Desde pequena, Luana Vitra se interessou por experiências que envolvessem “profundidade e intensidade, algo muito próprio da arte”, conta.

Achava que faria vestibular para dança, que começara a praticar aos 12 anos, mas um curso de confecção de moda, que fizera para costurar as próprias roupas, trouxe os primeiros indícios de que viria a ser uma artista visual por meio dos desenhos, que ainda hoje fazem parte de seu processo criativo.

Aos 28, Luana é atualmente um dos nomes mais requisitados da cena de arte contemporânea brasileira. Destaque da 35ª Bienal de São Paulo, em cartaz até 10/12, acaba de inaugurar uma instalação no Instituto Inhotim. Seu currículo elenca, entre outras, uma mostra individual no Centro Cultural São Paulo (“Três Guerras no Peito”, 2020) e coletivas no MAM Rio (“Atos de Revolta”, 2022) e Sesc Belenzinho (“Dos Brasis”, ainda em cartaz).

Com cinco anos de carreira – Luana se formou em 2018 como Bacharel em Artes Plásticas com habilitação em escultura pela Escola Guignard (UEMG) –, a artista tem obras nos acervos da Pinacoteca de São Paulo e do Museu de Arte da Pampulha, em Belo Horizonte, entre outros. Em meados deste ano, recebeu o Prêmio Pipa, o mais importante da área no Brasil.

Em paralelo à robusta presença institucional, Luana viu o preço de suas obras triplicar ao longo dos últimos dois anos. Rodrigo Mitre, cuja galeria a representa desde 2018, revelou ao NeoFeed os trabalhos da artista custam entre US$ 8 mil e US$ 30 mil. A instalação da Bienal é estimada em US$ 400 mil; a de Inhotim, em cerca de US$ 200 mil.

A carreira internacional de Luana também vem se fortalecendo: já fez exposições em Portugal e na Holanda. Começou, em outubro, na África do Sul, uma residência de seis meses financiada pela The Hartwig Art Foundation.

Está por realizar uma mostra na Foundation for Contemporary Art, de Gana, na África, e em meados do próximo ano, faz outra residência, desta vez na La Becque Résidences d’Artistes, na Suíça.

Uma das faces da instalação Giro, em Inhotim

A trajetória de Luana é intimamente ligada à suas origens. A artista nasceu em Contagem, cidade industrial pertencente à Região Metropolitana de Belo Horizonte. De sua história, do passado ao presente, extrai alguns dos temas que marcam suas criações.

“A transformação de um corpo que vive na zona rural em mera mão de obra é de uma violência tamanha. Do mesmo jeito que a redução da natureza a um recurso, ao que ela pode dar em termos capitalistas. É um vetor que tem início no Brasil Colônia, com a escravidão, e que se perpetua”, argumenta.

Em “Pulmão da Mina”, instalação que apresenta na 35ª Bienal, Luana faz referência aos africanos escravizados que levavam canários para a minas onde trabalhavam no Brasil. Pássaros muito sensíveis a gases tóxicos, sinalizavam os riscos para os mineiros se parassem de cantar.

Os canários mortos de cobre, detalhe da instalação "Pulmão da Mina"

Na obra, as flechas – elementos recorrentes em seus trabalhos, alusões a Ogum, orixá ligado ao ferro – surgem como “vetores da vida e da morte o tempo inteiro, posicionados em relação aos pássaros”.

A repetição é um aspecto formal também recorrente nas obras de Luana, algo que ela reputa em parte às rezas com rosários do catolicismo em Minas Gerais, à sequência de suas contas.

“A serialidade também está presente, tanto no trabalho da Bienal quanto em Inhotim, com a repetição das cruzes e das pedras de minério, por exemplo”, observa Déri Andrade, curador assistente do instituto mineiro.

Andrade, que trabalhou junto a Luana na exposição coletiva “Direito à forma”, também no Inhotim, destaca que Luana, cujas criações são marcadas pela presença do ferro, começou a manusear o cobre na Bienal.

O material agora predomina na instalação recém-inaugurada no Inhotim, ao lado do barro, de tecido e de cerâmicas sobre as quais a artista fez desenhos. Andrade ressalta ainda que Luana “trabalha muito a materialidade” e, a partir da escolha dos materiais, começa a desenvolver suas obras em torno deles.

Para o curador Germano Dushá, as criações da artista partem “de um jogo radical, de entrega profunda, um jogo de corpo entre ela e o material”.

Dushá foi curador de duas exposições com Luana, em 2023: a coletiva “Esfíngico Frontal”, apresentada na galeria Mendes Wood DM, em São Paulo, e na individual “Viver e morrer pela boca”, na Galeria Bruno Múrias de Lisboa (Portugal).

Ainda segundo o curador, na obra de Luana, a matéria-prima também é o assunto. “Quando ela começou, havia questões até mais literais, políticas, ligadas à mineração. Mas o trabalho foi ganhando corpo e escala, misturando outros elementos, como tecidos, compondo versos, uma poesia com os materiais”, afirma.

A força da palavra

Filha do marceneiro Jorge da Costa e da professora e poeta Graziela Pires, Luana tem um grande apreço pela palavra. Quando tinha 15 anos, batizou sua conta numa rede social não com seu nome, mas como Cadeia de Corpo. À época, diz, não sabia ao certo que queria dizer.

Com o passar dos anos, sugere, passou a fazer mais sentido: em 2021, na Trienal de Arte do Sesc Sorocaba, apresentou a instalação “Zanzado em trama é armação de arapuca”, feita a partir de fragmentos de armadilhas diversas, compradas na Bahia e em Minas Gerais.

Obra na mostra coletiva no MAM, no Rio de Janeiro

Luana afirma que entende seu próprio corpo como uma armadilha, como uma estratégia de sobrevivência. Em um texto no seu site, elabora: “Ser armadilha é trazer o inimigo para dentro de si, e não é todo inimigo que se traz pra dentro. Ao desmontar as 60 armadilhas retirei de várias delas a capacidade de capturar. No meu bairro, Jardim Laguna, aprendi que se você sabe ameaçar, você está protegido”.

Na conta Cadeia do Corpo, Luana costuma compartilhar trechos de textos curatoriais de suas exposições, de poemas, ou mesmo textos próprios.

Seus títulos por vezes lembram as palavras-valise, as aglutinações de vocábulos da poesia concreta, a exemplo de “Murmúrio-motim”, com que batizou um trabalho em homenagem ao bisavô, morto de silicose, doença decorrente da inalação e do acúmulo nos pulmões do pó de pedra.

Em março desde ano, quando participou da coletiva “Esfíngico Frontal”, ela escreveu que havia se apaixonado por “Fio desencapado, isca de confusão”, obra apresentada na coletiva da Mendes Wood DM.

No post, afirmou: “Tem algo nele que revela alguma exatidão em mim. Eu amo ser artista, nesses últimos dias estou especialmente apaixonada por esse ofício. A matéria é encantadora. É um presente ser devota dos minerais”.