento.

Também nasceu por encomenda do chef Carlos Bertolazzi o Weisskaese, queijo branco fresco e macio que finaliza seu nhoque com molho de tomate e fonduta, best seller do restaurante Zena.

Mais do que cliente, Bertolazzi é amigo e, mais recentemente, colega de banda. Com Juliano na bateria e Bruno no baixo, o chef e o dentista Rafael Chaise se dividem entre guitarra e voz.

O repertório é de rock clássico, mas o toque de ironia está no nome da banda: Linens. Para quem não ligou o nome à pessoa, trata-se de uma homenagem à Brevibacterium linens, uma das bactérias responsáveis pelo cheiro forte do queijo.