Paula Lindenberg, presidente da Diageo, foi até Jalisco, no México, conhecer as plantações de agave azul e a produção da tequila do grupo, a Don Julio. A primeira questão que lhe veio à mente diante daquele campo ensolarado e de um produto tão intrínseco à cultura mexicana foi ‘como vou desenvolver este destilado no Brasil?’
Com uma grande presença latina, os EUA se tornaram o segundo maior consumidor de tequila no mundo, depois do México, e a bebida superou as vendas até mesmo de uísque americano por lá, no ano passado. Na Diageo, no ano fiscal que terminou em junho, as vendas de tequila cresceram 19%.
No Brasil, a tequila é uma categoria “pouco explorada”. A Diageo só começou a trazer a Don Julio este ano, por exemplo. A cachaça é a bebida dominante no país, com 67,4% do mercado de destilados pelos dados da Euromonitor de 2022. Para o grupo, que atua no segmento premium e que detém a marca Ypióca, o que se destaca mesmo é o uísque com as marcas Johnnie Walker e Old Parr.
“Somos um país cervejeiro e não temos grande proximidade com o México. Este é só um dos aspectos que ajuda no crescimento da tequila, mas não é determinante”, disse Paula ao NeoFeed. A bebida “se expande no Canadá, no Reino Unidos, na Rússia e no Japão que também não contam com influência mexicana.”
Paula navegou muitos anos no mundo da cerveja, com 17 anos de Ambev e três de AB InBev, em Londres. Sabe como é a disputa nos bares. Mas o jogo agora é outro, nada daqueles oceanos de copos vazios numa beberagem selvagem de shots.
A tequila “cresceu nos Estados Unidos com a premiunização” impulsionada pela coquetelaria e por sua celebritização. E é a mesma estratégia que será adotada no Brasil, ou seja, reposicionar e cultivar uma nova forma de consumir a bebida.
A pandemia, diz ela, acelerou o interesse das pessoas por coquetelaria, "mas também por beber menos e melhor, investindo em produtos de melhor qualidade.” O mercado de bebidas premium, incluindo cerveja, deve crescer numa taxa de 8,43% ao ano até 2027, segundo a consultoria Mordor Intelligence.
Tequila elegante em copo de champagne? Esta semana lá estava ela “vestida de gala”, digamos, na festa das grife Christian Louboutin, em São Paulo. A Dom Júlio 1942, recém-chegada ao Brasil ao preço médio R$ 1,7 mil, já frequenta há algum tempo os circuitos festivos de celebridades nos EUA, como os das Kardashians. Sua garrafa icônica, e facilmente identificável, também está em séries como White Lotus, da HBO.
“Estar nas mãos certas nos momentos certos” é uma das estratégias que a Diageo estabeleceu para a tequila, o fator “coolest”. A companhia se beneficia também do fato de muitas celebridades lançarem suas próprias marcas, dando ainda mais visibilidade para a categoria como um todo.
É o caso Dwayne Johnson, o The Rock, com a marca Teremana, Kendall Jenner com a tequila 818 e George Clooney, que lançou a Casamigos em 2013 e vendeu para a Diageo, em 2017, por US$ 1 bilhão.
A outra estratégia é a “drinkhero”, um “coquetel de guerrilha” que ressuscita destilados como foi o caso recente do gin tônica para o gim. Na Diageo, a aposta é em Paloma. “Foi o drinque que despontou no verão europeu”, diz Paula. Na receita original, leva tequila branca, suco e refrigerante de grapefruit e xarope de agave.
Por aqui, como não é fácil encontrar refrigerante de grapefruit, por enquanto, as versões propostas usam suco da própria fruta com complementação de club soda, água com gás ou refrigerante de limão. A graduação alcóolica média é de 12%.
Por que, então, não se alicerçar na margarita, que já é mais associada a tequila? “A Paloma é mais refrescante por sua composição com suco de fruta e gelo, e dessa forma o álcool se dilui mais, uma busca dos consumidores que tem impactado o mercado”, avalia Néli Pereira, pesquisadora e consultora de projetos para a indústria de bebidas.
Estabelecer um "drink hero" é uma tática recorrente do setor e que tem levantado várias categorias, como no caso do Aperol Spritz, por exemplo, que tirou poeira do amaro até então escondido no portfólio da Campari. A tequila, lembra Néli, já havia passado por uma tentativa de revitalização no Brasil na década de 90. “Mas era numa versão mais popular e ancorada na margarita frozen.”
Para ela, “2024 vai ser o ano da tequila porque, desta vez, todos os grupos têm um produto premium em seu portfólio e vão investir e se beneficiar conjuntamente”, diz ela. É o caso da Espolón (Campari), da Olmeca 100% agave (Pernod Ricard), Patrón (Bacardi) e versões de Jose Cuervo (Proximo Spirits).
A própria Diageo, que com quatro rótulos de Don Julio, ainda tem no portfólio a Casamigos, que pode chegar ao mercado já no próximo ano.
Outros setores da indústria também já estão de olho na expansão da tequila e na onda de coquetéis que devem vir por aí. A Ambev, por meio da marca Antarctica, já encomendou a Néli a criação de um drinque para o verão deste ano.
O Margarita Tônica leva curaçao blue, tônica e tequila. A Schweppes, por sua vez, lançou a versão salty lemon com notas cítricas e toques de sal e limão para harmonizar com tequila.
A Diageo, que detém as marcas Johnnie Walker, Tanqueray, Smirnof e Ypióca, alcançou um lucro operacional de 4,74 bilhões de libras no ano fiscal de 2023, um crescimento de 5,1 % em relação ao período anterior.
A América Latina e Caribe responderam por 11% das vendas globais, sendo que o Brasil representa 25% das vendas da região. A expectativa da companhia com o país que dobrou de tamanho de 2019 a 2023 é repetir o feito, novamente, até 2028.