VENEZA — Como entender algo tão incompreensível como a guerra? Foi essa pergunta que levou Albert Einstein (1879-1955) a se corresponder com Sigmund Freud (1856-1939), há mais de 90 anos, quando o mundo assistia à ascensão do nazismo, o que infalivelmente levou à Segunda Guerra Mundial.

Em 1931, ao ser convidado pela Liga das Nações (organização que inspirou a criação da ONU) para trocar ideia com outro pensador, o gênio da física escolheu o pai da psicanálise. A ideia por trás do debate era tentar impedir que outra tragédia, como a Primeira Guerra Mundial (1914-1918), assolasse a Europa.

Basicamente, o físico alemão queria saber se o psicanalista austríaco, por ser um estudioso da psique, via alguma maneira de livrar a humanidade da ameaça da guerra. Ainda que Freud não tenha apresentado uma solução, a troca de cartas discutiu a natureza humana, a razão das guerras e o papel da indústria armamentista.

A correspondência, trocada em 1932, foi redescoberta recentemente pelo cineasta israelense Amos Gitai, quando ele buscava conforto no mundo das ideias. “Procurei ler e reler as reflexões de intelectuais sobre as guerras, após os ataques de 7 de outubro, no ano passado, o que me deixou muito triste”, contou o diretor, de 74 anos, referindo-se ao início do conflito Israel-Hamas.

Daí surgiu a ideia de dirigir um ensaio cinematográfico baseado na correspondência entre Einstein e Freud, publicada no livro Por que a Guerra?. O diálogo entre os dois grandes pensadores foi lançado em Paris, em francês, inglês e alemão, em março de 1933, quando o ditador Adolf Hitler já tinha assumido o poder na Alemanha, onde a obra foi proibida.

Também batizado de Por que a Guerra?, o filme teve première mundial durante a 81ª edição do Festival de Veneza, realizado entre agosto e setembro. Agora o longa é apresentado no Brasil, na programação desta 48ª Mostra Internacional de Cinema de São Paulo, que será encerrada em 30 de outubro.

“Trata-se de um filme antiguerra que não usa a típica iconografia, com imagens chocantes”, disse Amos Gitai, ao NeoFeed, durante a sua passagem pelo festival italiano. “E a ideia aqui não é apenas explorar o conflito entre Israel e Palestina, que não é o único no mundo. A proposta é mais abrangente, no sentido de questionar o motivo que nos leva a entrar em guerra uns com os outros.”

Ao longo de 87 minutos de duração, Por que a Guerra? entrelaça trechos em que atores interpretam os dois pensadores com cenas que abordam o dano psicológico das guerras.

As imagens brutais de Goya

Há, sim, alguns registros dos horrores dos conflitos, com cadáveres e mutilação de corpos, mas apenas no campo das artes. Ou seja, são obras artísticas que denunciam as crueldades.

“As imagens mais brutais que mostro no filme são os trabalhos de Francisco de Goya”, afirmou Gitai, que selecionou gravuras da série Os Desastres da Guerra. Esse trabalho foi realizado pelo pintor espanhol, de 1810 a 1815, baseado nos estragos deixados pela Guerra da Independência Espanhola.

Por que a Guerra? traz os atores franceses Mathieu Amalric e Micha Lescot nos papéis de Freud e Einstein, respectivamente. Em suas cenas, os intelectuais geralmente discutem sozinhos as ideias que colocam no papel para o seu interlocutor. Mas, por nem sempre concordarem, eles também são vistos no filme brigando, em um momento de licença poética de Gitai.

Ao tentar explicar a guerra, Freud, que era o mais pessimista da dupla, usou os conceitos de pulsão de vida e de morte. Enquanto o primeiro diz respeito a “preservar e unir”, a tendência do segundo é “destruir e matar”. Indissociáveis, cada lado seria tão vital quanto o outro, na construção do instinto humano.

Einstein, que tinha um discurso mais humanista e utópico, trazia os aspectos políticos à discussão sobre uma possível paz mundial. O físico defendia a necessidade de uma organização internacional independente, que estivesse acima de todas as nações e que pudesse resolver e mediar as disputas.

“Nas cartas, Freud e Einstein definem o discurso moderno sobre a violência que até hoje é empregada em nome da religião, da raça e da nacionalidade”, contou Gitai, mais conhecido por Kadosh — Laços Sagrados (1999), Kippur — O Dia do Perdão (2000), Kedma (2002) e Terra Prometida  (2004), entre outros títulos.

Como o cineasta conclui: “A correspondência dos dois gênios continua tão relevante quanto na década de 1930”.